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A gestão da Casa comum
Boletim da AIM • 2022 - No 122
Índice
Editorial
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB, Presidente da AIM
Lectio Divina
Salmo 19 (18), 1-7
Madre Nirmala Narikunnel, OSB
Perspectivas
• Atualidades da Confederação beneditina
Dom Gregory Polan, Abade Primaz
• Uma nova etapa para a vida monástica
Dom Mauro-Giuseppe Lepori, Ocist
Abertura ao mundo
Compreender o antropoceno
Sr. Bernard Lucet
Testemunhos
• França: os mosteiros ecologistas
Irmã Nathanaëlle Lefoulon, OSB
• Celebrar a criação de Deus plantando árvores
As Irmãs Beneditinas Missionárias de Tutzing
Economia e vida monástica
• Os mosteiros para uma economia alternativa e durável
Sr. Benoît-Joseph Pons
• O celeireiro segundo a Regra de São Bento: Sobre a conferência de Dom Simon Madeko, OSB
por Dom Médard Kimengwa Kitobo, OSB
Liturgia
O monaquismo cistercience de rito guèze Dom Négusse Woldai, Ocist
Grandes figuras para a vida monástica
Viktor Josef Dammertz, OSB
P. Cyrill Schäffer, OSB
Novidades
• A Fundação Benedictus
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB
• A evolução das congregações beneditinas, do ponto de vista feminino
Madre Franziska Lukas, OSB
• Conclusão do relatório sobre a evolução da Confederação beneditina em 140 anos
Thomas Piazza, e Dom Geraldo González y Lima, OSB
• Relatório do Secretário Geral do DIM (Diálogo Interreligioso Monástico) para o Conselho de Administração da AIM
Dom William Skudlarek, OSB
Editorial
Este novo número do Boletim da AIM prolonga de uma certa maneira o precedente e propõe um olhar concreto sobre a gestão da Casa comum tal como a preconizam Laudate si’ e Fratelli tutti.
Estamos felizes por abrir este volume com uma lectio divina da Madre Nirmala Narikunnel, abadessa de Shanti Nilayam, na Índia, sobre o salmo 19 (18): «Os céus proclamam a glória de Deus».
Encontraremos uma reflexão sobre o estado de coisas na nova era que já começou desde meados do século XX e que é cada vez mais chamada de era do Antropoceno; um olhar sobre a proposta de uma economia alternativa tal como pode ser vivida nos mosteiros; uma releitura do papel do celeireiro em sinergia com o abade para exercer, no mosteiro e nos arredores, a responsabilidade de um avanço saudável, levando em conta as questões do mundo atual em atenção ao que diz a Regra.
Outras mediações ou notas completam este número. Relatamos as propostas do Abade Primaz, Dom Gregory Polan, na abertura do nosso Conselho em outubro de 2021, do Abade Geral dos Cistercienses (OCist) bem como da Madre Franziska Lukas, abadessa de Dinklage, sobre a experiência da criação de uma Congregação Beneditina europeia a partir do documento romano Cor orans.
O Prior de Asmara, na Eritreia, apresenta-nos aqui alguns aspectos da liturgia etíope. Enfim, damos algumas notícias monásticas.
Avancemos juntos, com determinação, para contribuir para a construção de um mundo novo.
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB
Presidente da AIM
Artigos
Ecologia e vida monástica
1
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB
Presidente da AIM
Ecologia e vida monástica
Literalmente, a ecologia segundo a origem grega desta palavra (oikos-logos), é o discurso sobre a vida dentro de uma casa, neste caso, o espaço e o tempo em que os seres humanos vivem.
Este discurso deve conduzir à ação: literalmente, estes estão agrupados sob o termo economia; de fato, de acordo com a origem grega do termo (oikos-nomos), a economia é o conjunto de «leis» que damos para viver juntos neste espaço e neste tempo. É uma pena que este vocábulo seja, hoje, aplicado apenas no sentido financeiro. No entanto, ele diz respeito a todos os elementos da vida pessoal, social e mesmo espiritual. Há uma maneira econômica de viver juntos e uma ecologia pessoal saudável. Os monges estão, sem dúvida, neste estado de espírito.
Segundo a Regra de São Bento, sua prioridade econômica é a escuta de Deus e dos seus semelhantes para a livre partilha de uma palavra útil com relação aos fundamentos. É por isso que os monges privilegiam o silêncio, na medida do possível, a fim de que as palavras trocadas tenham o seu autêntico peso. Poder-se-ia dizer que a escuta essencial, tanto de si mesmo como dos outros e dessa Voz misteriosa que nos precede e que chamamos Deus, é a base de toda a economia ecológica. O múltiplo sentido da palavra está certamente na origem de toda a primeira crise econômica da vida humana. A palavra é um bem recebido e está à disposição de todos. Ela requer um grande desimpedimento para poder ser percebida em toda a sua grande riqueza.
Assim, tudo no mosteiro é organizado em função desta ecologia humana, tanto para a vida pessoal como para a vida comunitária.
Dia a dia, os monges tornam-se atentos ao bem supremo da Palavra que vem do Alto. Eles se reúnem sete vezes por dia para a oração. Eles se colocam na presença da fonte ativa à qual querem se conectar em primeiro lugar, e respondem-lhe cantando em abundância tanto para exprimir o louvor do dom da criação e da vida como para lançar o grito de angústia de uma humanidade frequentemente posta à prova no caminho deste mundo.
Eles organizam os seus espaços de maneira que cada detalhe tenha todo o seu valor. A Regra de São Bento pede ao celeireiro do mosteiro que vele para que se trate todas as coisas no mosteiro com o mesmo cuidado que os vasos sagrados do altar.
Espaços verdes, hortas, pomares, florestas ou terrenos agrícolas: tudo no mosteiro se torna um espaço de contemplação. Hoje muitos mosteiros são cuidadosos em preservar o espaço através de regras elementares sobre as quais o movimento ecológico chama nossa atenção.
A relação com o tempo partilhado é igualmente vivida em uma economia saudável, mesmo que hoje a instituição monástica, pelo menos no Ocidente, seja pressionada pelos mesmos imperativos de produtividade que a sociedade ao seu redor. Todavia, o equilíbrio que se pretende viver entre oração, trabalho e vida fraterna continua sendo uma regra importante que deve a todo o custo ser preservada para uma boa economia social. Para isso, os mosteiros contam com o potencial da extraordinária rede de solidariedade constituída pelas numerosas comunidades espalhadas pelos cinco continentes. Poder-se-ia dizer que a vida monástica desenvolve o ideal ecológico de uma globalização fraterna.
A alimentação é também um importante item econômico e ecológico para os monges. Comer, para eles, implica sempre o reconhecimento de um dom recebido e partilhado. Comer sobriamente, sem excessos nem desperdícios, é uma regra sobre a qual insiste São Bento. Os pratos serão suficientes, saudáveis e equilibrados para permitir um crescimento feliz e um bom desenvolvimento do resto das atividades. Se há um símbolo de um bom equilíbrio na vida, é o do consumo, especialmente de alimentos. As comunidades monásticas realmente tentam refletir sobre isso, mesmo quando são obrigadas a recorrer a serviços externos.
O conforto da vida ordinária limita-se ao que é necessário. Dá-se a cada um aquilo de que precisa efetivamente. Tudo é posto em comum para uma economia solidária. Colocar em comum os recursos de uma comunidade permite reduzir as despesas e investir em projetos mais desenvolvidos, que um indivíduo ou uma família isolados não poderiam realizar.
Ao acolher hóspedes por períodos de silêncio ou retiro, os centros monásticos se apresentam no coração das nossas sociedades como um oásis onde podemos tentar respirar e partilhar de uma maneira melhor, possuir ilusoriamente menos, a fim de sermos mais nós próprios no relacionamento com os outros.
É surpreendente, na Regra de São Bento, constatar que o capítulo mais ecológico é aquele que concerne a economia do mosteiro:
«Seja escolhido para Celeireiro do mosteiro, dentre os membros da comunidade, um irmão sábio, maduro de caráter, sóbrio, que não coma muito, não seja orgulhoso, nem turbulento, nem injuriador, nem tardo, nem pródigo, mas temente a Deus; que seja como um pai para toda a comunidade. Tome conta de tudo. [...] Não entristeça seus irmãos. Se algum irmão, por acaso, lhe pedir alguma coisa desarrazoadamente, não o entristeça desprezando-o, mas negue, razoavelmente, com humildade, ao que pede mal. Guarde a sua alma. [...]
Cuide com toda solicitude dos enfermos, das crianças, dos hóspedes e dos pobres. [...]
Considere todos os objetos do mosteiro e demais utensílios como vasos sagrados do altar. Nada negligencie. Não se entregue à avareza, nem seja pródigo e esbanjador dos bens do mosteiro; mas faça tudo com medida.» (RB 31)
É claro que a vida do mosteiro não recai sobre o celeireiro, mas o seu exemplo, como o exemplo de todos no mosteiro, pode encorajar a comunidade a tomar decisões justas para um testemunho ecológico sempre atualizado.
Os céus e a terra proclamam a glória de Deus
2
Lectio divina
Madre Nirmala Narikunnel, OSB
Abadessa de Shanti Nilayam (Índia)
Os céus e a terra proclamam
a glória de Deus (Sl 19[18], 1-7)
Os céus proclamam a glória de Deus,
e o firmamento anuncia as obras de suas mãos.
O dia transmite ao dia a mensagem
e a noite dá conhecimento à outra noite.
Não são palavras nem discursos
nem se ouve a sua voz.
Por toda a terra se difunde o seu som,
e até os confins do mundo vai sua mensagem.
Ali armou uma tenda para o sol,
que sai como um noivo do quarto nupcial,
e exulta como um gigante a percorrer
o seu caminho.
A sua saída é desde os confins dos céus
e o seu percurso vai até o outro extremo,
e nada pode subtrair-se ao seu calor.
O salmista seria talvez um pastor que cuidava de seu rebanho e admirava a criação de Deus. Mesmo sem qualquer conhecimento científico e ignorando a tecnologia do futuro, podia maravilhar-se com a criação e cantar este belo salmo.
Pela sua potente Palavra, Deus criou e organizou o universo inteiro, e os seus planos são irreversíveis. A glória, a magnificência, o esplendor de Deus manifestam-se no salmo. Deus é o criador dos céus e do sol que ilumina o mundo. Os corpos celestes e a sucessão regular do dia e da noite manifestam a glória de Deus e transmitem silenciosamente a sua mensagem, chamando-nos ao louvor de Deus. Deus arranjou maravilhosamente o universo e tudo o que ele contém é para o nosso bem. O céu e a terra manifestam a sua glória. As perfeições de Deus são proclamadas num silêncio eloquente pelo mundo criado. O salmista medita sobre o perfeito silêncio da natureza. Não podemos aproveitar as maravilhas da natureza senão em silêncio. Como o profeta Elias, encontraremos o Criador numa brisa suave. Sem palavra nem voz, a criação descreve a glória de Deus. Ela segue perfeitamente a lei da natureza. O sol não deixará de nascer ou de se pôr porque Deus Criador colocou ordem na criação, e ela segue perfeitamente a ordem que, a menos que ele o queira, não mudará.
São Bento consagra um capítulo inteiro da Santa Regra ao silêncio. Somente no silêncio podemos encontrar Deus como também os nossos semelhantes. Quanto mais o espírito do Homem penetra no mundo que o envolve, mais este testemunho nos espanta pela sua grandeza e glória. Deus maravilhoso de um mundo maravilhoso que merece uma grande honra e uma grande glória. A glória de Deus significa a sua manifestação de si e a sua comunicação, exigindo a resposta de louvor do homem. Em numerosos outros salmos, o salmista convidará toda a criação a celebrar a grandeza do Criador, como, por exemplo, no Salmo 148.
A noite é a ausência de luz solar. A noite e o dia cantam a glória de Deus. O dia proclama o esplendor de Deus, e a noite o seu caráter escondido e o seu mistério. Nem o dia nem a noite podem falar como o homem, mas, não obstante, eles transmitem a sua mensagem enquanto «sacramentos» do poder e da majestade de Deus. A sua eloquência é silenciosa. O louvor prestado a Deus de dia como de noite cobre toda a terra; ela é entendida universalmente.
O sol é a principal e a mais evidente testemunha do esplendor de Deus. É poeticamente concebido como escondido em uma tenda no céu do Oriente antes de aparecer na aurora, e é comparado a um esposo vestido com trajes esplêndidos devido à intensidade do seu calor, e a um herói militar por causa da sua luz.
O salmista impressionou-se muito com o céu, a sequência ininterrupta dos dias e das noites, e o nascer e o pôr do sol. Compôs um poema e cantou-o em presença dos fiéis. O mundo da criação é um espelho que reflete Deus, e todos aqueles que creem como o salmista podem ver os reflexos de Deus no mundo natural. A extrema grandeza e o poder de Deus brilham no santuário celeste, na vasta extensão do céu e sobre toda a terra.
«O sol quando aparece, fazendo uma proclamação à medida que surge, é um instrumento maravilhoso, obra do Altíssimo. Ao meio-dia ele seca a terra, e quem pode suportar seu calor ardente? Um homem que se ocupa de uma fornalha trabalha em um calor feroz, mas o sol queima três vezes mais as montanhas, exala vapores ardentes e, com raios luminosos, cega a vista. Grande é o Senhor que o fez e a seu comando ele se apressa a seguir seu curso.» (Ben Sira 43)
«Louvado sejais, meu Senhor, com todas as vossas criaturas. Sobretudo pelo Irmão sol, que é o dia e através do qual vós nos concedeis a luz, e ele é belo e radiante com grande esplendor, e ele se assemelha a vós, ó Altíssimo.» (São Francisco de Assis)
Deus criou o céu e a terra, e a coroa da criação é o homem. O homem é um pouco menos de Deus (Sl 8). O salmista, um homem comum dotado de uma imaginação prodigiosa e de um profundo sentimento de temor, proclama a majestade e o poder do Criador. Mas o homem desfigurou a beleza da criação pelo pecado. Cristo, como a luz do sol, veio dissipar as trevas deste mundo. O Criador do imenso e maravilhoso universo é tão grande e poderoso, e, contudo, cuida dos seres humanos. Quando o homem abusa ou trata mal a criação, a natureza reage. Recentemente, o nosso mosteiro e as proximidades ficaram inundadas porque algumas pessoas lançaram dejetos na drenagem. Esta ficou bloqueada com chuvas incessantes que afetaram a nossa fazenda e a maior parte das nossa culturas, e contaminaram a água potável. Sofremos grandes perdas. Nada pudemos fazer até que a água recuasse lentamente e isto levou mais de uma semana. Quando a natureza reage, nada podemos fazer senão confiar em Deus transcendente presente na criação.
Rezando este salmo, podemos maravilhar-nos com a criação: com que sabedoria e amor Deus tudo planificou e organizou? Agradecemos a Deus Soberano do universo, todo sábio e todo poderoso, por tudo ter criado tão bom e tão belo. Todo o louvor e toda a glória a Deus pela sabedoria infinita, o seu poder, a sua beleza, a sua criatividade e o seu amor. Louvamos a Deus em nome de toda a criação. Louvar e glorificar o Criador e Sustentador do universo inteiro é o fim último de todas as criaturas e seres humanos.
Senhor Deus, nós te louvamos em nome de toda a criação. A beleza e a bondade de tudo o que fazes, bem como o sistema e a ordem perfeitos na natureza manifestam a tua sabedoria e o teu amor. Tudo o que fazes é uma maravilha. Aceita os louvores e a adoração que te oferecemos, e faz com que todos os seres humanos possam reconhecer a bondade e a sabedoria que estão ativas na criação, e louvar-te de todo o coração.
Atualidades da Confederação beneditina
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Perspectivas
Dom Gregory Polan, OSB
Abade Primaz
Atualidades da Confederação beneditina
Por ocasião do Conselho da AIM em Dinklage (Alemanha), em outubro de 2021, o Abade Primaz partilhou conosco algumas novidades.
Gostaria de compartilhar convosco seis diferentes pontos que dizem respeito ao meu atual trabalho para a Confederação bem como algumas notícias.
Em primeiro lugar, gostaria de oferecer algumas reflexões concernentes à pandemia. Foi um período difícil para todas as nossas comunidades monásticas. Para alguns, a doença e eventual morte, para outros, o estabelecimento de um novo ritmo de vida durante este tempo difícil e incerto. Em Santo Anselmo, havia 123 membros no ano passado e 93 residentes este ano. Manter todos em segurança e com boa saúde foi um verdadeiro desafio. Daquilo que percebi na Confederação, esta tem sido uma oportunidade para comunidades aprofundarem a experiência da lectio divina, tanto em particular como em comunidade. Além disso, várias comunidades falaram da sua experiência de partilha de fé acompanhada de um aprofundamento dos laços fraternos. Foi também muito inspirador entender a maneira como diferentes comunidades estenderam a mão e tentaram estar ao serviço dos outros. A transmissão ao vivo de suas liturgias foi um meio útil de permanecer em contato com os seus oblatos e amigos. Várias comunidades falaram do impacto que o silêncio teve durante este período de pandemia. Houve um aprofundamento do sentido da oração no seio das comunidades, e foi também um tempo de profunda reflexão para os monges, monjas e irmãs que o atestam nas cartas que recebi.
Em segundo lugar, foi no decurso deste ano que vimos desenvolverem-se vários programas de formação monástica em diferentes línguas, muitas vezes vindos de nosso Instituto monástico, aqui, em Santo Anselmo. Sabemos todos que a formação de novos membros nas nossas comunidades é um dos esforços mais importantes nos quais estamos muito envolvidos. É maravilhoso saber que durante este período, quando estamos limitados em questão de viagem, temos consagrado muito tempo a desenvolver estes programas de formação. Isto é algo que eu espero que possamos continuar no futuro.
Em terceiro lugar, como as restrições ligadas à pandemia foram mitigadas, as viagens voltaram a ser possíveis, permitindo-me participar em iniciativas variadas: pregar retiros, participar de reuniões das nossas fundações, participar de jubileus e celebrações monásticas, e igualmente reencontrar as comunidades que desejam ser guiadas e encorajadas.
Em quarto lugar, um dos projetos em Santo Anselmo, que ocupou o nosso tempo e a nossa energia, foi a renovação de um andar das nossas instalações para os hóspedes, assim como a nossa portaria. Após algumas consultas, decidimos renovar apenas um dos andares da hospedaria e somente pintar o outro andar. A razão é que temos vários grupos de estudantes que poderão utilizar estas instalações com bom proveito. Por exemplo, temos um «programa de estudos no estrangeiro» em colaboração com o Colégio da Abadia St Vincent de Latrobe, nos Estados Unidos, o programa dos formadores monásticos (PFM), e diferentes grupos de peregrinação dos nossos mosteiros. Eles ficarão muito satisfeitos com uma simples acomodação, e felizes em poder usufruir de uma hospedagem a baixo custo. Os quartos reformados da hospedaria são certamente bem-vindos para a qualidade do nosso acolhimento, carisma importante da vida beneditina.
Em quinto lugar, aconteceu uma importante discussão com sete superiores gerais recebidos pelo Papa Francisco. A questão dizia respeito a um «privilégio papal» que permitiria a um membro não clerical ser nomeado ou eleito superior de uma comunidade. O Santo Padre foi muito atento e receptivo ao nosso pedido. Disse que apoiaria, mas que, em última instância, esta decisão deveria ser deixada à Congregação para a Vida Consagrada!
Em sexto lugar, aproveito esta ocasião para exprimir os meus sentimentos pessoais e a minha convicção que, embora o número de candidatos à vida monástica esteja diminuindo, penso que há fortes razões para manter a esperança. A esperança é uma virtude importante, pois chama-nos a crer em algo com a convicção de um futuro melhor, mesmo que seja difícil ver além do futuro imediato. Se observarmos a história da vida monástica, vemos que há momentos em que diferentes movimentos ou guerras tiveram um impacto sobre o número de pessoas entrando nas comunidades monásticas. Há tempos de crescimento e tempos de diminuição. Os nossos 1500 anos de história mostram-nos que, mesmo nos piores momentos, há um ressurgimento que se segue, dando-nos razões para ter esperança no futuro. Penso que é igualmente importante poder ver que neste período de pandemia as comunidades monásticas de todo o mundo estão verdadeiramente unidas nos seus esforços para trabalhar em paz e harmonia, permanecendo ao serviço dos outros. Estes são elementos importantes que distinguem a nossa vida monástica e nos dão razões para crer que a tradição beneditina prosseguirá por muitos anos futuros.
Uma nova etapa para a vida monástica
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Perspectivas
Dom Mauro-Giuseppe Lepori, OCist
Abade geral da Ordem cistercience
Uma nova etapa para a vida monástica
As estatísticas da Ordem Cisterciense continuam a baixar, mesmo se no Vietnã e na África e em certos mosteiros, em particular na Europa, os números pareçam sempre reanimadores.
Como exemplo atual: visitei, com a Abadessa Presidente várias comunidades da Congregação de Castela, que compreende cerca dez mosteiros de monjas na Espanha. Em duas semanas, tivemos a eleição de uma nova abadessa indiana, decidimos fechar dois mosteiros com uma transferência das Irmãs ao mosteiro de acolhimento em Madrid; decidimos afiliar dois outros mosteiros, e nomeamos uma prioresa administradora em outro mosteiro.
Tudo isso poderia parecer uma lista bastante trágica, exceto para a abadessa indiana, e, contudo, a maneira como tudo aconteceu encheu-nos de gratidão e, finalmente, de esperança. Não esperanças no plural, mas esperança no singular. Ver comunidades que aceitam seu fim com serenidade, sabendo que são acompanhadas e amadas, nos enchem de esperança, pelo fruto abundante que as sementes que caíram em boa terra podem produzir. Onde? Quando? Só Deus sabe.
Há um mês, tivemos uma reunião informal na Casa Geral do Sínodo da Ordem para relançar a preparação do Capítulo Geral agendado para outubro de 2022. Além de dois abades do Vietnã e um do Canadá, cerca de vinte membros puderam participar neste encontro: foi uma ótima reunião e muito necessária. Reelaboramos os temas principais que queremos tratar no próximo Capítulo Geral: abuso de poder e visitas regulares; formação; estruturas de governo da Ordem; fundações e redução do número de mosteiros.
Eis algumas passagens da minha reflexão introdutória neste sínodo, que intitulei: «Reencontrar um equilíbrio monástico para recomeçar um caminho de comunhão sinodal».
Eu disse que não era suficiente pensar em como realizar um Capítulo Geral apesar da crise do coronavírus. Creio que esta crise nos leva sobretudo a pensar no Capítulo Geral e na Ordem com um maior senso de responsabilidade, ou melhor, de uma forma mais «dramática» e madura: que a nossa união na Ordem e os nossos encontros sejam vividos em cada Congregação, em cada comunidade, como em toda a humanidade, com responsabilidade por nosso tempo.
A crise do COVID nos deteve. Numerosas são as pessoas e as comunidades que começaram a trabalhar sobre si mesmas, ajudadas pelo fato de que praticamente todas as outras atividades foram interrompidas. Pudemos nos concentrar sobre o essencial da nossa vocação: a oração, a escuta da Palavra de Deus, a vida fraterna em comunidade. Paradoxalmente, esta concentração sobre o essencial era mais fácil para as comunidades com numerosas atividades externas, porque o confinamento significava para elas, pelo menos por alguns meses, uma mudança radical em contraste claro com a vida de antes. Foi, pois, vivido como um «sinal de contradição» marcando profundamente as pessoas e a vida comunitária. Nas comunidades de estilo mais «contemplativo», o contraste também não era tão óbvio e, por esta razão, talvez menos desafiador. Mas é difícil julgar, pois cada comunidade viveu este tempo particular à sua própria maneira.
Quando a vida e as atividades foram retomadas, mesmo com as restrições sempre necessárias, tratava-se e trata-se ainda para todos de compreender como recomeçar, como retomar o caminho. E isto não é fácil porque sentimos uma certa fadiga, custa-nos retomar as atividades, abrir as nossas casas, as nossas hospedarias. Perguntei-me: donde vem esta dificuldade? Por que nos sentimos mais fatigados e até mais velhos? Talvez simplesmente porque a provação da pandemia nos obrigou a enfrentar nossas reais fragilidades. Antes, muitas comunidades mesmo idosas e poucas em número, asseguravam grandes atividades e importantes compromissos, não somente no campo do trabalho, mas também no da celebração litúrgica. Pensamos ter a mesma força, simplesmente porque essas atividades foram sempre assumidas desde o tempo em que éramos jovens e numerosos.
Avançávamos como locomotivas arrastando tudo, sem nos darmos conta que nunca parávamos para recalcular o que as nossas forças permitiam realmente, para reconsiderar se o horário e o modo de celebrar o Ofício e de gerir as nossas atividades são ainda suportáveis para o que somos na realidade. E sobretudo, nunca nos detivemos para refletir se, em todas as nossas atividades, há ainda um equilíbrio harmonioso que nos permita viver com alegria no mosteiro que deveria ser uma «escola do serviço do Senhor» (RB Pról. 45).
Em muitos mosteiros, reduzimos ou abandonamos certas coisas, mas não tivemos o cuidado de manter o equilíbrio entre o que mantínhamos e o que deixávamos. É por isso que algumas partes da nossa vida sobressaíram, enquanto outras desapareceram de cena. Em algumas comunidades, a oração sofreu em proveito do trabalho, o mesmo acontecendo com a vida fraterna, por exemplo renunciando aos tempos de recreio ou de diálogo. Em outras que se podiam permitir, o trabalho foi cada vez mais delegado a pessoas externas, assalariadas. A maior parte das comunidades, por assim dizer, fizeram desaparecer o pouco de lectio divina que ainda se conservava, pelo menos em teoria. Sem falar da formação permanente. Poderia dar mil exemplos, diferentes para cada comunidade. Mas o que vale talvez para todos é que já desde há muito tempo que nos habituamos a viver uma vocação monástica pouco harmoniosa, pouco equilibrada, pouco apta a tentar um tal equilíbrio humano nas nossas vidas. Esquecemos de cultivar o extraordinário equilíbrio humano, físico, psíquico e espiritual que a Regra de São Bento nos oferece se a seguimos, não formalmente, mas como os nossos pais e mães a seguiram: como uma escola onde «aquele que procura a vida e deseja ver dias felizes» (cf. Pról. 15; Sl 33, 13) pode encontrá-los, sobre um caminho de fraternidade filial e de oração que o faz preferir Cristo acima de tudo e em tudo. Nesta escola, onde progride somente aquele que nunca deixa de ser discípulo na escuta atenta com «o ouvido do coração» (Pról. 1), cada elemento da vida deve contribuir para o equilíbrio da pessoa e da comunidade: a oração, a fraternidade, o trabalho, o repouso, a obediência, a escuta, o silêncio, a palavra, a pobreza, et c. Nada devemos negligenciar nada se quisermos que a nossa vida permaneça uma sinfonia. Quando a fragilidade, a pequenez, a doença, etc., exigem de nós adaptações, frequentemente o fazemos de modo desequilibrado, cortando partes inteiras da nossa vida e da nossa vocação, em vez de procurar um novo equilíbrio entre todas as partes. O problema de muitas comunidades está aí! É surpreendente que, muitas vezes, encontramos este desequilíbrio também em comunidades numerosas e jovens.
Percebo, de fato, que há anos negligenciamos esta atenção em manter o equilíbrio beneditino, a famosa «discretio» beneditina, tanto em comunidades fortes como nas frágeis. E, embora o lembremos com frequência, particularmente durante as visitas regulares, não se está sempre disponível a corrigir este problema, como se não se compreendesse o que quer dizer um equilíbrio de vida e de vocação. Cada comunidade, e muitas vezes ou um membro particular – sobretudo quando é responsável pela economia ou outro âmbito, pensa dever resistir e manter os ritmos e os acentos estabelecidos «desde sempre», ou manter certos domínios absolutos, abandonando totalmente outros domínios considerados como menos essenciais.
No fundo, o erro está em crer que o que salva a nossa vida monástica é um domínio particular, uma obra particular, um gesto particular, e não o equilíbrio entre todos. Não temos estado conscientes que o que torna uma comunidade atrativa e significativa para as pessoas não é somente a liturgia, ou somente a nossa obra, ou o nosso modo de trabalhar, ou somente a nossa vida fraterna, ou somente o nosso silêncio, ou somente o nosso acolhimento, etc., mas justamente o equilíbrio harmonioso com o qual a preferência por Cristo nos permite viver tudo com ordem e medida, com beleza e paz, na simplicidade, pondo cada coisa no seu lugar.
O período de confinamento e todas as restrições destes anos nos encostaram um pouco contra a parede. A crise global do COVID-19 coloca a todos, monges e monjas, algumas questões prementes: Que fizemos da nossa vocação? Que fizemos da Regra de São Bento, da Carta caritatis dos primeiros cistercienses, da espiritualidade integral dos nossos pais e mães na vida monástica? Porque tivemos necessidade de uma crise global para nos lembrarmos do que São Bento coloca em evidência há quinze séculos, para nos lembrar novamente que ele nos chama a um equilíbrio de vida cristã que possa ser verdadeiramente um «Evangelho de nova humanidade» para todos os nossos irmãos e irmãs neste mundo?
É importante não deixar passar esta provocação – aliás, ela está muito presente no magistério do Papa Francisco, por exemplo em Evangelli gaudium, Laudate Si’ e Fratelli tutti -, para começar desde agora uma boa conversão da vida em nossos mosteiros, ajudando-nos uns aos outros neste esforço, sem medo de aceitar, em favor de um novo equilíbrio da nossa vida, uma maior pobreza, mais simplicidade e, portanto, uma maior humildade.
Durante este mesmo Sínodo, ainda aprofundei, à luz do que acabo de dizer, o tema de uma solidariedade mais verdadeira entre os mosteiros de diferentes culturas, não só economicamente, mas sobretudo na formação. Tratamos também do tema da sinodalidade, de uma verdadeira escuta mútua nas comunidades, entre superiores, comunidades e congregações. Participar no caminho sinodal de toda a Igreja, tal como o Papa nos exorta, nos ajudará a aprofundar o nosso carisma, oferecendo a nossa experiência a toda a Igreja.
Compreender o antropoceno
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Abertura ao mundo
Extrato de uma conferência do Sr. Bernard Lucet
proferida na abadia de Ligugé (França) em fevereiro 2020
Compreender o antropoceno[1]
Quando o homem tiver cortado a última árvore,
poluído a última gota de água,
matado o último animal e pescado o último peixe,
então ele se dará conta
de que o dinheiro não é comestível.
(Provérbio ameríndio)
A habitabilidade do nosso único lugar de vida está ameaçada, uma coisa tão vital que afeta profundamente todos os humanos. Descodificar e aprofundar a situação real graças ao esclarecimento dos cientistas, é o caminho para incorporar esta questão vital em nós mesmos. Descartar as opiniões em proveito do saber, sair da recusa, do fantasma, da distração.
O efeito de estufa
O efeito estufa é necessário, graças ao qual a temperatura média sobre a terra é de 15 graus positivos, sem ele seria 18 graus negativos, portanto, a vida não seria possível. A radiação solar chega, parte dela é refletida pelas nuvens, as geleiras e a neve; a energia solar é convertida em calor, que por sua vez irradia para o espaço sobre forma de raios infravermelhos; certos gases presentes na atmosfera bloqueiam os raios infravermelhos que permanecem, então, na baixa atmosfera. Quanto mais destes gases com efeito estufa houver (GEE), mais a energia se acumula e mais a temperatura aumenta. A energia suplementar devido às nossas emissões se acumula quase inteiramente nos oceanos, um pouco no solo, e somente 1% na atmosfera.
A biosfera aquece-se (atualmente, + 2,7 % por ano); tal aceleração é dez vezes mais importante que os aumentos mais rápidos dos últimos milhões de anos do planeta, e está impactando os ecossistemas bio e geofísicos. De fato, nos últimos oitocentos mil anos o nível de CO2 tinha variado pouco. Infelizmente, a pressão exercida sobre os ecossistemas marinhos e terrestres está alterando a capacidade dos poços de carbono, destruindo o que poderia nos ajudar a desacelerar o aquecimento.
Reduzir as emissões significa principalmente reduzir os combustíveis fósseis, o que na realidade não está na ordem do dia! Então, o que devemos fazer?
Muitas pessoas acreditam que seria possível prescindir dos recursos energéticos fósseis e da energia nuclear, desde que obtenhamos ganhos substanciais ao reduzir nosso consumo e melhorar a eficiência de nossos aparelhos e máquinas. Talvez pudéssemos conseguir isso no Ocidente reduzindo radicalmente os nossos usos e consumos, em outras palavras, virando as costas ao crescimento. Mas numerosos países têm necessidade de crescimento para ajudar as suas populações a sair da pobreza, para educar, tratar e alimentar-se; por que essas populações não deveriam ter acesso a uma vida mais confortável, mesmo que longe dos nossos padrões ocidentais? É por isso que, em nível global, a energia não diminuirá enormemente, e ainda mais porque muita energia será necessária para ajudar o mundo a se adaptar aos vários tipos de perturbações que eventos climáticos extremos causarão aqui e ali. Pense-se no imenso trabalho que precisa ser feito para proteger as cidades expostas ao aumento do nível das águas, por exemplo. Essas necessidades globais de equidade e adaptação às consequências do aquecimento exigirão muita energia, não sendo, pois, uma diminuição radical das necessidades energéticas que ajudará a superar os limites das energias renováveis (intermitência da energia solar e eólica, entre outros limites).
É bom reconhecer que as energias fósseis – causa maior das emissões de GEE – ainda são insubstituíveis. Abdicar do petróleo será tanto mais difícil quanto é uma energia prática e hiper concentrada. Devemos o nosso estilo de vida às energias fósseis potentes e baratas que alimentam as nossas máquinas. Veja-se a força de trabalho desenvolvida por um trator nos campos com apenas um tanque de diesel. O grande número de trabalhadores que substituídos. Sem todas estas máquinas – e o mundo digital também existe graças às máquinas – é uma outra civilização num mundo bem diferente. Deixar no subsolo 80% das energias fósseis seria tão imperativo quanto difícil: deveria ter sido feito muito mais cedo...
O aquecimento climático e as suas consequências
O aquecimento poderia ter sido ainda mais rápido que o previsto! Um modelo preciso indica que seriam alcançados outros 2 graus já em 2040, devido às emissões já presentes na atmosfera. Tudo o que é emitido agora, aumenta a dificuldade em nos manter nos 2 graus após 2040: 2 e até mesmo 3 graus já são inevitáveis e 3 graus em média significa 5 graus nos continentes, ou seja, uma temperatura no solo que pode atingir 50 graus no sul da Europa durante as ondas de calor. Mesmo se conseguirmos reduzir as emissões de gás de efeito estufa nos próximos anos (o que permanece hipotético), a nossa civilização termo-industrial terá consequências que durarão milênios! Doravante, a ação humana influencia a evolução do planeta.
Até ao presente as grandes revoluções do nosso planeta eram produzidas por eventos cósmicos (e telúricos). Foi o caso durante os períodos glaciais e interglaciais desde há um milhão de anos. Estamos num período interglacial, chamado Holoceno, desde há 12000 anos, e a temperatura não variou além de cerca 0,5 graus durante este tempo! A temperatura atual (mais 1,1 graus) é o máximo desde há 1,2 milhões de anos. Ora, este aumento implica uma mudança totalmente desconhecida da biodiversidade e do clima, que se adaptaram ao longo de milhões de anos.
A novidade para o planeta é que a temperatura aumenta muito mais depressa: o nível de CO2 aumentou dez vezes mais rápido do que nos eventos abruptos produzidos nos últimos oitocentos mil anos. As mudanças provocadas pelo antropoceno perturbam o equilíbrio da biosfera e conduzem a um «planeta com efeito de estufa». O aquecimento climático é a consequência de escolhas políticas feitas com conhecimento de causa, mas as acelerações bio-geofísicas às quais o sistema terrestre está sujeito tiram o planeta dos estados de equilíbrio conhecidos.
Os pontos de ruptura do ecossistema: em direção a um planeta estufa?
Já se fala da sexta extinção em massa da biodiversidade animal. Tratemos agora dos riscos humanos. Gaël Giraud[2] apresenta muito bem o problema:
«Na segunda metade do século, as condições letais de calor e umidade tornarão grandes partes do mundo inabitáveis por cem a duzentos dias por ano; as pessoas terão que deixar muitas partes da Índia, Sudeste Asiático e África. O Banco Mundial estima que haverá dois bilhões de refugiados climáticos na segunda metade do século. Penso que isto é muito subestimado: pelo menos três bilhões de pessoas terão que migrar. [...] Os seres vivos estão migrando para os polos, e as pandemias tropicais também se deslocam, como a malária, por exemplo, que surgiu na Itália. O Banco Mundial estima que 5,2 bilhões de pessoas deverão sofrer de paludismo em 2050».
Tais mudanças são diretamente atribuíveis a eventos climáticos extremos e mais frequentes, como secas, chuvas, ciclones e ondas de calor, com numerosos impactos sobre a alimentação e a saúde. Esses eventos climáticos são a consequência das reações de nossos ecossistemas sob a pressão do aquecimento, causando uma aceleração deste último através da liberação de CO2, e diminuindo as funções dos reservatórios de carbono com, como consequência imediata, o derretimento do gelo e a destruição massiva das florestas. O acúmulo de calor nos oceanos é um sinal da aceleração do aquecimento do planeta. Os oceanos absorvem 93% do aquecimento antropogênico, e 25% das nossas emissões de gases de efeito estufa; este imenso reservatório de carbono enfraquece-se por causa do aquecimento climático.
Os rios atmosféricos
Trata-se de um corredor de vapor de água e de calor, uma espécie de rio atmosférico que cai como chuva torrencial sobre a Antártida e acelera seu derretimento[3].
As monções são e serão modificadas pelo desregulamento do clima. Acontecimentos como os de agosto 2018, em Kerala, na Índia (450 mortos, 1.000.000 de refugiados), vão aumentar. O fato é que o aquecimento global vai exacerbar a diferença entre a temperatura na superfície dos oceanos e a da terra na primavera. Isto levará a um fortalecimento dos ventos que trazem as monções. Por outro lado, sabemos também que o ar mais quente retém melhor a água, portanto, as precipitações serão mais intensas durante esses episódios tropicais sazonais. É um fenômeno que já é perceptível nos registros históricos[4]. O Jet Stream é uma corrente de ventos violentos que circulam em alta altitude em torno do Polo Norte, responsável por eventos meteorológicos extremos em nossas latitudes. O aquecimento climático reforçará fortemente esta tendência por volta de 2050, de modo que veremos repetidas ondas de calor e de inundações, como vimos nos últimos anos[5].
A circulação de Hadley é uma faixa atmosférica formada por células semelhantes a «esteiras» de 15 km de altura e quase 3000 km de largura; ela assegura as mudanças de calor do equador para os trópicos em altitude. A nível equatorial, o ar quente e úmido sobe, arrefece em altitude, dando origem a fortes chuvas, e a coluna de ar que se tornou seca se separa em duas massas impelidas de um lado e de outro do equador, antes de mergulhar em direção ao solo, trazendo ar quente e seco que produz o clima específico das regiões subtropicais. É nessa latitude que se encontram os maiores desertos do planeta (como o Saara ou o Atacama). Com o aquecimento climático, as células de Hadley se expandiram, formando novas áreas de clima subtropical seco e com tendência a desertificar-se. A circulação de Hadley provoca uma expansão da zona subtropical e, portanto, um aumento das secas, e isto está acontecendo muito mais rápido do que o previsto[6]. Este fenômeno não é estranho aos gigantescos incêndios, e estamos apenas a mais de 1 grau.
El Niño é uma das principais perturbações climáticas mundiais que se produz a cada dois ou sete anos. As suas consequências são importantes: secas e inundações em vastas zonas, ciclones devastadores na zona do Pacífico, temperaturas mundiais anormalmente elevadas nos anos do El Niño. Segundo estudos realizados em 2018, os fenômenos extremos ligados ao El Niño vão aumentar e intensificar os riscos existentes: deverão produzir-se com duas vezes mais frequência, assim como os fenômenos extremos ligados ao dipolo do Oceano índico[7], que é uma das maiores causas dos recentes incêndios australianos.
Secas na Austrália Oriental, Indonésia, Índia, África Austral, Brasil; inundações na costa oeste da América do Sul, na África Oriental equatorial, no sul dos Estados Unidos; branqueamento dos recifes de corais; ciclones devastadores no Pacífico central: globalmente, a temperatura média tende a ser anormalmente elevada durante os anos em que ocorrem estes episódios.
Conclusão
Metade dos ecossistemas mencionados aqui já estão numa lógica de mudança. Em vez de lamentar este estado de coisas, não deveríamos questionar sobre a pertinência dos valores de nossa civilização industrial, doravante global? Estes valores induzem uma relação que é distorcida, porque ameaça a própria vida. Precisamos de aterrar, como diz o filósofo Bruno Latour, a fim de abandonar a acomodação onde estamos instalados e habitarmos nosso planeta de um outro modo.
O que podemos fazer? Esta é a questão que se coloca rapidamente. Antes de falar de soluções, a primeira coisa é entender e sentir a urgência, estando claramente informado; não apenas conscientes de que existe um problema, isso não é suficiente. Tomamos consciência de que existe um problema apenas quando sabemos objetivamente porque ele é urgente, quando medimos melhor o risco. Portanto, um primeiro elemento de ética pessoal: se confrontar com a realidade da implicação com informações confiáveis, enfrentando o excesso e o medo.
Segundo elemento: não devemos negar que as ações pessoais têm pouco impacto sobre a redução das emissões, no máximo 10% se uma grande maioria fizer grandes esforços. Portanto, na melhor das hipóteses, será de 5%. Mas façamo-los mesmo assim, conhecendo os seus limites, como consumir menos ou viajar menos de avião. Isto conta sobretudo para conformar as nossas vidas com o sentimento esclarecido da urgência, e participe como uma forma de testemunho.
Terceiro elemento de ética pessoal: aumentar a conscientização política, pois existem poderes e sistemas destrutivos, e responsáveis políticos que não cumprem seus compromissos, não obstante a sua militância «verde»; reconhecê-los, e até mesmo denunciá-los, tem um efeito significativo.
Não esqueçamos que as decisões sobre reorientações que contam para avançar em direção a uma economia com zero emissões (transportes, energia, agroecologia, urbanismo, alimentação, etc.) são as decisões tomadas em nível dos Estados e grupos de Estados.
Enfim, e ainda no nível da ética pessoal: mobilizar o espírito e o pensamento para um futuro comum desejável. Alimentar o desejo de um mundo vivendo de outra forma. Considerar também a capacidade de emergências, ou de novos modelos, dos quais são capazes as formas de vida, em particular os humanos.
E não esqueçamos nunca: «A floresta precede os povos, o deserto sucede-lhes»[8].
[1] O Sr. Bernard Lucet é consultante de carreira junto de quadros profissionais.
O antropoceno, literalmente: «a idade do Homem», é um termo utilizado pelos cientistas para significar que as atividades do Homem têm agora o poder de modificar a terra e a sua evolução [nota do editor].
[2] G. GIRAUD, Prefácio de: A Pottier, Como os economistas aquecem o planeta, (Antropoceno), Paris 2016.
[3] Cf. http://www.cnrs.fr/sites/default/files/press_info/2019-10/
[4] Cf. J. SCHEWE et al., “Multi-model assessment of water scarcity under climate change”, Proceedings of the National Academy of Sciences, 111, 2014.
[5] Cf. M. MANN, « Le Jet Stream, un amplificateur météorologique », Pour la Science 503, 2019.
[6] Cf. https://app.getpocket.com/read/2826932240
[7] O dipolo do Oceano Índico (DOI), também conhecido pelo nome de El Niño índico, é uma oscilação irregular da temperatura da superfície do mar, com a parte ocidental do oceano se tornando mais quente e mais fria que a sua parte oriental. A monção na Índia é assim geralmente afetada pela diferença de temperatura entre o Golfo de Bengala, ao leste, e o mar de Omã, ao oeste. [Nota do editor]
[8] Esta frase há muito tempo é atribuída a François-René de Chateaubriand sem que se possa situá-la na sua obra; cf. J.-M. LE BOT, «Contribution à l’histoire d’un lieu commun: l’attribution à Chateaubriand de la phrase: Les forêts précèdent les peuples, les déserts les suivent» (halshs-00662692).
França: Mosteiros ecológicos
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Testemunhos
Irmã Nathanaëlle Lefoulon, OSB
Mosteiro de Martigné-Briand (França)
França:
Mosteiros ecológicos
Em fevereiro de 2017, a Abadia de Maylis dirigiu um convite incomum e improviso para cerca de quinze mosteiros. Para ser mais preciso, o convite foi dirigido a um mosteiro, que convidou outro, que convidou outro... e assim por diante. Olivetanos, Beneditinos, Cistercienses, Monjas Ortodoxas, todos nós nos reunimos na fazenda de permacultura de Bec-Hellouin para uma sessão de três dias sobre a ecologia integral. Muitos leigos, desejosos de ajudar os mosteiros neste movimento, se juntaram a nós. Éramos cerca de cinquenta participantes!
Foi uma oportunidade para encontros e intercâmbios ricos e agradáveis com Elena Lasida, professora de Economia, Irmão Dominique Lang, Assumpcionista, Hervé Covez, Franciscano e agrônomo, e naturalmente Charles e Perrine Hervé-Gruyer, os proprietários da fazenda. O tema de nossas discussões: a maneira de viver e desdobrar as questões ecológicas em nossas vidas, nossas comunidades, nossas atividades, com base no exemplo de Charles e Perrine e na Encíclica Laudato si’.
Saímos admirados e cheios de entusiasmo, e com uma pergunta: Como nossas comunidades podem ser, à sua maneira, «laboratórios de ecologia integral?». Nossos mosteiros, exemplos de uma vida onde tudo está conectado e unificado, não poderiam ser «arquétipos de “casas comuns” que mostram ao mundo o que ele poderia viver de uma maneira grande?». A dificuldade era saber como dar seguimento a este belo entusiasmo e à esta intuição.
Foi então que Simon, um estudante de Elena Lasida em Economia Social e Solidária, desejando escrever sua tese sobre a maneira como os mosteiros receberam a Encíclica do Papa Francisco e vivem esta dimensão da ecologia integral, propôs visitar dezesseis mosteiros ou novas comunidades, de todas as confissões.
Assim, de abril a julho de 2018, Simon, sempre acompanhado de um irmão ou irmã da comunidade visitada, partia então com esse irmão ou irmã para visitar a comunidade seguinte. Durante estas «visitas», criatividade e entusiasmo, gratuidade, comunhão e governança - estes grandes temas da Laudato si’ - eram estudados nas quatro relações constitutivas da pessoa humana, tal como definidas pela Encíclica: relação consigo mesmo, relação com os outros, relação com a natureza e relação com Deus.
Todo este trabalho deu origem a um belo encontro com Simon e Elena Lasida no Carmelo da Paz, em Mazille, de 21 a 25 de janeiro de 2019. O irmão ou irmã que tinha acompanhado Simon e o superior de cada comunidade visitada estavam presentes.
Durante esses dias de trabalho, foram evidenciados três equilíbrios com relação aos votos monásticos:
- Singular/coletivo: voto de obediência.
- Gratuito/útil: voto de conversão dos costumes.
- Interior/exterior: voto de estabilidade.
Foi a partir disto que o grupo de Mazille tomou o nome de «Comunhão Laudato si’», e que nasceu a ideia de um ecodiagnóstico dedicado aos mosteiros.
Graças a Elena Lasida, duas irmãs e um irmão das comunidades Laudato si’ (a abadia de Landevennec, a Comunidade do Caminho Novo e o mosteiro de Martigné-Briand) encontraram-se com duas irmãs dominicanas de Chalais e Estavayer que já estavam envolvidas em um projeto semelhante. A aventura com a associação «Igreja verde» começava!
Quase dois anos de trabalho foram necessários para realizar este ecodiagnóstico, e de 31 de maio a 31 de julho de 2021, a «Comunhão Laudato si’» e novas comunidades concordaram em testá-lo antes de ser finalmente colocado on-line no site da «Igreja verde».
Hoje a equipe de trabalho, que incluiu uma irmã diaconisa de Reuilly, se reúne regularmente via Zoom para corrigir, modificar e integrar as observações que foram coletadas durante a fase de teste. Esperamos ter a versão final em linha no site «Igreja Verde» até o próximo mês de abril.
Celebrar a criação de Deus plantando árvores
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Testemunhos
Irmãs Beneditinas Missionárias de Tutzing
Extrato da newsletter de maio-julho de 2021
do Priorado de Manila (Filipinas)
Celebrar a criação de Deus
plantando árvores
O 22º Capitulo do priorado de Manila, realizado em abril de 2019, aprovou a seguinte decisão para todas as comunidades: «Que cada comunidade plante e mantenha pelo menos 100 árvores nos próximos dois anos como manifestação de nossa maneira beneditina de administrar a Casa comum». Tal decisão segue a recomendação da mensagem do XIII Capítulo Geral: «A congregação se compromete a ter plantado pelo menos 1.300 árvores nos próximos seis anos como sinal de compromisso em cuidar da criação de Deus», em resposta à Encíclica do Papa Francisco sobre o meio ambiente e a ecologia humana.
Sendo junho o mês do meio ambiente e que corresponde à chegada da estação de chuvas, é mais do que favorável para plantar árvores, a fim de restaurar e cuidar de nosso planeta. Além disso, um ambiente verde é essencial para nossa sobrevivência contra o coronavírus. Nossas diferentes comunidades relataram suas atividades de plantio de árvores desde 2019.
Comunidade da Casa do Priorado
Para celebrar o Dia da Independência das Filipinas em 12 de junho de 2021, e como sinal de nosso compromisso de cuidar da criação de Deus, a comunidade das irmãs da Casa do Priorado foi à fazenda de Tanauan para plantar árvores. Respirar o ar fresco, relaxar ao sol e estar no meio do verde e dos amplos espaços abertos da fazenda provou ser o melhor momento para cuidar dos corpos e mentes cansadas, a fim de melhor afrontar um investimento de longo prazo contra a pandemia em fúria.
Comunidade de Marihatag
De 2019 a 2020, a comunidade de Marihatag plantou e manteve mais de 100 árvores frutíferas diferentes: abacate, guyabano (graviola), marang, calamansi, kamias, dayap enxertado, rambotan, durian, cacau, langka (jaca), diferentes tipos de brotos de banana (lakatan, kwarenta dias, latundan, sab-a, carnaba), nozes de coco anão e nativo, e muitas outras espécies que foram plantadas na fazenda San Benito de Mabog, na fazenda Cabahian e no jardim de nosso convento. Além disso, em abril de 2021, a Irmã Odilia Bulayungan e a Irmã Joyanne Morales plantaram cinquenta propágulos e mudas de bitaog.
Colégio St. Scholastica e Comunidade de Manila
De 2018 a 2021, o Colégio St. Scholastica realiza uma atividade anual de plantio de árvores nas fazendas de Tanauan e de Tanay com representantes de diferentes setores da comunidade escolar. Cada plantio de árvores começa com um serviço litúrgico.
Durante os últimos quatro anos, a comunidade escolar pôde plantar uma variedade de árvores frutíferas e frondosas. Para citar algumas: 30 marangas (carvalhos Johey), lanzones (longkongs), 30 cacaueiras, 10 langkas (jacas), abacateiros, coqueiros anões e frutas de dragão. Também foram plantadas mudas pela comunidade das irmãs no terreno da escola.
Comunidade Ormoc
Irmã Adela Arabia e Irmã Leticia Saraza plantaram árvores frutíferas na casa Santa Escolástica em Dayhagan. Esta casa é um projeto de moradia para os funcionários do St. Peter's College (Ormoc).
Comunidade Pambujan
De 2019 até hoje, as irmãs plantaram 392 árvores. Hoje, 211 crescem vigorosamente nos terrenos do Hospital St. Scholastica.
Comunidade da casa de formação
A comunidade começou a plantar árvores em junho de 2020 com abacateiros e araucárias. Até o momento, o terreno está repleto do verde das árvores frutíferas: manga, fruta do dragão, mabolo (maçã de veludo), santol (fruta do algodão), attier (maçã canela ou sweetsop), coqueiro, etc. Nosso viveiro tem novas plantas, prontas para a próxima estação de plantio.
Comunidade de Mati
A Sterculia foetida é uma árvore de madeira macia que pode crescer até 35 metros de altura. Nas Filipinas, esta espécie é bem conhecida com o nome de Calumpang. Os galhos são utilizados para postes de cercas enquanto as folhas são fornecidas como alimento das cabras. Setenta e cinco dessas árvores foram plantadas de 25 a 30 de novembro de 2020 na fazenda da San Isidro Mission (Davao Oriental). Outras 40 árvores foram plantadas no Instituto EnFIDe de St. Scholastica (Mati City).
Comunidade de Baguio
A Comunidade de Baguio plantou cinquenta pinheiros de Baguio dentro do complexo do convento em 17 de março de 2021.
O Colégio St. Scholastica e a comunidade de Tacloban
As irmãs se juntaram aos estudantes, professores e funcionários em atividades de plantio de árvores no interior do campus da escola e em seus arredores.
Comunidade do Divine Word Hospital
A comunidade das irmãs, o pessoal hospitalar e o pessoal médico plantam árvores frutíferas no Instituto dos agricultores de São Bento para a agricultura sustentável (SBFISA), em Alang-Alang, desde novembro de 2018. As irmãs também conduziram esta atividade durante seu passeio comunitário no Hospital Santa Escolástica de Pambujan. Todos se comprometeram a continuar plantando mais árvores este ano e nos anos vindouros.
Comunidade Tabunok
Em 2019, 400 mudas de manguezais e 200 coqueiros foram plantados por alunos do 11º e 12º ano respectivamente, sob a orientação de professores. As irmãs juntamente com o pessoal da escola plantaram oito Araucárias para o 113º aniversário da fundação do Priorado de Manila, em 14 de setembro de 2019. No Jardim da Paz da escola (School’s Peace Garden), irmãs, alunos e funcionários plantaram árvores ornamentais e frutíferas. Além do plantio das árvores, a comunidade compartilhou mudas de plantas e árvores frutíferas da «mini floresta» da escola com a fazenda ecológica de Cebu.
Comunidade d’Angeles
Em 19 de julho de 2020, foi lançado o programa «Justiça e Paz para a integridade da criação» (HFA-CBS JPIC) da comunidade das irmãs. Foi estabelecido um viveiro de mogno e kamani (Árvore-do-pão) para preparar a muda a ser plantada um ano depois. Em 30 de julho de 2021, as irmãs e outros membros da comunidade escolar, assim como outros parceiros da missão, plantaram as árvores. O viveiro tinha um número transbordante de mudas de mogno; algumas delas foram compartilhadas com a Fundação da escola Dominicana d’Angeles e com nosso Instituto Técnico Feminino, Mary our Help, em Mabalacat.
Comunidade de San Fernando
Em 2019, a Academia St. Scholastica de San Fernando plantou árvores de bambu. As irmãs, os estudantes e o pessoal da manutenção plantaram oitenta e sete brotos de bambu que foram doados pela Associação dos antigos alunos de SSC Manila.
Os mosteiros para uma economia alternativa e sustentável
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Economia e vida monástica
Sr. Benoît-Joseph Pons
Os mosteiros para uma economia
alternativa e sustentável[1]
Princípios da economia monástica
Como um grupo de homens ou mulheres que praticam um modo de vida baseado em princípios econômicos opostos aos do modelo atual pode inspirar soluções para os problemas que o mundo de hoje enfrenta? Este é o objetivo da apresentação seguinte.
A vida monástica se baseia em quatro pilares que são a oração, o trabalho, a lectio divina e a vida comunitária. A lectio é a leitura de um texto de natureza espiritual, seguido de uma reflexão pessoal, uma meditação e possivelmente uma oração inspirada por este texto. Os monges geralmente dedicam entre uma e duas horas a esta atividade. A economia monástica é construída em torno destes quatro pilares e se baseia em dois princípios essenciais: a desapropriação e a economia das necessidades.
A desapropriação
Na Regra de São Bento, a desapropriação se baseia no objetivo de «nada preferir ao amor de Cristo». Ela é expressa de forma prática pelos dois seguintes preceitos:
«Antes de tudo, o vício da propriedade deve ser cortado do mosteiro pela raiz»,
e
«Que tudo seja comum a todos, como está escrito. Que ninguém diga nem tenha a presunção de achar que alguma coisa lhe pertence» (RB 33,6).
A Regra diz também:
«Que ninguém ouse dar ou receber alguma coisa sem a permissão do abade; nem ter nada próprio, nada absolutamente, já que não é lícito ter a seu arbítrio nem o próprio corpo nem a vontade» (RB 33,2-4).
Em outras palavras, o monge não deve possuir nada de próprio, nem bens materiais nem imateriais. Não dispor do corpo conduz à castidade, não dispor da vontade conduz à obediência. Na prática, não possuir os bens que são colocados à sua disposição obriga o monge a tomar o maior cuidado possível com eles. A Regra pede ao celeireiro que «considere todos os objetos e bens do mosteiro como vasos sagrados do altar» (RB 31,10). Também diz:
«Se alguém deixar as coisas do mosteiro sujas ou as tratar com negligência, será repreendido» (RB 32,4).
A desapropriação monástica gera a necessidade de solidariedade e de não competição profissional. Um ofício é um serviço do qual ninguém é o proprietário. É dado pelo abade, de acordo com as habilidades da pessoa e as necessidades do mosteiro. Ele não dá ocasião para nenhum benefício pessoal.
Muitos mosteiros praticam a «colação dos ofícios». A cada três anos, ou sempre que necessário, cada monge remete seu ofício ao abade, que decide se o mantém naquele ofício ou se lhe dá um outro. Não se trata de uma decisão arbitrária; ela é discutida com o Conselho - os monges que ajudam o abade em suas escolhas - e em consulta com as pessoas envolvidas. Mas todo monge sabe que, em algum momento de sua vida, pode ocupar uma posição importante e depois ser-lhe atribuída uma função muito mais modesta. No mosteiro, não se faz uma carreira.
A ideia de não colocar a competição no centro das relações interpessoais é amplamente desenvolvida na Encíclica do Papa Francisco, Fratelli tutti, uma ideia inspirada em São Francisco:
«Francisco recebeu no seu íntimo a verdadeira paz, libertou-se de todo o desejo de domínio sobre os outros, fez-se um dos últimos e procurou viver em harmonia com todos» (FT 4).
A economia das necessidades
A economia das necessidades é definida no capítulo 34 da Regra, intitulado: «Se todos devem receber igualmente o necessário». Ela se baseia na ideia de um retorno ao tempo idílico dos primeiros cristãos descritos nos Atos dos Apóstolos: «Repartia-se para cada um conforme lhe era necessário» (Atos 4,35; RB 34,1).
Não é uma questão de considerar todas as pessoas como números idênticos. Pelo contrário, cada pessoa é diferente e tem necessidades particulares. A Regra diz:
«Quem precisar de menos dê graças a Deus e não se entristeça; quem precisar de mais, humilhe-se em sua fraqueza e não se orgulhe por causa da misericórdia que obteve» (RB 34,3-5).
A economia das necessidades monásticas é dupla: cada um recebe de acordo com suas necessidades, e cada um contribui de acordo com seus meios. Assim, a cada membro da comunidade não é dada a mesma coisa. Eles recebem o que precisam, de acordo com sua própria situação. Na organização do trabalho dos monges: aquele que é jovem e talentoso oferece tudo o que pode; aquele que é mais velho e com menos possibilidades contribui de acordo com seus meios.
Nas lojas ou oficinas monásticas, o trabalho do monge dá origem a uma remuneração da comunidade. Mas esta remuneração não está ligada ao valor do trabalho realizado. É calculado sobre as necessidades de uma pessoa que trabalha, da mesma forma, quer o trabalho seja básico ou altamente qualificado.
A economia monástica como uma economia alternativa e sustentável
Estes dois princípios operacionais fazem do mosteiro uma sociedade especial. Não é um conservatório de costumes de outra época, porque é um lugar onde vivemos no presente. Não é um laboratório porque não é um lugar de experimentação social. É o lugar de uma economia alternativa, porque questiona o mundo sobre suas práticas e tenta inspirar soluções para os novos problemas. Aqui, vou limitar-me à questão do trabalho.
O trabalho
No mundo, o trabalho serve para produzir bens e fornecer uma remuneração para a compra de outros bens. Esta é a base para o funcionamento da economia liberal. Esta troca de mercadorias é uma oportunidade para a comunicação entre as pessoas. O trabalho contribui para o estabelecimento de uma hierarquia social e é um elemento de reconhecimento, da parte dos outros e de si mesmo.
Karl Marx define três formas de alienação no trabalho: quando a remuneração representa apenas uma pequena parte do valor dos bens produzidos, quando o trabalho visa apenas a obtenção de um salário, quando o trabalhador não pode realizar uma atividade física e intelectual que seja livre.
No mosteiro, a desapropriação provoca uma completa dissociação entre trabalho e remuneração. Com este modo de operação, as três formas de alienação do trabalho desaparecem: visto que o monge não recebe remuneração, ele não a compara ao valor do que produziu; o trabalho que ele faz não visa principalmente a obtenção de um salário; finalmente, o trabalho monástico é geralmente de tipo artesanal, o que deixa ao trabalhador mais liberdade de ação do que o trabalho em linha de montagem.
Podemos atribuir ao trabalho três finalidades: trabalhar para ganhar a vida, trabalhar para ser reconhecido pelos outros e por si mesmo e, tratando-se de um cristão, trabalhar para participar da obra criadora de Deus.
Trabalhar para ganhar a vida
John Galbraith sublinha um paradoxo:
«A palavra “trabalho” é aplicada simultaneamente àqueles para quem o trabalho é exaustivo, entediante, desagradável e para aqueles que manifestam evidente prazer e não provam nenhuma repulsão nele. "Trabalho" refere-se tanto à obrigação imposta a alguns como à fonte de prestígio e alta remuneração que outros anseiam e desfrutam».[3].
Na economia liberal, a remuneração é definida pelas duas únicas forças reconhecidas, o Mercado e a Lei. É o Mercado que define os valores globalmente; a Lei os regulamenta de forma a limitar abusos: salário-mínimo, remuneração dos estagiários, limitação do horário de trabalho, proibição do trabalho infantil, etc. A Lei é relativamente eficaz na regulamentação dos baixos salários. É totalmente ineficaz no controle de altas rendas.
Os monges de hoje não querem viver de caridade pública, por isso estão cientes da necessidade de trabalhar para apoiar sua comunidade. Mas como o trabalho não proporciona nenhum benefício pessoal, remuneração ou consideração, a natureza do trabalho realizado torna-se menos importante: administrar o economato ou varrer o claustro não são fundamentalmente diferentes. Eles são apenas serviços correspondentes às habilidades do titular e à necessidade da comunidade. Portanto, não há competição por cargos.
Trabalhar para ser reconhecido
Além do salário, o reconhecimento é uma motivação importante. Mas o valor do salário é, na prática, um elemento deste reconhecimento. A busca pelo reconhecimento no trabalho muitas vezes se traduz na busca pelo poder, seja pela imagem que se dá de si mesmo ou pelos benefícios materiais que se obtém. No mundo, o poder é medido em termos do número de pessoas que se tem sob o seu comando, o número de negócios que se dirige, etc. A imagem que se dá à família e aos amigos é muito importante e pode influenciar muito o comportamento. Cada um obtém um reconhecimento pessoal através do sentimento de ser útil para sua empresa, sua família e sua comunidade.
Ao contrário do que acontece com os salários, o trabalho como meio de realização pessoal é importante para os monges. Aquele que realiza um trabalho útil para a comunidade aprecia o reconhecimento da parte dela, mas se não o consegue, torna-se uma ascese.
Trabalhar para participar da obra criadora de Deus
Na visão cristã, o homem foi criado à imagem de Deus.
«Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e segundo nossa semelhança. Que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todos os animais da terra e tudo o que rasteja pela terra”» (Gn 1,26).
O fato de o homem ter sido criado à imagem de Deus lhe confere uma dignidade especial. Esta dignidade não se baseia em seus bens, seu sucesso, sua aparência. A autoridade que lhe é atribuída é à imagem da autoridade de Deus, uma autoridade de amor. A teologia da criação contínua se opõe à ideia de que a criação é apenas a construção de uma enorme máquina que funcionaria por si só. Deus continua a intervir no mundo, e o homem, criado à sua imagem, é chamado a contribuir para esta intervenção.
O homem, criado à imagem de Deus, participa da obra do Criador através de seu trabalho, e continua, na medida de suas possibilidades, a desenvolvê-la e completa-la, progredindo na descoberta dos recursos e valores incluídos em todo o mundo criado.
Assim, o trabalho, especialmente em sua concepção monástica, não é simplesmente utilitário e individualista: ganhar a vida e obter reconhecimento. É realizar uma obra, como entende Hannah Arendt. É uma visão comunitária, porque o que conta é o que se traz para o mundo.
No século XIX, se desenvolveu a expressão «trabalho beneditino», que significa um trabalho longo, que exige muita paciência. É a preocupação com o trabalho bem feito, que está ligada à obrigação de cuidar de todos os bens do mosteiro. O conceito beneditino do trabalho implica em se dedicar ao que é útil. Evitar de se ocupar com zelo e piedade do «nada». Dom Bertrand Rolin explica, com relação ao capítulo 48 da Regra, intitulado «Do trabalho manual quotidiano»:
«O que é importante neste capítulo é que se trata de um trabalho “verdadeiro”. E o trabalho “verdadeiro” é aquele “a ser feito”, diz a Regra, ou seja, aquele que é útil para a vida da comunidade e para sua ação, qualquer que seja o seu valor segundo os critérios da sociedade»[4]
Com que frequência fazemos coisas que são perfeitamente inúteis, mas que nos fazem parecer bem porque demonstram nossos talentos?
Trabalho e remuneração
Na economia monástica há uma completa desconexão entre trabalho e remuneração, o que não é o caso no mundo. No mosteiro, o abade tem que encontrar uma pessoa para cada trabalho e dar uma função a cada pessoa. Em princípio, não há desemprego. Isto tem duas consequências. A primeira é que a existência de uma função não depende do equilíbrio entre o que ela custa e o que ela beneficia. Mesmo que cultivar uma horta custe mais do que comprar legumes no supermercado, vale a pena considerar o fato de que ela proporciona trabalho para alguém. A segunda é a questão do desemprego e sua indenização. Damos prioridade à redução do desemprego ou à sua indenização? A política tradicional pode sugerir que a luta contra o desemprego é, em certa medida, desviada por uma boa indenização dos desempregados. As ações contra o desemprego muitas vezes parecem ser impulsionadas principalmente pela necessidade de reduzir o custo da indenização. Entretanto, como vimos, o trabalho é certamente uma fonte de renda, mas não a única. Indenizar os desempregados é necessário, mas não é suficiente: é preciso dar-lhes trabalho. É uma questão de dignidade, como expressa pelo Papa Francisco em Fratelli tutti.
Conclusão sobre o trabalho
O conceito monástico de trabalho não se aplica apenas aos monges. Ele inspira os oblatos, esses leigos que, ligados a uma comunidade, procuram viver a Regra no mundo. Ele se baseia em um ensino derivado da tradição, mas também em uma adaptação ao mundo atual. Os monges não hesitam em utilizar máquinas ultra modernas em suas oficinas. Esse conceito pretende inspirar o mundo a progredir, inspirar a todos, cristãos ou não cristãos, de maneiras diferentes.
Gostaria de enfatizar a ideia de que o trabalho não deve ser apenas uma fonte de renda. O trabalho deve ser um elemento de desenvolvimento pessoal. E este desenvolvimento pessoal inclui ser útil para a comunidade. Para um trabalhador de base, é necessário que ele seja capaz de se orgulhar daquilo que faz. Para alguém com responsabilidades hierárquicas, é necessário que ele organize o trabalho de seus colaboradores para que possam florescer naquilo que fazem. Para os políticos e as administrações, não é somente preciso indenizar o desempregado, mas reduzir o desemprego.
Por outro lado, o trabalho deve dar à pessoa uma vida digna. Os movimentos do Comércio equitativo ou dos AMAP[5] trabalham em prol deste objetivo.
O trabalho não deve ser um lugar de competição, mas um lugar de cooperação.
Finalmente, trabalhar mais para ganhar mais, consumir mais não é uma abordagem responsável, a partir do momento que se obtenha as necessidades. Isto levanta a questão do lugar do crescimento em nossas análises econômicas. Levanta também a questão da publicidade. Um aspecto moderno da clausura monástica consiste em se preservar dos incentivos ao consumo, em particular limitando o acesso à Internet. A publicidade não é ruim em si mesma, mas seu uso deve ser controlado.
A recepção da Encíclica Laudato si’ nos mosteiros
A publicação pelo Papa Francisco da Encíclica Laudato si’ provocou uma onda de entusiasmo nos círculos ecologistas, mesmo não-cristãos. Eles encontraram nela uma confirmação de seu discurso, passando voluntariamente os pontos que os perturbavam, como a defesa da vida. Paradoxalmente, nos círculos monásticos, a Encíclica demorou a se impor, enquanto que os documentos do magistério são geralmente recebidos aí muito favoravelmente. Para tentar entender este paradoxo, apresento uma hipótese: enquanto os militantes ecologistas viram na Encíclica uma verdadeira revolução na doutrina social da Igreja, os monges inicialmente a viram como uma nova expressão do que eles vivem diariamente desde as origens.
A vida monástica é uma vida de oração, essencialmente comunitária, baseada no canto dos salmos. O saltério contém 150 salmos; os monges normalmente os cantam em sua totalidade a cada semana. Vários autores trabalharam sobre a ecologia nos salmos. Alguns falam de salmos ecológicos, outros de salmos da natureza ou salmos da criação. Cinquenta e um salmos se enquadram em pelo menos uma dessas três categorias; em outras palavras, uma parte significativa do saltério é ecológica. Portanto, um monge, a menos que esteja cantando sem levar em conta o que está cantando, é necessariamente um ecologista, talvez sem conhecê-lo ou reconhecê-lo.
Após algum tempo de maturação, muitos mosteiros adotaram Laudato si’, quando descobriram que se tratava de uma brilhante formulação daquilo que eles tentam viver e que isso os ajudava a progredir.
A principal contribuição da economia monástica para a questão ecológica é a «sobriedade feliz». Esta é uma expressão desenvolvida por Pierre Rabhi[6], mas que, de certa forma, é parte integrante da espiritualidade monástica desde suas origens. Para Pierre Rabhi, os recursos do planeta são limitados. Os recursos fósseis não são renováveis e a capacidade da biosfera de absorver a poluição é limitada.
A noção de limite é constitutiva da fé cristã, já em Gênesis Deus diz: «Podes comer de todas as árvores do jardim, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás» (Gn 2,16-17). Esta noção de limite se opõe à ideia de que a tecnociência dará ao homem um poder ilimitado sobre seu ambiente. Em Laudato si’ o Papa Francisco afirma que o desenvolvimento tecnológico é bom, mas somente na condição de que seja «acompanhado por um desenvolvimento do ser humano em responsabilidade, em valores, em consciência».
Pierre Rabhi afirma que o crescimento econômico é irrealista e absurdo: é um modelo que traz a morte. É necessário, portanto, estabelecer uma política de civilização baseada na sobriedade. Devemos satisfazer nossas necessidades vitais com os meios mais simples e saudáveis. Laudato si’ diz a mesma coisa quando fala sobre a necessidade de conversão dos corações. Em linguagem cristã, a sobriedade feliz de Pierre Rabhi se resume no respeito pela criação e na preocupação pelas gerações futuras, às quais devemos deixar um ambiente habitável.
Mas a sobriedade feliz monástica difere da sobriedade feliz ecologista. Enquanto os ecologistas a baseiam principalmente na proteção dos recursos naturais e do meio ambiente, os monges a baseiam também em um aspecto social: consumir o supérfluo significa privar os outros do necessário. Na visão de um ecologista, devemos trabalhar menos para destruir menos recursos. Isto é um decrescimento. Em uma visão monástica, é menos uma questão de trabalhar para produzir mais do que para satisfazer as próprias necessidades ou as da própria comunidade, porque é preciso ser capaz de compartilhar com aqueles que não têm os meios para produzir tudo o que precisam.
Conclusão
Nesta breve apresentação da economia monástica como economia alternativa e sustentável, identificamos alguns aspectos que podem inspirar o mundo. O valor do trabalho como meio de desenvolvimento pessoal, o dano potencial da concorrência nas relações econômicas, a busca do consumo como fonte de felicidade. Isto leva ao valor da ideia de sobriedade feliz, que deve ser considerada não apenas em seu aspecto ambiental, mas também em seu aspecto social. Como uma extensão desta proposta, a questão da desigualdade social deve ser abordada. A vida monástica nos permite evitar a armadilha de um desequilíbrio insuportável. A economia das necessidades questiona fortemente a implementação do princípio de igualdade.
A palavra «pax» é o lema beneditino. São Bento a apresenta como um bem que devemos procurar avidamente. É a palavra que melhor resume a harmonia, característica da existência do monge. No prólogo da Regra, São Bento nos pede para buscar a paz e persegui-la incessantemente; esta busca da paz está associada à busca de Deus, como dois objetivos que se fundem um no outro. A economia monástica, baseada na desapropriação, e a economia das necessidades, à qual se acrescenta a não competição e a sobriedade feliz, oferecem os meios para obter esta paz. E é a paz que torna a organização sustentável.
[1] Benoît-Joseph Pons é um engenheiro agrícola francês. Ele começou sua carreira na indústria como pesquisador em microbiologia de alimentos. Tornou-se, depois, gerente de empresa na indústria química farmacêutica. É Mestre em Teologia e Doutor em Economia pela Faculdade de Ciências Sociais e Econômicas do Institut Catholique de Paris. Atualmente, ele é pesquisador junto da Cátedra Jean Bastaire da Université Catholique de Lyon. Em 2018, lançou o livro: “L'économie monastique. Une économie alternative pour notre temps”.
[2] Regra de São Bento (RB) 31, 1.
[3] John GALBRAITH, Les mensonges de l’économie – Vérité pour notre temps, Paris, Bernard Grasset, 2004, p. 34.
[4] Dom Bertrand ROLLIN, Vivre aujourd’hui la Règle de saint Benoît – Un commentaire de la Règle, Bégrolles en Mauge, Bellefontaine, coll. Vie monastique n° 16, 1983, p. 54.
[5] AMAP (Association pour le maintien d'une agriculture paysanne) destina-se a promover a agricultura camponesa e orgânica, que luta para sobreviver diante da agroindústria. O intuito é criar um vínculo direto entre os agricultores e os consumidores, que se comprometem a comprar os produtos destes últimos a um preço justo e pagando antecipadamente. [Nota do editor]
[6] Pierre Rabhi (1938-2021), agricultor, ensaísta e conferencista francês de origem argelina, é considerado um dos pioneiros da agroecologia, que visa regenerar o ambiente natural, excluindo pesticidas e fertilizantes químicos. Seus numerosos livros obtiveram grande sucesso. Ele cofundou o movimento cidadão Colibris, que convida às ações locais tais como jardins compartilhados, fazendas pedagógicas e ainda os circuitos de aprovisionamento curtos. Ele também é controverso por seus métodos não científicos, por suas ligações com a filosofia esotérica desenvolvida por Rudolf Steiner nos anos 20 (antroposofia), e por suas relações com os chefes de grandes grupos industriais. [Nota do editor]
O celeireiro na Regra de São Bento
9
Economia e vida monástica
D. Médard Kimengwa, OSB
Mosteiro de Lubumbashi, Kiswishi (RDC)
O celeireiro na Regra de São Bento:
Um pai para toda a comunidade,
tal como o Abade e com ele[1]
Por que nos interessar pelo espírito e pela motivação que devem animar as ações do celeireiro em uma comunidade monástica de tradição beneditina?
Pertencemos a um mundo que tem uma conceção de economia, não sempre em harmonia com o nosso ideal monástico e cristão em geral. O problema é que, basicamente, somos herdeiros da cultura grega desde Platão, de uma antropologia (uma visão do homem e do composto humano) dualista. Portanto negativa. Trata-se de uma conceção do Homem que dissocia o corpo e o espírito. Esta antropologia dualista determina a conceção atual da economia até uma simplificação errada que chega a parecer uma caricatura.
Esta conceção faz uma clara separação entre vida econômica (temporal) e vida espiritual. Assim, o superior religioso, abade/abadessa ou prior/prioresa, no nosso contexto beneditino, é a pessoa que tem como única e exclusiva responsabilidade o cuidado das almas, quer dizer, sem relação com a vida material, temporal (tudo o que diz respeito à produção dos bens, os meios para obtê-los, assim como a sua administração), que seria, então, reservada ao ecônomo, ao celeireiro/celeireira.
Mas será verdadeira a ideia que, no contexto da espiritualidade beneditina, o superior religioso não tem nada a ver com a vida material, assim como o ecônomo não teria nada a ver com a vida espiritual? Seria, então, normal que este último sacrificasse horas de oração ou de outras atividades espirituais para realizar sua tarefa administrativa? Esta conceção é simplista e falsa.
Nada é mais falso do que esta caricatura, sobretudo segundo os dados da RB. De fato, na espiritualidade beneditina não há separação entre os dois domínios. Concretamente, na Regra, o abade não é somente identificado com seu papel espiritual, mas com o conjunto do que concerne a pessoa humana, incluindo a vida material. É claro que ele tem de cuidar da vida material, caso contrário, a vida espiritual não pode florescer. Para que o abade possa gerar filhos conformes com a vontade de Deus, seu Pai, ele deve cuidar das condições materiais necessárias. Não diziam os antigos que é preciso um mínimo de bem-estar para praticar a virtude?
Cabe ao celeireiro, conforme a Regra, ocupar-se da vida temporal (econômica) de todo o mosteiro (RB 31,1). Mas São Bento não se detém nesta formalidade da sua missão. Indica também o espírito que deve caracterizar o seu modo de agir na gestão do temporal. Concretamente São Bento diz ao celeireiro que deve “agir em colaboração com o abade, sendo como um pai para todo mosteiro” (RB 31, 2). Isto é muito importante. Pai, como o abade: sua missão é, portanto, também espiritual. Participa do cargo do abade no exercício de sua missão. Como o abade, o celeireiro participa da missão de gerar filhos para Deus. Por isso o celeireiro tem também a missão de cuidar das almas dos irmãos no mosteiro. Quando não tiver nada para dar, que dê uma resposta boa (RB 31, 7.13). Não se trata de recusar por recusar, mas ajudar seus irmãos a serem gerados para a vida no Espírito.
O celeireiro deve agir como o abade. Deve ter em conta as pessoas. Deve trabalhar em estreita colaboração com o abade. No exercício do seu cargo não deverá fazer nada sem a ordem do abade, e fazer unicamente o que este ordenou (RB 31,4-5; 12.15) Se o celeireiro vive esta relação de obediência com o abade (RB 31,9.16), é para que reine a paz no mosteiro. E é-lhe dito que se não houver harmonia, também lhe serão pedidas contas.
O estilo de vida, ou de espiritualidade que implica a questão econômica no mosteiro, deveria ter relação principalmente com a preocupação pela pessoa humana e uma visão sagrada das coisas (é pedido ao celeireiro que trate os objetos do mosteiro como vasos sagrados do altar - RB 31,10 - e que venda o que é produzido sem cupidez (RB 57,4-8).
Tendo criado o Homem à sua imagem e semelhança (Gn 1,26), Deus o quer de pé! Ele encontra sua glória no homem que vive com dignidade (cf. Santo Irineu de Lião). Todos os comentadores da RB são unânimes em reconhecer que o que torna a Regra tão atual é a sua adaptação a cada pessoa humana no interior da comunidade. O horizonte da Regra é que o homem esteja de pé, pois São Bento considera a vida monástica como um empenho de conversão, uma volta para Deus pelo labor, pelo caminho da obediência, libertando-se do jugo da vontade própria (RB Pról. 2-3,8).
A necessidade da espiritualidade com este horizonte de atenção ao Homem, é percetível em uma corrente econômica, “a economia social do mercado”. A preocupação pela pessoa humana, ou a atenção ao homem, é a última das preocupações do que se chama liberalismo econômico, ou “capitalismo selvagem”. Se na economia social de mercado há interesse pela pessoa humana, no capitalismo selvagem o homem não conta: o que é importante é unicamente o lucro, o ganho. E justamente, com o Congolês e participante desta sessão em Goma, no Norte-Kivu, nos arredores do Sul-Kivu e do Ituri, podemos ver a ilustração desta conceção econômica, considerando a guerra “à baixa intensidade” (de fato não acaba) que devasta os territórios, obriga as pessoas a deixar suas terras por causa da ameaça das armas… “Que morram…”: isso não importa para as multinacionais e para seus dirigentes, que estão a seu serviço. Que o embaixador italiano tenha sido sacrificado, isso não importa para os lucros. O mundo pode comover-se por um momento, quando se levanta um pouco o véu que cobre os negócios desta guerra infame, mas logo chega o silêncio imposto pelo deus Mamom, que os novos senhores do mundo servem, aqueles que controlam a bolsa mundial.
Guardadas as proporções, podemos dizer que Max Weber poderia, em certa medida, ser considerado como um antepassado da economia social de mercado, especialmente com seu livro: A Ética do protestantismo e o espírito do capitalismo (1904-1905). Ele mostra como os países Escandinavos, sob a influência do protestantismo, conheceram um funcionamento da economia com o Homem no centro. A ética protestante, segundo ele, gerou, neste contexto, um capitalismo com rosto humano.
Compreende-se porque a economia social de mercado é bem vista pelo Magistério da Igreja, através de sua doutrina social a partir de Paulo VI com sua encíclica Populorum Progressio (1967). Mas o próprio Paulo VI se inscrevia numa sensibilidade eclesial sobre o assunto, uma sensibilidade já notada em Leão XIII com sua encíclica Rerum Novarum (Maio 1891) e João XXIII com sua encíclica Mater et Magistra (1961). Seus sucessores não deixaram de andar na mesma direção como se pode constatar em João Paulo II (Laborem exercens, de Setembro 1981; Sollicitudo rei socialis, de Dezembro 1987; Centesimus annus, de Maio 1991), Bento XVI (Deus caritas est, 2005, 3º cap.; Exortação apostólica Africae munus, de Novembro 2011) e Francisco (Laudato si’, de Maio 2015; Exortação apostólica Querida Amazônia, de Fevereiro 2020). Em suas várias declarações nestas ocasiões, incluindo a questão que estamos considerando, o Magistério da Igreja quer encorajar os cristãos e os homens de boa vontade a levar em conta o Homem, sua dignidade, defendendo uma economia que preste atenção à pessoa humana. Com tudo isso, percebemos que espírito que deve animar o celeireiro no seu serviço tem um sólido fundamento no Magistério.
Neste contexto, que espírito deve animar o celeireiro? Que estilo de vida ele deve adotar no exercício de sua missão?
Em resposta a esta realidade, e em ligação com nosso ideal de vida, na base da nossa ideia de economia deve estar a fé na divina Providência. Realizamos que, às vezes, nossos investimentos económicos, apesar de todas as precauções, não dão um rendimento suficiente. Por isso, devemos viver, produzir, providenciar para a nossa subsistência, partilhar e ao mesmo tempo ser humildes e pedir ajuda, confiando na Providência. E devemos participar na tomada de consciência de como funciona a economia capitalista mundializada, usando nosso poder de educadores de massas.
Como eco a todas as preocupações e inquietações expressas pelos participantes diante da realidade do capitalismo selvagem, o Padre Simon nos desperta propondo o seguinte:
Diante da agressão da economia liberal, por que não construir uma rede de venda de produtos dos nossos mosteiros (MAC) cujas condições de produção respeitam o Homem e o meio ambiente? Promover a iniciativa privada, entrar em sinergia entre nós e com outros. Fazer uma cooperativa? Um circuito ético! Pois junto com as populações que nos rodeiam, somos vítimas da economia liberal. Os supermercados afogam-nos! A publicidade nos condiciona. Eis por que devemos selecionar a informação sobre o que consumimos.
Para entrar neste circuito proposto, temos de potencializar o que temos a intenção de pôr no mercado. Que sejam produtos de qualidade, e sobretudo éticos, para seduzir os clientes que se podem orientar para nós como alternativa aos supermercados.
Dentro deste registro, para promover a solidariedade no interior do funcionamento da economia nos nossos mosteiros, podíamos também pensar num projeto de seguro de saúde para nossos mosteiros MAC como expressão de nossa atenção à pessoa humana na procura de uma saúde financeira. Seria uma boa ilustração do nosso esforço para produzir, pondo a pessoa no centro.
Em resumo, interessamo-nos sobretudo pelo espírito que deve animar aqueles que têm a responsabilidade direta da gestão da economia no mosteiro pensado por São Bento, o ecónomo e o abade em particular. Trata-se de entrar no espírito da economia segundo os Pais do monaquismo Ocidental. É a perspetiva de uma economia segundo o espírito da Regra. À sua escola, a economia fundamenta-se sobre uma espiritualidade.
A vida monástica segundo São Bento na sua Regra
São Bento concebeu a vida monástica como um caminho de conversão, de volta para Deus. Trata-se de um caminho de volta através do labor da obediência. E isto depois da falência das ilusões da vontade própria e da escolha de viver a autonomia (cf. RB, Prol 2-3, 8). O destino deste caminho de volta para Deus (cf. RB, Prol 1 e ss) é a vida eterna, ou simplesmente a vida autêntica, o reino de Deus, a vida de comunhão com Deus: a bem-aventurança (cf. RB, Prol 42, 5.3.10, 7,11; 72, 2,12).
Quando São Bento faz da “vida eterna” (RB, Prol 15, 17, 20, 42), do “reino das luzes”, dos “dias felizes” (RB Prol 21), o escopo do caminho de retorno a Deus, que o monge percorre, ele não pensa nos “fins últimos”, mas a uma experiência já na vida presente, a harmonia vivida com aqueles que partilham a vida do monge no mesmo mosteiro. O lugar concreto da experiência desta felicidade e desta paz, é a vida dos mandamentos de Deus: a vida iluminada pela Palavra de Deus. Em outras palavras: São Bento pede que seus discípulos percorram este caminho se deixando guiar pela Palavra, como principal fonte do agir, e luz para seus passos no cotidiano (cf. RB Pról. 10-12, 21-22, 25, 29, 33-34, 40).
Como conclusão, São Bento quis a vida monástica como uma escola para aprender a servir o Senhor (RB Prol. 45), ou a ser totalmente dado ao Senhor.
Na vida do ideal monástico, além do seu desejo de fazer da vida monástica uma escola do serviço do Senhor, São Bento também quis que a vida monástica fosse como um atelier, uma oficina (cf. RB 4, 78) no interior da qual se aprende a exercer a arte espiritual (RB 4, 75).
O abade é o depositário deste ideal monástico assim definido. Ele deveria ser o primeiro a incarná-lo, ser o seu defensor, e o animador de todos os que, com ele, integram a escola do serviço do Senhor e o atelier do treino desta arte espiritual.
Perfil e missão do abade segundo a RB (RB 2 e 64)
Os dados dos cap. 2 e 64 da Regra devem ser completados por outros: 21-24, 28, 31-33, 36, 39-41, 44, 47-51, 53-57, 60, 66-68, 70 para se entender bem o perfil e a missão do abade.
O abade como guardião do ideal que São Bento propõe aos seus discípulos, tem a missão de guiar os monges que lhe são confiados, na realização do ideal da volta para Deus. Porque ele torna presente o Cristo, por meio dele Deus gera, ou melhor, gera de novo filhos. Ele não é o Cristo, mas torna-o presente pelo seu testemunho e ensinamento. O abade deve gerar filhos para Deus ensinando, mas de modo particular. Pois ensinar, não é o problema. A questão é a maneira de ensinar. É por sua palavra, habitada pela Palavra de Deus, que ele tem de ensinar. Ele deve possuir essa palavra, proclamá-la, explica-la, mas sobretudo ilustrá-la pelo exemplo, pelo seu testemunho de vida, pelo modo como a põe em prática. Por exemplo, ao corrigir os outros, corrige-se a si mesmo. Tem de cuidar das almas, mas com a condição que os monges lhe abram seu coração, expondo-lhe suas doenças espirituais (RB 7, 44), como por exemplo, submetendo-lhe o que querem oferecer a Deus, durante a quaresma, para o realizarem com sua oração, para que não caiam na presunção e vã glória (RB 49, 8-10).
Esta forma da paternidade do abade, segundo São Bento, é herdeira da figura do pai espiritual da tradição do deserto do Egito, nas origens do monaquismo, figura imortalizada pelos Apoftegmas.
O abade, para que a vida espiritual dos seus monges cresça, deverá cuidar particularmente das condições materiais necessárias. Quer dizer sobre a vida temporal, de que é o primeiro responsável. Os superiores são os primeiros responsáveis pela vida temporal dos mosteiros que lhes são confiados. Concretamente, São Bento prevê que o abade vele para que os monges durmam em boas condições (RB 22), num dormitório, por exemplo. Deve velar pela quantidade da comida (RB 39) e da bebida, cf. RB 40 (verdadeiramente é um homem realista!) Deverá ter em atenção os fracos (os idosos, os doentes, as crianças) cf. RB 36 e 37.
Vai mais longe com os doentes: prescreve uma enfermaria aonde devem receber os cuidados apropriados (RB 36, 7-8). Entre os fracos, de que deve cuidar, estão os estrangeiros, os peregrinos, os hóspedes. É-lhe pedido que cuide para que sejam acolhidos decentemente, num lugar gerido por um homem temente a Deus (cf. 53, 16-22). Verdadeiramente a pessoa está no centro dos cuidados que o abade deve ter pela vida material do mosteiro.
A comunidade, aonde o monge deve se tornar conforme ao Cristo, deve ter tudo o que é necessário no plano material (RB 66, 6). Tudo! É uma proposta universal. É uma comunidade aonde se deveria encontrar os diversos instrumentos para os serviços necessários. (cf. RB 32) O abade deve ter um inventário de tudo isso (RB 32, 3). Por que não pensar, por exemplo, num inventário anual sistemático nos nossos mosteiros?
O abade deve também cuidar que os monges da sua comunidade tenham o que é necessário para o trabalho, esforçando-se por se adaptar a cada pessoa (RB 2, 23-32; 33, 5).
A missão do abade deve, pois, consistir que no seu mosteiro todos os membros estejam em paz (cf. RB 34, 5). Um mínimo de paz nas nossas comunidades e seria o paraíso! Mas é por causa do nosso pecado que não é assim. Todos os membros, mesmo aqueles que não se tem uma boa relação, devem viver em paz. Pois, justamente, no seio da casa de Deus, que o abade governa, ninguém deve estar triste, nem preocupado (RB 31, 19). Cada manhã, olhar cada irmão, cada irmã para verificar seu estado de ânimo: Ele/ela está em paz ou está perturbado/a interiormente? Ele/ela tem problemas, preocupações?
A saúde econômica do mosteiro é uma dimensão importante para o desenvolvimento da saúde psicológica e espiritual de cada membro. É fator de paz, de harmonia para cada vocação monástica. Por isso na regra o abade é visto como dependente de uma autoridade superiora, a que deve prestar contas (RB 2, 1 e também RB 64, 7-8. 20-21). Deve cuidar do conjunto do mosteiro no que toca à vida material e à vida espiritual, com atenção particular a cada um, tentando adaptar-se a cada um. O abade deve cuidar das pessoas, antes de cuidar dos bens. Se tem de gerir bens, é unicamente porque estão a serviço de pessoas, no processo desse ser de novo gerado por Deus. Há, portanto, a primazia da pessoa sobre os bens.
Para que não se afaste da sua missão espiritual, o abade delega seu poder ao celeireiro, e aos outros oficiais, colaborando com eles. Além de ser um administrador, deve transmitir a Palavra de Deus, atualizando-a. É pai, em referência a Cristo, deve velar sobre seus monges, amando-os como Deus ama a seus filhos, e cuidando para que tenham pão. Em última análise é também um pastor, um médico. É chamado a ter compaixão, e a cuidar, a cobrir de cuidados seus monges, sobretudo os que estão em dificuldade. Que os responsáveis das comunidades aprendam “a perder o sono”, para merecerem ser pais e mães. Não há nenhum mérito em ser o único perfeito numa comunidade de delinquentes…é juntos que devemos chegar à meta (RB 72)
A espiritualidade do celeireiro deveria seguir o perfil e a missão do abade, devendo agir como um pai, imitando seu abade, gerando filhos para Deus.
Segundo os dados da Regra, a identidade e a missão do abade que se repercutem na espiritualidade do celeireiro, é a da encarnação em relação à justiça e à paz. Esta espiritualidade exige que:
– o celeireiro seja marcado pelo temor de Deus, virtuoso, habitado pela Palavra de Deus para ser transfigurado por ela; encontrando nela consolação e força.
– Que seja obediente, submisso, dócil, atento (cf. RB 31, 4)
– Que seja caridoso, compassivo, tenha discernimento, para privilegiar os fracos, porque convicto que os bens colocados à disposição do homem deveriam ser, em primeiro lugar, postos a serviço dos fracos. É por isso uma espiritualidade de diaconia, de serviço.
– Que tenha o sentido da responsabilidade pelas pessoas e pelos bens, crescendo na liberdade diante das coisas do mundo, mas também na confiança na Providência.
– Que seja humilde, abrindo-se à colaboração, com a consciência que é um servo inútil.
– Que seja honesto.
No fundo, o celeireiro, como o abade, é convidado a viver uma espiritualidade da cruz. O celeireiro é aquele que se ocupa do temporal para a salvação das almas. De fato, o abade e o celeireiro devem colaborar bem, na confiança, na fé, na paz e na harmonia.
[1] Relato da intervenção do P. Simon Madeko, prior do Mosteiro de Mambré, em Kinshasa (RDC), na sessão da Associação MAC, em julho 2021.
O monaquismo cisterciense de rito guèze
10
Liturgia
Dom Négusse Woldai, OCist
Abade da comunidade de Asmara (Eritreia)
O monaquismo cisterciense
de rito guèze
Guèze (ou ge’ez) é a língua clássica da Abissínia, hoje usada somente como língua litúrgica. No nosso mosteiro rezamos as horas do Ofício em guèze, mas as leituras da Escritura e dos Padres são em tigrigna na Eritreia, e em amharique na Etiópia; ambas as língua derivam da guèze.
Desde o começo, a intenção da Igreja e do nosso fundador, o venerável Abba Fesseha Ghebreamlak, era erigir um monaquismo católico indígena, paralelo à Igreja ortodoxa, igreja irmã existente na Abissínia (Etiópia e Eritreia).
Por iniciativa e mediação da Congregação para as Igrejas orientais, a congregação cisterciense de Casamari tornou-se o berço do projeto aceitando o futuro fundador Abba Fesseha Ghebreamlak, que era padre diocesano, e outros que lhe seguiram os passos.
Foram formados segundo a Regra de São Bento, as Constituições da congregação de Casamari, com a intenção de seguir o rito guèze, uma vez retornados ao país, e de estabelecer a vida monástica cisterciense na Eritreia.
Em 1940, o primeiro grupo de cistercienses, três italianos e quatro Eritreus chegaram à capital da Eritreia, Asmara, para começar o primeiro mosteiro num lugar chamado Beleza, a 13 km da capital. Mais tarde, em 1948 o mosteiro foi transferido para Asmara.
Não era fácil ter dois ritos, lati no e guèze, no mesmo mosteiro durante os primeiros decénios, mas conseguiram caminhar juntos sob a Regra de São Bento. Em 1960, quando o primeiro monge Eritreu Abba Thimoteos Tesemma foi eleito superior, só o rito guèze era usado na Etiópia e na Eritreia. Como observância comum cisterciense, vivemos segundo o lema: Ora et Labora.
Vida Litúrgica
Nossa salmodia contem 150 salmos e 15 cânticos dos profetas; é contínua, e é repartida em duas semanas. Isto significa que a cada duas semanas começamos com o salmo 1.
A liturgia monástica das Horas, na semana tem:
1. 1º Noturno: os salmos e as leituras respetivas da Escritura, seguidos de uma curta oração chamada Liton
2. 2º Noturno Salmos respetivos e leitura dos Padres, seguido de Weddasie Mariam (louvor à Virgem Maria de Santo Efrem o Sírio)
3. Laudes: Salmos respetivos seguidos de Kidan Zalalit (do Testamentum Domini) I e II
4. Divina Liturgia (a santa missa)
5. Terça e Sexta às 12, 30
6. Vésperas às 18, 15 todos os dias (15, 30 nas festas)
7. Capítulo e Completas às 20, 45, que terminam com o Salve Regina em língua guèze.
Nos domingos e dias de festa, a nossa salmodia é o Ofício Divino da catedral segundo a liturgia de rito guèze. Como de costume, na véspera, as Vésperas são cantadas, e muito cedo as Vigílias começam ao canto do galo, quer dizer às 3 ou 4 horas até à Divina Liturgia ou Santa Missa. Os domingos comuns têm um tema próprio e um nome.
Utilizamos instrumentos tradicionais de música durante o ofício catedral, tais como tambores, sistros, ou o bastão que dá o ritmo, a dança litúrgica acompanhada com o bater das palmas e as vozes das mulheres. Aqui também os fiéis se juntam à salmodia.
Temos nosso lecionário tradicional e calendário litúrgico (12 meses de 30 dias, mais 5 – ou no ano bissexto – 6 dias suplementares). Aqui inserimos algumas festas de santos e comemorações da Igreja romana e beneditina. Segundo a tradição da Igreja católica Etio-eritreia, a Divina liturgia quotidiana é celebrada “com voz baixa”, ou cantada, enquanto na tradição da Igreja ortodoxa irmã é sempre cantada, ao domingo, dias de festa e em ocasiões especiais, tais como casamentos, serviços fúnebres, ou missa de defuntos, batismo de bebês, ou nos sacramentos de confirmação e de comunhão (quer dizer os sacramentos de iniciação) que são administrados simultaneamente etc.
O jejum é observado 200 dias por ano, com rigor. Na tradição da Igreja ortodoxa, nos dias de jejum a Divina Liturgia é celebrada a partir do meio dia, enquanto nós a celebramos de manhã.
A música e o gestual do rito guèze são a reprodução do serviço musical e do gestual celeste. Os cantores estão separados em dois coros: do lado direito está simbolicamente o dos anjos querubins, do lado esquerdo o dos serafins. A coreografia dos cantores simboliza a paixão de Cristo.
O kabaro é um tambor de madeira em forma cónica em pele de vaca, coberto por um tecido que representa o sudário que cobriu o corpo de Cristo, ou o tecido que cobriu seu rosto, quando os soldados romanos o esbofetearam. A pequena membrana do tambor simboliza o Novo Testamento, a grande membrana o Antigo Testamento.
O bastão do coro representa a cruz de Cristo. A cabeça representa a cabeça do cordeiro pascal, símbolo do Cristo.
O sistro representa a escada de Jacó. É feito de dois montantes verticais, simbolizando o Antigo e o Novo Testamento. A junção dos dois, no cimo formando a Bíblia. Segundo alguns, o som do sistro simboliza o ruído das asas dos serafins e dos querubins no céu.
Viktor Josef Dammertz (1929-2020)
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Grandes figuras da vida monástica
P. Cyrill Schäffer, OSB
Mosteiro Santo Ottilien (Alemanha)
“Para vós, convosco”
Viktor Josef Dammertz (1929-2020)
Arquiabade, abade primaz, bispo, monge
Josef Dammertz nasceu no dia 8 de junho 1929 em Schaephuysen, no Baixo Reno. A família materna era dos Países Baixos. O pai, Wilhelm Dammertz cresceu numa quinta de Schaephuysen, até que, depois do seu casamento com Engelina Schepens, retomou uma mercearia que seu sogro, já falecido, tinha começado. Tiveram dois filhos, Josef e Marga.
Muito engajado na ação católica de juventude Neudeutschland aonde aprofundou sua fé e a arte de servir, Josef no fim dos estudos anunciou a seus pais que queria ser padre.
Foi assim que no segundo semestre de 1950 entrou no Collegium Borromaeum, o seminário da Diocese de Münster. Continuou seus estudos em Innsbruck, morando no colégio jesuíta Caniisianum. Na universidade pôde escutar professores conhecidos como Andreas Jungmann e Hugo e Karl Rahner. Já em Innsbruck tinha conhecido, no terceiro ano de estudos, o mosteiro missionário de Sankt Ottilien na Baviera, e sentiu-se atraído pelo espírito de Igreja universal e a vida religiosa que aí reinava.
Josef Dammertz entrou, assim, em Sankt Ottilien no dia 12 de setembro de 1953, aonde recebeu o nome de Viktor, em memória do mártir paleocristão Victor de Xanten. Depois da sua primeira profissão, continuou os estudos de teologia na faculdade beneditina de Santo Anselmo em Roma, aonde se licenciou. Depois de ter terminado o percurso romano foi ordenado sacerdote em 1957. Seu lema como abade primaz exprime claramente sua visão de um sacerdócio de serviço: “Sacerdote de Jesus Cristo a serviço dos homens”.
Foi-lhe pedido que fizesse Direito Canônico, pois o abade Dom Suso precisava de um secretário que tivesse conhecimentos de direito canônico. Doutorou-se “summa cum laude”, com uma tese sobre o “Direito constitucional das congregações monásticas beneditinas na história e no presente”. No fundo, com esta tese e levando em conta suas capacidades intelectuais, poderia ter entrado numa carreira acadêmica, mas nunca se pensou seriamente nisso.
No 6º Capítulo Geral de Sankt Ottilien, em 1960, P. Viktor foi chamado a ser secretário da Congregação, e o Arquiabade Suso nomeou-o, ao mesmo tempo, seu secretário pessoal. Mesmo se o cargo de secretário abacial é mais secundário, P. Viktor pôde exercer uma influência de moderador sobre o seu superior e equilibrar as tensões entre o arquiabade e a comunidade. Como especialista da Congregação em Direito Canônico, P. Viktor teve um papel essencial na revisão das Constituições dos Beneditinos Missionários, adotadas em 1970. Sua colaboração de consultor foi igualmente apreciada por outras Congregações beneditinas e não beneditinas. Participou também, de modo mais ou menos intensivo, na elaboração do direito próprio pós-conciliar de várias congregações beneditinas.
O arquiabade Suso teve de renunciar aos 65 anos, por causa de um câncer, no começo de 1975. Quando P. Viktor foi eleito seu sucessor, no dia 8 de janeiro de 1975, não foi uma grande surpresa.
Como novo abade do mosteiro, P. Viktor continuou a cuidar de seu predecessor, que tinha aguentado até à eleição, mas que veio a falecer alguns dias mais tarde, no dia 12 de fevereiro.
O arquiabade Dammertz escolheu como lema: “Iter para tutum”. Esta frase programática tirada do hino “Ave maris stella” expressa por um lado sua piedade marial, mas também a consciência de viver em tempos de mudanças tumultuosas, durante os quais é preciso uma estrela que guia.
Assumindo suas funções o arquiabade Viktor entrou numa grande rede de obrigações, e sobretudo de esperas. Tratava-se sobretudo de intervenções na diocese de Augsbourg quando das missas solenes, confirmações e manifestações de todo o tipo, no mosteiro e com seus numerosos anexos, como a escola, as paróquias, as cinco casas dependentes, as empresas e ateliers, e evidentemente, junto dos mosteiros da Congregação, que esperavam orientações da parte do Presidente da Congregação, sobretudo nas Igrejas jovens. O seu mandato de arquiabade só durou dois anos e oito meses, mas ele pôde contribuir para dar uma certa estabilidade à Congregação, no tempo pós-concílio. No seu próprio mosteiro ele pôde realizar a integração de um liceu (escola secundária) na rede escolar da diocese de Augsbourg, o que assegurou a perenidade da escola.
Em setembro 1977, o arquiabade participou do congresso dos abades da Confederação beneditina em Roma, aonde já era, há anos, secretário da Comissão Canónica, e tinha tido um papel determinante no refazer o direito próprio. Além da questão do futuro do Colégio de Santo Anselmo, o congresso também se debruçou sobre o novo direito religioso dos beneditinos. O arquiabade Viktor, como canonista, teve uma exposição inovadora sobre o assunto. Pouco depois, no dia 20 de setembro, o Abade Primaz Rembert Weakland surpreendeu os abades reunidos anunciando-lhes que acabava de ser nomeado arcebispo de Milwaukee, e que deixava as funções de Abade Primaz. Novas eleições foram imediatamente organizadas para encontrar um sucessor. A partir do dia 22 de setembro as vozes dos abades concentraram-se no arquiabade de Sankt Ottilien, que não somente estava à frente de um dos maiores mosteiros da ordem beneditina, mas tinha igualmente a competência em direito religioso, um assunto urgente. A comunidade de Sankt Ottilien foi avisada do que se passava em Roma. Mas quando o Prior Paulus Hörger enviou um fax em nome da comunidade “por favor, não aceite por nenhum pretexto”, o arquiabade já tinha respondido favoravelmente ao voto do Congresso dos abades e, deixava assim sua função de abade do mosteiro e de presidente da congregação de Sankt Ottilien.
Nos anos que se seguiram o Abade primaz Viktor conseguiu apaziguar as relações agitadas no seio do Colégio beneditino. Ele tinha a seu lado colaboradores altamente qualificados na pessoa do reitor Magnus Löhrer (1928-1999) e do Prior Gerhard Békès (1915-1999). Apesar do número de estudantes da Ordem ter baixado, a faculdade conheceu um período de prosperidade científica, graças a um certo número de professores de qualidade, que elaboraram juntos, entre outras, a obra de referência pós-conciliar “Mysterium Salutis” (1965-1976).
O Abade Primaz deu muitas ajudas para a revisão necessária das Constituições da Congregação; participou na refundação do direito religioso e foi membro da Comissão para a interpretação autêntica do direito canónico. Depois de 14 anos passados à frente da Confederação Beneditina, foi reeleito duas vezes, o Abade Primaz Viktor visitou mais de 750 comunidades femininas e masculinas no mundo inteiro, em inúmeras viagens. Um dos pontos altos do seu mandato foi a organização do grande jubileu de São Bento em 1980, quando se celebraram os 1500 anos do nascimento do pai da Ordem Beneditina. Por esta ocasião 500 abades da família beneditina reuniram-se em Roma. Em Santo Anselmo, a biblioteca situada na antiga cripta da igreja abacial é a principal herança arquitetônica da atividade do Primaz.
Numa entrevista em 1992, expressou sua ideia do ministério dizendo que o abade Primaz deve promover nos mosteiros beneditinos a consciência que fazem parte de uma “grande comunidade mundial”. Face às forças centrífugas no seio da Ordem, o Abade Primaz tentou promover a unidade sem, no entanto, reduzir a diversidade legítima e vital no seio da Ordem. Seu serviço de mediação comportava também a construção de pontes entre as irmãs e as monjas da Ordem, que na conceção da época estavam separadas em mundos diferentes. No seus esforços de mediação o abade Primaz defendia o reconhecimento mútuo das opções beneditinas legítimas, que ele comparava a Marta e Maria. Sugeriu que os Secretariados separados para as monjas e para as irmãs, fossem reunidos, o que constituiu um passo importante no caminho atual “Communio Internationalis Benedictinarum”, a Comunhão Internacional das Beneditinas (CIB).
No Congresso dos Abades de 1992, o abade de Collegeville, Jerome Theisen (1930-1995) foi eleito para lhe suceder. Terminado o seu mandato em 20 de setembro 1992, o P. Dammertz tinha previsto retirar-se tranquilamente para o seu mosteiro, embora já se tivesse falado de uma nomeação para a Congregação para os Religiosos no Vaticano. Durante um retiro privado antes do Natal de 1992, o Núncio apostólico telefonou-lhe para lhe anunciar que o Papa João Paulo II o tinha nomeado 78º bispo de Augsbourg.
Na sua residência oficial, o palácio episcopal situado na frente da Catedral de Augsbourg, o bispo Viktor fez uma pequena comunidade doméstica com seu secretário Dr. Christian Hartl, sua irmã Marga e duas irmãs franciscanas de Maria Stern, com as quais celebrava a liturgia das Horas e a eucaristia. Ele próprio fala dessa casa como de um pequeno convento, e achava bom continuar um pouco a vida comunitária monástica no episcopado.
Entre os acontecimentos marcantes do seu mandato, convém citar alguns, importantes para o próprio bispo Viktor. Entre eles a assinatura da “Declaração comum sobre a doutrina da justificação”, no dia 31 de outubro 1999 em Augsbourg, o grande dia da fé por ocasião do ano santo 2000 no Rosenaustadion de Augsbourg e a canonização de Crescentia von Kaufbeuron em Roma, no dia 25 de novembro 2001, e, justo no fim do seu mandato, o “ano das vocações”, que proclamou em dezembro 2003 durante o qual devia-se rezar pelas vocações eclesiais, mas sobretudo descobrir cada caminho de vida como uma vocação e um dom. Como vemos nestes acontecimentos tão diversos o bispo Viktor podia e queria tocar diferentes registos, que englobavam tanto a piedade popular como os novos desenvolvimentos teológicos e eclesiásticos mundiais.
No dia dos seus 75 anos, 8 de junho 2004, o Papa João Paulo II aceitou seu pedido de demissão como bispo de Augsbourg, e o bispo emérito pôde se retirar para um lugar, que já era para ele um lugar de repouso familiar depois das férias: o convento das beneditinas e a Aldeia das crianças Santo Albano, aonde servia as irmãs como diretor espiritual. Sua irmã Marga, que já estava a seu lado como bispo, acompanhou-o. Muitos amigos e companheiros de caminhada visitaram-no esse lugar, até que em janeiro 2015 uma fraqueza crescente, por causa da idade, o levou a mudar para a enfermaria de Sankt Ottilien. Lá, na grande sala de estar, podia-se visitá-lo, junto a uma pilha de livros e de revistas.
Um súbito declínio das forças não lhe permitiu estar presente na ordenação episcopal de seu segundo sucessor, e depois de alguns dias de fraqueza crescente, despediu-se em plena consciência. O funeral na catedral de Augsbourg foi presidido pelo cardeal Reinhard Marx, e seu sucessor Bertram Meier fez a homilia. O seu corpo repousa na cripta da catedral.
Depois desta resenha biográfica, é bom agora, examinar mais de perto a marca beneditina do bispo religioso. Quando de uma primeira entrevista ao novo bispo, perguntaram-lhe, de forma um pouco provocadora, se o mundo monástico fechado era uma preparação útil para as muitas responsabilidades de um bispo. Ele reconheceu que o espaço monástico era, de fato, muito diferente da pastoral diocesana. Mas havia a vantagens ligadas à experiência. Entre as vantagens o bispo citava a importância do aprofundamento espiritual para o futuro da Igreja, e a apreciação da diversidade na unidade, pois isso exige aceitação mútua e diálogo. No final do seu mandato, o bispo Viktor sublinhou estas vantagens ainda de um modo mais marcante:
“A vida monástica segundo a Regra de São Bento marcou-me profundamente, e os valores e atitudes fundamentais que me foram transmitidos me ajudaram como bispo. A imagem que São Bento dá do abade pode facilmente ser adaptada ao bispo. A procura de um equilíbrio entre ora et labora, entre oração e trabalho é também um desafio permanente para o bispo (…) A virtude da sábia moderação, que São Bento chama de discretio, e que considera a mãe de todas as virtudes (RB 64, 19) ajuda o bispo a não procurar soluções para os problemas com posições extremas”.
Com base na imagem beneditina do abade, Viktor-Joseph pôde estabelecer um pequeno espelho episcopal beneditino, e até viu que a direção de uma paróquia não se afastava assim tanto da de um mosteiro, nas questões fundamentais.
A linha de conduta do bispo, sempre centrada na mediação, criou um certo número de descontentes, que achavam que tudo faltava de energia e de decisão. Mas no conjunto, o porta voz do Conselho presbiteral de Augsbourg resume assim: “A vida segundo a sábia Regra de São Bento do bispo Viktor, é para nós um exemplo e um encorajamento, particularmente no que diz respeito à espiritualidade e ao estilo de direção.”
Gostaria, na continuação, de retomar esta apreciação, pondo-a em questão: alguém com um cargo beneditino, no séc. XX e XXI, segue efetivamente as diretrizes da Regra de São Bento? Onde começa o vasto espaço de uma reapropriação criativa e pessoal?
O bispo Viktor falava do seu ministério assim:
“Uma das tarefas mais importantes de um abade, é preservar, promover e recriar, sem cessar a unidade da comunidade, apesar de todas as oposições. Isto não é menos verdadeiro para um bispo diocesano numa Igreja, que sofre cada vez mais polarizações. Os diferentes grupos acusam-se rapidamente uns aos outros de não serem mais “católicos”, ou de formar uma seita. O papel do bispo é excluir excessos dos dois lados, mas quanto ao resto, é manter juntos na unidade eclesial os grupos que derivam, e esforçar-se por ser, sem cessar, um mediador”.
Podem-se deduzir duas coisas desta declaração. Por um lado, para descrever a direção eclesial o bispo Viktor recorre à imagem beneditina do abade no cap. 2 da Regra, segundo a qual o responsável de uma comunidade deve “servir aos temperamentos de muitos” (RB 2,31). Por outro lado, alarga a consideração sábia da diversidade humana com a aspiração fundamental pela unidade e pela mediação, quer seja nas comunidades monásticas, ou na Igreja local e universal. Mesmo que isso corresponda à atitude beneditina, um tal serviço pela paz não se encontra explicitamente na regra de São Bento.
Um outro traço marcante do bispo Viktor Joseph, que se elogia regularmente, era a sua capacidade de “trabalhar em equipe”. As pessoas implicadas sublinham sua capacidade de escuta, a paciência e o tempo que dava aos outros. Podiam assim explicar seu ponto de vista e sentir a estima, mesmo em casos de divergências persistentes. É conhecido que a regra beneditina começa com um convite à escuta. Recomenda que o monge escute as palavras do mestre, quer dizer as palavras do Cristo e se abra a elas (RB Prol. 1). Em continuação deste princípio de base, o abade é convidado a “escutar o conselho dos irmãos” RB 3, 2. Depois diz-se, contudo, que é ele quem decide o que é justo. Deve-se ver, assim, que a regra de São Bento contem certos traços de uma tomada de decisão democrática, mas que o modelo fica essencialmente uma monarquia. As restrições atuais do poder abacial por meio do Capítulo e por meio do Conselho são desenvolvimentos ulteriores. As representações da procura da verdade por meio do diálogo, que nos parecem evidentes, não correspondem aos reflexos do monaquismo primitivo.
Estas breves reflexões não visam contestar a inegável marca beneditina do estilo de vida e da direção do bispo Viktor Joseph, que, aliás, ele mesmo sublinhou. Querem, no entanto, convidar a usar de forma refletida a fórmula muitas vezes usada de “espiritualidade beneditina”. A Regra de São Bento oferece possibilidades de interpretação quase ilimitadas. Os meios tradicionalistas e integristas referem-se a ela, tanto quanto os cristãos liberais e abertos ao diálogo. No caso do bispo Viktor, trata-se antes de mais de um modo muito pessoal de pôr em prática o carisma beneditino, que vinha do seu caráter, de sua experiência de vida e de sabedoria. Talvez tenha mais a ver com Viktor Dammertz do que com São Bento. Talvez mais de acordo com a tradição beneditina, o bispo Viktor gostava de caracterizar esta tradição com a expressão “diversidade na unidade”. As duas são importantes, a diversidade e a unidade, mas como sublinha Viktor Dammertz, pondo a diversidade na frente: a diversidade tem uma pequena prioridade.
A Fundação Benedictus
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Notícias
A Fundação Benedictus
Dom Jean-Pierre Longeat, OSB
Presidente da AIM
Os amigos dos Mosteiros pelo Mundo, através do mundo, (AMTM) e a Aliança Inter-Mosteiros (AIM) criaram juntos a Fundação Benedictus – sob a égide da fundação Caritas França. A fundação Benedictus tem um objetivo de interesse geral, com fins não lucrativos, conforme o objetivo da fundação Caritas França. Tem por missão dar seu contributo moral e financeiro para ajudar as atividades de desenvolvimento social, cultural, económico, ambiental a serviço da promoção da dignidade das populações desfavorecidas, em ligação com as fundações monásticas através do mundo, que vivem segundo a regra de São Bento, fora da Europa ocidental e da América do Norte.
Por quê ter criado Benedictus?
Para permitir, com toda a segurança administrativa, alargar os dons com possibilidade de um recibo fiscal, sobretudo dos dons que reduzem o IFI (Imposto de Fortuna Imobiliária), e de poder receber doações, e tocar novos doadores, e novos amigos dos mosteiros.
Os Laços entre AIM e AMTM
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A evolução das congregações beneditinas de um ponto de vista feminino
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Notícias
A evolução das congregações beneditinas
De um ponto de vista feminino
Madre Franziska Lukas, OSB
Abadessa de Dinklage (Alemanha)
Fui convidada para falar das congregações beneditinas, dum ponto de vista feminino, mas pensei que para vós seria mais interessante ter alguns mecos das experiências que vivemos, quando começamos o caminho para a ereção da congregação beneditina europeia da Ressurreição. É evidente que isto é do ponto de vista de uma beneditina, não abordo diretamente a situação das trapistas, das cistercienses, ou de outras ordens.
Contexto Geral
Todo o mundo conhece a história geral de Cor Orans: em 2014 foi enviado um questionário da CIVSVA de Roma a todos os mosteiros de monjas. No entanto muitos só o receberam tarde, e alguns nem mesmo o receberam. Isto é especialmente verdade para as monjas beneditinas. Felizmente, nesse ano nós estávamos juntas no Simpósio da CIB. Durante esse simpósio estava prevista uma audiência papal, que foi anulada pelo Vaticano na véspera. Isto nos deu o tempo e a oportunidade de falar e de comunicar sobre o questionário. Para grande surpresa nossa, realizamos que estávamos de acordo na respostas à maioria das questões de base.
Em 2016 foi publicada a Constituição apostólica Vultum Dei quaerere: Não podemos dizer se sim, ou não, ou em que medida as nossas respostas ao questionário foram integradas nesse documento.
Em 2018 apareceu a Instrução Cor Orans; isso definiu as novas normas, que se espera todas adotem, na obediência. Algumas normas fizeram crescer a responsabilidade das monjas, outras não são compatíveis com a nossa vida hoje.
Cor Orans foi o catalisador de três movimentos:
1. Colaboração a diversos níveis, sobretudo pela irritação causada pelo tempo longo do período de formação.
2. Contato com a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada a nível internacional, europeia e nacional.
3. Desenvolvimentos e mudanças em curso entre as comunidades de monjas, por exemplo:
– Na Espanha, as comunidades estavam já formando uma Congregação; nas Filipinas, as três comunidades de monjas começaram a formar uma congregação; na Europa, onze mosteiros formaram uma nova congregação europeia. As Constituições destas congregações já foram aprovadas.
– As federações estão ajustando suas normas para os mosteiros individuais que decidiram juntar-se a uma federação, ou a uma congregação já existente; em certos casos, pensam pedir dispensas, por exemplo, do tempo de formação prolongado.
Estes exemplos parecem bastar no quaro da perspetiva geral do assunto.
A Congregação beneditina Europeia da Ressurreição
No que diz respeito à nova congregação beneditina europeia da Ressurreição, posso falar sob dois ângulos:
Antes de mais, o processo que a nossa comunidade de Dinklage percorreu: cada mosteiro da nossa congregação, de fato, teve de seguir seu próprio processo e decidir como queria que Cor Orans influencie seu futuro. Para nós em Dinklage, tínhamos razões diversas que nos levaram a preferir criar uma nova congregação. Parecia-nos que construir algo novo “somente” na Alemanha era muito estreito, porque temos diversas nacionalidades na comunidade. E construir uma congregação verdadeiramente mundial nos parecia algo mais largo.
Em segundo lugar, vemos uma congregação de “mulheres” como um sinal que nos é pedido neste momento da Igreja, já que Roma nos deu a possibilidade de o fazer; nossas experiências sobre isto fazem parte de uma história mais longa.
• O processo do desenvolvimento do grupo de comunidades que pertencem agora à nova Congregação
A iniciativa foi tomada por dois mosteiros da Bélgica; depois perguntaram a outros mosteiros se estavam interessados, mosteiros que fazem parte de redes já existentes e que se desenvolveram ao longo dos últimos decénios (UBB, ADSUM, CIB).
Desde o começo tratava-se de ser uma congregação monástica e não uma federação. Estávamos todas de acordo para dizer que esse seria o caminho melhor, porque queríamos ser juridicamente independentes do bispo.
Fizemo-lo pensando que isso seria bom para nós, e não porque Roma o pediu (mesmo se Roma finalmente deu o impulso). Descobrimos logo que correr o risco e abrir-se a tal aventura dava-nos energia. Vimos as vantagens de construir uma coisa nova e maior.
Preservar a diversidade: era, e é, um ponto importante para todas nós, pois cada uma das comunidades tem uma história, um modo de vida, uma tradição e uma cultura muito diferentes.
Também partilhamos a ideia de viver numa “Europa”.
• As etapas na elaboração das Constituições
Quando da primeira reunião em outubro 2018, decidimos ter uma Comissão jurídica, com quatro superioras e Ir. Scholastika Häring (Dinklage) como coordenadora. Esta comissão fez vários textos provisórios à medida que as irmãs avançavam. Discutimos cada um dos projetos na Conferência das Superioras. Cada projeto vindo da comissão era enviado às superioras que o discutiram e ajustaram. Depois o texto foi mandado a cada uma das comunidades.
Cada vez, chegaram a nós as perguntas e os comentários debatidos nas comunidades, e as decisões tomadas a partir daí, foram levadas para a reunião seguinte das superioras. E assim foi, etapa por etapa para vários textos projeto.
Antes de apresentar o texto final, pedimos à Irmã Eleonora, OCSO (de Glencairn) e ao Irmão Hugues Leroy, OSB (da França) para relerem o texto. Havia, portanto, uma mulher e um homem, uma de língua inglesa e um de língua francesa. Depois de ter recebido seus comentários, tivemos uma última reunião de superioras para discutir o texto. O texto final foi, então, enviado a cada comunidade, e cada uma votou-o.
• Conteúdo das Constituições
Redigimos um preâmbulo com nossa “identidade comum”: segundo Perfectae Caritatis nº 9, nossa Congregação é “monástica” e não Instituto inteiramente dedicado à contemplação (PC nº 7).
Sublinhamos a importância das normas do mosteiro: mandato da abadessa, duração e composição do conselho, periodicidade das visitas canónicas…
Quisemos evitar o modelo único; isso não é possível, nem desejado no campo da liturgia, do hábito, ou do apostolado. Todos os nossos mosteiros devem viver segundo o lugar onde estão e sua tradição.
Começamos o processo em outubro de 2018, e, na primavera de 2020 as Constituições estavam quase terminadas. Depois veio o tempo de confinamento, e só podemos nos encontrar via Zoom. Mas fizemo-lo, e conseguimos terminar a redação das nossas Constituições.
Em novembro de 2020: reunião virtual para as superioras, durante a qual adotamos as Constituições e as enviamos às comunidades para serem votadas.
Mesmo nesta ocasião era impossível as superioras se encontrarem presencialmente. Reunimo-nos virtualmente e tomamos a decisão de preparar tudo em função de Roma, e de o enviar. Além das Constituições tínhamos o processo verbal do Capítulo de voto para mandar para a Congregação, o processo verbal do Capítulo sobre o voto das Constituições, o decreto de cada mosteiro sobre a ereção da Congregação e uma breve descrição de cada mosteiro. Uma das superioras foi autorizada a falar em nome de todas.
Depois de alguns meses de espera, aconteceu o milagre: a ereção da Congregação e a aprovação das Constituições por cinco anos ad experimentum. E assim estamos. Em novembro de 2021 preparamos o Capítulo Geral que acontecerá em fevereiro na comunidade da Suécia. Lá elegeremos a Presidente, o Conselho, e, evidentemente vamos celebrar, porque conseguimos!
Os mosteiros da Congregação são:
- Alexanderdorf, Alemanha
- Dinklage, Alemanha
- Egmond, Holanda
- Hurtebise, Bélgica
- Kaunas, Lituânia
- Liège, Bélgica
- Montserrat, Espanha
- Oosterhout, Holanda
- Simiane-Collongue, França
- Steinfeld/Bonn, Alemanha
- Vadstena, Suécia
Conclusão do relatório sobre a evolução da Confederação Beneditina
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Notícias
Conclusão do relatório sobre a evolução da Confederação Beneditina desde há 140 anos,
Apresentado no sínodo
dos Abades Presidentes
(Set. 2021)
Thomas Piazza[1]
et P. Geraldo González y Lima, osb[2]
Uma visão global da Confederação beneditina a partir dos Catálogos mostra as grandes tendências dos últimos 140 anos da história beneditina. Podemos ver 4 grandes períodos:
1880-1935: Depois da renovação e restauração da vida monástica na segunda metade do séc. XIX, o número de monges e de mosteiros aumentou rapidamente até à 2ª Guerra Mundial. Embora o aumento tenha diminuído um pouco durante a 1ª Guerra Mundial, a principal tendência de crescimento rápido continuou até 1935.
1950-1965: Depois da 2ª Guerra Mundial continuou a crescer, embora com ritmo mais lento, até atingir um pique numérico nos anos 1960.
1965-1980: Os anos 1960 a 1970 foram um período de inovação e de reforma, tanto nos mosteiros, como na Igreja. Este período dinâmico, com muitas fundações nos continentes fora da Europa, foi, no entanto, acompanhado por uma partida de muitos membros (houve uma baixa de 20% no número total dos monges) entre 1965 e 1980. Seria interessante poder analisar a estrutura por idade nos mosteiros depois disso, antes e depois.
1980-2020: Depois de 1980 o número de monges continuou a diminuir, mas num ritmo mais lento. O número de monges ordenados diminuiu mais rapidamente, à medida que os monges sacerdotes mais idosos morreram e uma pequena porção era ordenada. Parece que entramos agora num período de contração e consolidação. Mas nosso propósito não é projetar estas tendências no futuro. Queremos, simplesmente, mostrar a situação até ao presente.
Também sublinhamos que estas tendências para a Confederação, no seu conjunto, não refletem necessariamente o que acontece em cada congregação, em cada parte do mundo. É apenas uma vista de olhos. Queremos efetuar outras análises geográficas e de congregações no futuro, além das duas análises publicadas até ao presente.
Em conclusão queremos sublinhar a importância dos Catalogi Monasteriorum OSB para compreender as tendências de adesão na Confederação beneditina. Temos uma grande dívida de gratidão para com os primeiros membros da Confederação que tiveram a clarividência para compilar e publicar documentos inestimáveis. Cabe a nós utilizá-los eficazmente, para nos ajudar a compreender a situação atual e planejar o futuro.
[1] Thomas Piazza é um especialista em estatística aposentado da universidade da Califórnia em Berkeley (EUA). Foi monge beneditino na Abadiaa de St Leo na Flórida nos anos 1960.
[2] P. Geraldo Gonzalez y Lima é monge da abadia de São Geraldo em São Paulo (Brasil), tesoureiro da Confederação beneditina e vice-presidente da Comissão internacional da educação beneditina).
Relatório do Secretário-Geral do DIM
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Notícias
Relatório do Secretário-Geral do DIM
ao Conselho de Administração da AIM
28 de outubro de 2021
D. William Skudlarek, OSB
As restrições contínuas às viagens e reuniões para deter a propagação do coronavírus limitaram novamente as atividades do DIM em 2021, as patrocinadas pelo Secretariado, bem como as atividades das Comissões Regionais. Um diálogo com os muçulmanos xiitas, que foi adiado para 2020 e deveria ocorrer em Viena (Schottenstift) no início deste mês, teve que ser adiado novamente. Esperamos agora nos encontrar em maio de 2022.
A reunião anual das Comissões Europeias do DIM deveria se realizar em Ligugé em setembro deste ano, mas foi novamente suspensa. Ela teria incluído uma jornada com os membros do novo Centro Internacional da Comunidade Mundial de Meditação Cristã (CMMC), em Bonnevaux, para discutir como o DIM e o CMMC poderiam colaborar nos programas do Centro.
O Capítulo Geral da Congregação de Sankt Ottilien também foi adiado. Ele teria incluído uma sessão sobre o diálogo inter-religioso monástico.
Os organizadores do National Workshop on Christian Unity (USA) me convidaram para ser «teólogo em residência» e orador principal para a sua conferência virtual realizada em abril. Dei três palestras sobre a importância da hospitalidade (filoxenia, amor ao estrangeiro) no diálogo ecumênico e inter-religioso.
Como editor adjunto da revista on-line do DIM, Dilatato Corde, continuo a dedicar muito tempo e esforço à tradução e edição de artigos submetidos para publicação, assim como à correspondência com autores e revisores externos de artigos científicos. Além das reflexões e relatórios pessoais sobre as atividades inter-religiosas de indivíduos e comissões regionais do DIM, Dilatato Corde continua a publicar importantes trabalhos científicos sobre o diálogo inter-religioso em nível de experiência e prática espiritual. Nas duas edições do volume 11 (2021), por exemplo, encontra-se «De Deus in adiutorium à Maranatha: Colonialisme et reforme dans la reencontre hindue de John Main», de Nicholas Scrimenti, e dois estudos de Fabrice Blée: «Le dialogue Chrétien-bouddhiste: Dimension prophétique du dialogue interreligieux monastique» e «L’expérience de Dieu dans l’oeuvre de Panikkar: Éléments épistémologiques pour une approche contemporaine du divin».
Fiz uma apresentação sobre as dimensões «conviviais» do diálogo inter-religioso monástico em um seminário via Internet organizado pelo Pontifício Conselho para o Diálogo Interreligioso para os membros e consultores norte e sul-americanos do PCID (Pontifical Council for interreligious Dialogue). O seminário foi realizado em 19 de outubro e fez parte da preparação do Conselho da Assembleia Geral do próximo ano, que será dedicada à convivência e ao diálogo.
Estou confiante de que meu sucessor como Secretário Geral do DIM será nomeado neste ano de 2022 ou no início do próximo ano. Concluirei meu quinto mandato de três anos em 30 de novembro de 2022, e embora minha saúde seja boa e eu continue comprometido em promover o diálogo inter-religioso entre monges, acredito que este é o momento certo para que um jovem beneditino apaixonado e conhecedor do diálogo inter-religioso assuma a liderança deste importante trabalho em nome da Confederação - um beneditino, aliás, que poderia não ser norte-americano ou europeu.