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127

Bulletin

Transição

126

Bulletin

Vida monástica hoje

125

Bulletin

“Toda a vida como liturgia”

124

Bulletin

Capítulos Gerais cistercienses
(OCSO e OCist, Set. e Out. 2022)

123

Bulletin

Vida monástica e sinodalidade

122

Bulletin

A gestão da Casa comum

121

Bulletin

Fratelli tutti,
A fraternidade na vida monástica

120

Bulletin

Formação monástica hoje (Segunda parte)

119

Bulletin

Formação monástica hoje
(Primeira parte)

118

Bulletin

A vida e a morte no ideal monástico

Venerar os mais velhos, amar os mais moços

Boletim da AIM • 2019 • No 117

Índice

Editorial

Dom J.-P. Longeat, OSB, Presidente da AIM


Lectio divina

O jovem rico (Mt 19,16-26)

Madre Escolástica Ottoni de Mattos, OSB

Meditação

Os Jovens, a Fé e o Discernimento vocacional. A Arte de discernir

Documento Final do Sínodo dos Bispos


Testemunhos

• Ser monge num monaquismo jovem

Dom Alex Echeandía, OSB (Lurín)


• Tornar-me eu mesma no mosteiro

Irmã Maria Terezinha dos Santos, OSB (Encontro)


• Uma experiência de liberdade interior para a união com Deus

Irmão Edmond Zongo, OSB (Koubri)


• A fragilidade e a força de uma comunidade monástica

Irmão Nichodemus Ohanebo, OSB (Ewu)


• Na África do Sul os desafios e as alegrias da vida monástica

Irmã A. Ndubane, OSB (Elukwatini)


• Primeiros passos na vida monástica

Irmã Rosa Ciin, OSB (Shanti Nilayam)


Abertura ao mundo

Os Jovens, a Fé e o Discernimento vocacional. I parte, cap. II

Documento Final do Sínodo dos Bispos

Economia e vida monástica

Contribuições do Mosteiro de Bafor para o desenvolvimento local

Dr Katrin Langewiesche


Liturgia

Vida Monástica e Poesia

Irmã Thérèse-Marie Dupagne, OSB


Monges e monjas testemunhas para o nosso tempo

Geronda Aimilianos

Hieromonge Serapião e Prohigoumène Basile


Nouvelles

• Viagem à China Continental

Dom Jean-Pierre Longeat, OSB


• Viagem ao Chade

Irmã Christine Conrath, OSB


• Relatório do Encontro das superioras das Comunidades contemplativas de Madagascar e do Oceano Índico

Irmã Agnès Brugère, OSB


• Relatório do programa de formadores monásticos da ABECCA

Dom Alex Echeandía, OSB


• Testemunho sobre o curso de formação de língua francesa “Ananias”

Irmão Moïse Ilboudo, OSB

Sommaire

Editorial

Um dos aspectos marcantes da vida de uma  comunidade monástica consiste no fato de várias gerações viverem lado a lado. Este fenômeno, mais particularmente  no Ocidente, está acentuado por causa do prolongamento da duração da vida. A sociedade moderna escolheu separar as gerações; as comunidades monásticas conservam a prática da vida comum entre várias gerações, na medida do possível. É frequente ter, assim, nas comunidades quatro ou mesmo cinco gerações.

Este número do Boletim da AIM, na continuação do sínodo romano sobre “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional” apresenta alguns aspectos desta temática em relação com a vida monástica. Vários testemunhos, vindos de continentes diferentes, mostram como os jovens monges ou monjas se situam diante de seu engajamento, hoje. Cada um interpretou, a seu modo, a questão inicial que era sobre a visão que um jovem pode ter da vida monástica no contexto do seu país, ou da cultura em que vive. Isto dá uma grande diversidade de focos!

Diferentes rubricas e algumas notícias fazem parte do resto deste número.

Dom Jean-Pierre Longeat, OSB

Presidente da AIM

Artigos

Venerar os mais velhos, amar os mais moços

1

Dom Jean-Pierre Longeat, OSB

Presidente da AIM


Venerar os mais velhos, amar os mais moços

RB 4,70,71;63,10

 

 

Num primeiro tempo acolhemos o que nos diz São Bento sobre o tema. São Bento está muito atento ao bom equilíbrio, no interior da comunidade, entre a presença dos irmãos jovens e dos mais velhos. No cap. 4 dos Instrumentos das Boas Obras ele diz: “Venerar os mais velhos, amar os mais moços” (4,70-71). Trata-se de colocar as reações de ambos numa atenção recíproca.

No começo da regra de São Bento, o monge aparece como um filho à escuta de seu Pai. Como se sabe, isto é uma referência ao livro dos Provérbios (Prov 1,8), mas mais ainda é uma disposição evangélica. Jesus situa-se numa relação filial com seu Pai, que é também nosso Pai, e assim, convida-nos a ser filhos muito queridos deste Pai que nos ama. Qualquer que seja a idade do monge, ou da monja, de um discípulo de Cristo, ele é sempre como um filho, uma filha à escuta daquele de quem recebe tudo.

O cap. 7, sobre a humildade, volta a este assunto. Define o monge como uma criança que repousa com confiança no colo de sua mãe, tal como o discípulo à escuta do seu Deus (cf. Sal. 130). É uma definição do monge estranha, se pensarmos bem. Trata-se de repousar em Deus, como uma criancinha de regaço de sua mãe, sem ter o coração orgulhoso, ou um olhar ambicioso, sem seguir projetos autônomos, de autoconfiança. Com tal atitude de fé, de confiança, adquire-se progressivamente uma maturidade e, como diz o 12º grau da humildade: “O monge chegará, em breve, àquele amor de Deus, que sendo perfeito, expulsa o temor” (Rb 7,67). Está aqui, verdadeiramente, o caminho de toda a vida monástica.

A escola que São Bento quer formar para todos os que se colocam nesta disposição, permite ver uma corrida no caminho dos mandamentos: “com o progresso da vida monástica e da fé, dilata-se o coração (torna-se sempre mais jovem…) com inenarrável doçura de amor” (Prol. 49). Não é seguro que isto se verifique sempre e aconteça com todos, mas em todo o caso é a perspectiva aberta por São Bento…Seja como for ninguém pode avaliar de fora o que se passa no íntimo do coração de cada um: só Deus sabe.

No prolongamento de uma tal proposta, São Bento apresenta os monges cenobitas como principiantes (RB 1 e RB 73) que se adestram nas fileiras de um exército fraterno. Progressivamente afastam-se do fervor simples dos começos, para entrar na provação de um combate contra a adversidade interior, até se tornarem sempre mais autônomos, com a idade. Alguns podem até querer ser eremitas. Pode-se constatar até nos nossos mosteiros, que alguns dos anciãos acabam seus dias nesta forma de solidão, quer seja no quadro de uma enfermaria, ou até na vida corrente. Os mais velhos, mesmo estando presentes na vida comunitária, adquirem uma certa distância em relação às coisas que passam, e ajudam a comunidade, especialmente os mais jovens a ter certo recuo em relação às brigas, aos confrontos, ou às discussões necessárias, mas muito relativas, na vida cotidiana. Esta liberdade dá também aos mais velhos uma certa cumplicidade com os mais jovens, pois no fundo, os primeiros já nada têm a perder, e os outros ainda não têm nada a perder.

São Bento está muito consciente do que velhos e novos dão à vida da comunidade, é por isso que faz questão que todo mundo seja consultado, quando se trata de um assunto importante no quadro do mosteiro (RB 3,1). Diz o seguinte: “Dissemos que todos fossem chamados a conselho, porque muitas vezes o Senhor revela ao mais moço o que é melhor” (3,3). Como é bom ouvir isto da parte de um homem com tal experiência, como São Bento.

Longe de considerar o fato de se reconhecer filho, filho de Deus, como condição de uma dependência irresponsável, o autor da Regra diz, ao contrário, que ser jovem numa comunidade é um apelo a viver isso com sua característica própria. Como estamos longe de modos de ser infantis, que tantas vezes vemos nas nossas santas instituições! Acontece nas nossas comunidades, sobretudo no hemisfério Norte, que mesmo depois dos 50 anos é-se considerado como um jovem, que não tem o direito de dar sua opinião diferente. Isto chama-se infantilismo, e deve ser combatido vigorosamente. Tanto mais que “os jovens”, “os novos” que entram nas nossas comunidades, podem ser adultos de 30, 40, ou mais e cheios de experiências múltiplas.

Depois de seu tratado espiritual nos primeiros capítulos da Regra, São Bento trata de questões práticas, aonde, justamente, apresenta as grandes orientações que colocou no começo.

É o caso do capítulo 22, onde São Bento sublinha a importância de misturar as gerações ao falar… do sono dos monges: “Que os irmãos mais jovens não tenham leitos juntos, mas intercalados com os dos mais velhos” numa época em que se dormia ainda num dormitório. Concretamente, trata-se de evitar relações ambíguas entre irmãos jovens, e de aproveitar o encorajamento dos mais experimentados em relação aos principiantes, e igualmente ajudar os mais velhos a manter o elã da juventude. Tais medidas parecem estranhas num mundo em que se teme mais os abusos por parte de pessoas mais velhas em relação a mais jovens. Mas será que temos de ler tudo à luz de um tal medo? O encorajamento mútuo das gerações deve passar por mediações. Estas podem todas ter perigos abusivos. No quadro dos mosteiros, à parte os que têm estruturas educativas, o abuso poderia ser mais na linha da homossexualidade. A vigilância e a correção impõem-se, evidentemente, mas não devem por isso impedir a troca de riquezas no interior da comunidade.

Havia também no mosteiro de São Bento, crianças que eram confiadas aos monges pelas famílias, para que recebessem uma boa instrução (Cf RB 59). Eram tratadas da mesma maneira que os monges se cometessem erros ou faltas. Aplicava-se-lhes primeiro o castigo de ficar à parte, por um tempo, e se não compreendessem a gravidade do castigo eram submetidos a medidas mais rudes. São Bento acredita na capacidade espiritual desta juventude que povoava os mosteiros, e que nem sempre era fácil de acompanhar (RB 30).

O capítulo 58 sobre o modo de receber um novo membro, é sem dúvida, o que melhor nos ensina sobre o que São Bento deseja para os jovens monges. Antes de mais, a entrada na comunidade não é facilitada: “É preciso experimentar os espíritos para ver se são de Deus” (RB 58,2). Isto é o oposto da atitude tantas vezes encontrada, a facilidade com que se recebe na vida monástica. É uma experiência exigente que leva a pôr à prova, para ajudar a tomar consciência da seriedade do que se quer.

No tempo de São Bento, para aquele que batia à porta, havia uma estadia na hospedaria, depois, se perseverasse, a entrada no lugar aonde viviam os noviços; ficavam verdadeiramente à parte, aí dormiam e tomavam as refeições, vivendo as diversas práticas espirituais.

Um ancião experimentado, “capaz de ganhar as almas” era designado para os acompanhar. Três critérios são dados para este acompanhamento: examinar se o jovem procura a Deus, se é fervoroso para o Ofício divino, se vive a obediência e as contrariedades que nunca faltam.

Pode-se reconhecer ao mesmo tempo que os jovens não são o centro de tudo, no mosteiro de São Bento, mas que se leva em conta suas necessidades: é por isso que são formados à parte, sob a conduta de um ancião. Há uma entrada progressiva na comunidade, dando atenção à caminhada interior. Isto também é o oposto da nossa sensibilidade atual, que procura integrar os novos, o mais possível, na vida da comunidade valorizando o que eles podem dar à comunidade. É preciso encontrar o equilíbrio entre estas duas posições. É sério para a vida monástica de hoje. Mede-se mal a distância de mentalidade entre as gerações no mundo contemporâneo; distância que aumenta sempre mais, e que exige etapas de aproximação para permitir um diálogo sadio entre as pessoas de idades diferentes, e às vezes de culturas diferentes, à volta da mesma Regra.

Esta integração progressiva é tanto mais importante, quanto mais o valor do engajamento é relativizado, hoje em dia. Não é raro ver monges ou irmãs, que depois de terem feito profissão solene, põem em causa sua palavra dada, sem nenhum escrúpulo. Podem até deixar o mosteiro sem pré aviso de qualquer tipo, prática inadmissível no meio profissional.

O compromisso monástico é olhado como do foro privado, a exemplo do que acontece no contexto da família, podendo desfazer-se mais ou menos facilmente.

São Bento evoca a ordem da comunidade (RB 63). Determina que esta ordem dependa da data da entrada na comunidade, e não da data de nascimento, ou distinções sociais. Assim, “aquele que tiver entrado no mosteiro à segunda hora, se reconhecerá mais moço do que o que chegar à primeira hora do dia, seja qual for a idade ou a dignidade” (63,8). Do mesmo modo São Bento lembra que “em qualquer lugar que seja, que a idade não distinga ou prejudique aquela ordem, porque Samuel e Daniel, meninos, julgaram anciãos” (63,5-6). No mesmo capítulo, além do que diz no cap.4, São Bento volta a dizer que os jovens honrem os mais velhos e os mais velhos amem aos irmãos mais moços. E lembra algumas regras de conduta fraterna importantes para a vida de cada dia: o fato, por exemplo, de chamar os jovens de “irmão” ou “irmã” ou os mais velhos “nonnus, nonna”, que deu o substantivo “nonne” e que significa ainda em italiano “avô, ou avó”. O primeiro termo mostra, da parte dos anciãos um reconhecimento de fraternidade em Cristo e não de superioridade paterna ou materna. O segundo manifesta ao mesmo tempo respeito e uma certa familiaridade. Poderia interpretar-se “paizinho ou mãezinha” Talvez não seja o ideal hoje, mas isso convida a encontrar algo equivalente.

São Bento lembra também alguns modos elementares de educação no saudar-se, quando nos cruzamos, cabendo ao mais novo a iniciativa. Na Regra isto traduz-se pedindo a bênção de Deus por intermédio do ancião. São Bento também lembra que o mais novo deve levantar-se, quando passa o mais velho, e lhe dará o lugar para ele se assentar. Todos estes pequenos gestos do dia a dia são sinal de uma atitude de respeito, maneira concreta de pôr em prática o “honrar-se mutuamente”.

Nas sociedades ocidentais em que os mais velhos são muitas vezes colocados em casas especializadas, o exemplo dos mosteiros, aonde convivem gerações diferentes, pode ser um testemunho; com a condição de que os mais velhos, que são a maioria, não usarem para si o serviço dos mais jovens, que às vezes são em número reduzido, às vezes um só. Isto também vale para a ideia de fazer vir do estrangeiro jovens monges ou monjas com a mesma finalidade, embora sem o confessar.

São Bento, aliás, tem a preocupação que dois membros da mesma família (um dos quais é mais jovem) não tomem a defesa um do outro, porque isso gera escândalos que desequilibram o grupo. Pede também que os mais jovens e os anciãos (por causa de sua fragilidade) não sejam repreendidos a todo o momento, de modo desordenado, como se descarregassem sobre eles.

No final da Regra, o seu autor diz que ela foi escrita para principiantes. Assim, no mosteiro, todos devem ter a preocupação de guardar um coração de criança, desejosos de avançar no caminho do mandamento do amor. Encorajando-se mutuamente, o coração de cada um pode dilatar-se e todos correrem com alegria para a meta, que é a união com Deus. Esta meta guarda todos no dinamismo daqueles que vivem a novidade e a criatividade de Deus. Aqui a idade importa pouco!


Festa para jovens professas de Ndanda (Tanzânia), Congregação das Irmãs Missionárias de Tutzing © AIM.
Festa para jovens professas de Ndanda (Tanzânia), Congregação das Irmãs Missionárias de Tutzing © AIM.

O jovem rico (Mt 19,16-26)

2

Lectio divina

Madre Escolástica Ottoni de Mattos, OSB

Abadessa de Santa Maria, São Paulo (Brasil)

 

O jovem rico (Mt 19,16-26)

 

Lendo esta passagem de Mt 19,16-26, fixemo-nos nas primeiras palavras: “Alguém se aproximou de Jesus” Contemplemos a diversidade de pessoas que se aproximam de Jesus no evangelho de Mateus e suas diferentes motivações. Ponhamo-nos em movimento para ir ao seu encontro:

4,3 : o tentador aproxima-se de Jesus para o pôr à prova;

4,11 : os anjos aproximam-se para o servir;

8,2 : um leproso aproxima-se para ser purificado;

8,19-20 : um escriba aproxima-se e propõe-se seguir Jesus em toda a parte;

13,36 : os discípulos aproximam-se para perguntar o sentido de uma parábola;

17,14 : um homem aproxima-se para implorar compaixão para seu filho lunático;

26,7 : uma mulher aproxima-se com o frasco de alabastro para ungir a cabeça de Jesus;

26,49 : Judas aproxima-se para dar a Jesus o beijo da morte.

Aqui, em 19,16, alguém se aproxima e pergunta: “Que devo fazer de bom para ter a vida eterna?” A pessoa que se aproxima nesta passagem é chamada de “alguém” (eis em grego). Isso significa que pode ser cada um de nós. No entanto, é alguém que se dirige a Jesus como “Mestre”;

- procura a vida eterna;

- é um jovem;

- observa os mandamentos;

- é sem meias medidas, ainda que se afaste todo triste porque se vê na impossibilidade de receber a única coisa que lhe falta…

Não ter nada, somente “um tesouro nos céus” é a lição final.

Olhemos o texto com mais atenção. É composto por duas cenas distintas, muito estruturadas literalmente:

 

I. Diálogo de alguém com Jesus

a) Aproximar-se de Jesus (v. 16 a)

            b) interrogar Jesus (v 16. b)

                        c) Receber uma resposta de Jesus (v. 17)

            b’) interrogar Jesus (v. 18 a)

                        c’) receber uma resposta de Jesus (v. 18-19)

            b’’) interrogar Jesus (v. 20)

                        c’’) receber uma resposta de Jesus (v. 21)

a’) afastar-se de Jesus

Este diálogo está enquadrado pela antítese que expressa um conflito e um combate, fortes, porque tocam um engajamento de toda a vida e até do “pós-vida”. Para O TODO, é pedido tudo:

v. 16: “Aproximar-se” é o oposto de “afastar-se” (v. 22)

v. 16 “Ter a vida eterna” é o oposto de “ter grandes bens” (v. 22)

No interior do debate, no v. 21, as antíteses são numerosas: ir # vir; vender # possuir; dar aos pobres # ter um tesouro. Estes paralelismos antitéticos são um contraste com a síntese muito estável do anúncio de Jesus: entrar na vida, entrar no reino dos céus, entrar no reino de Deus (v. 17.23.24)

O moço está preocupado com o TER; sendo rico e habituado a possuir tudo, quer, com boa intenção e lógica, possuir a vida eterna. Jesus apresenta-lhe uma outra realidade: “Ser perfeito…seguir-me” e para isso nada ter. Trata-se de um despojamento total em vista do Absoluto que o chama. Como sublinha Romano Guardini: “ Possuir seja o que for, já é ser rico (…) O que importa é a posse em si mesma” São Bento nos lembra isto no capítulo das Boas Obras: “Nada preferir ao amor de Cristo” (RB 4,21). Também no fim da Regra, como alguém que dá testemunho de ter feito um percurso sério na vida cristã e monástica, diz: “Nada, absolutamente nada preferir ao Cristo, que nos conduza juntos para a vida eterna” (RB 72,11-12).

Os mandamentos da lei, expressos sob forma negativa, mostram já a necessidade de que falte algo, que faz um vazio na vida, um vazio necessário para uma plenitude: desapegar-se do instinto de matar, de cometer adultério, de roubar, de fazer um falso testemunho. Paulo Beauchamp afirma: “As proibições do diálogo (decálogo) fazem o vazio diante de um espaço em que Deus não pede nada” Nos mandamentos aqui citados concentra-se toda a Lei.

Então, “que me falta ainda?” (v. 20) “Se queres ser perfeito” (v. 21). O adjetivo teleios, do verbo teleio, significa literalmente uma “ação realizada até ao fim”, “chegada à maturidade”. Aliás é o que evoca já a raiz da palavra grega que significa “mandamento”, entolé: en toleios, em vista de uma realização. Este moço não chegou ainda à maturidade, embora observe os mandamentos; ele vive entre um vender e um possuir, dar aos pobres e ter para si; está no começo do caminho. O fundador do hassidismo, Baal-Shem-Tov, o rabino do séc. 17, dá-nos esta pérola da tradição judaica:

“Eis as palavras que Moisés disse a todos os filhos de Israel, no além Jordão, no deserto (Dt 1,1) Há os que pensam ter encontrado a Deus e não o conhecem. Há os que pensam suspirar para Deus de longe, e Deus está bem perto. Quanto a ti, pensa sempre que estás na beira do Jordão e que ainda não entraste no país. E se pensas que já observas um bom número de mandamentos, fica sabendo que ainda não fizeste nada”.

O jovem em todas as suas aproximações e afastamentos, nos seus numerosos vai e vem, guarda a ilusão de ser cumulado com seus próprios bens. Não consegue aceitar o vazio, que é o espaço para o outro, para o Cristo nele.

 

II – Diálogo de Jesus com os discípulos

a) As palavras de Jesus

            1. Dificilmente um rico entrará (v. 23)

            2. Mais fácil um camelo passar (v. 24)

                        b) A pergunta dos discípulos a Jesus: “Quem então pode ser salvo?)

a’) As Palavras de Jesus

            1. Impossível aos homens (v. 26)

            2. Possível a Deus (v. 26)

No coração da antítese – “dificilmente…mais fácil” – a pergunta dos discípulos jorra como um drama, diz respeito à salvação: “Quem então pode ser salvo?” (v. 25). “Ser salvo” é uma realidade que aparece muitas vezes no Evangelho de Mateus, desde o começo. Coloquemo-nos na presença da pergunta:

– está ligada ao nome de Jesus: “O chamará Jesus, pois Ele salvará o povo dos seus pecados” (Mt 1,21)

– também pode estar ligada a um perigo: “Senhor salva-nos, pois perecemos” (Mt 8,25)

– uma doença: “Se ao menos tocar na sua veste, serei salva” (Mt 9, 21-22).

O que é visado em nossa perícope está expresso no versículo “Aquele que perseverar até ao fim (eis telos) será salvo (Sotesetai)” (Mt 10,22). Estamos de novo na perspectiva da realização, consumação. Nada chegará à realização, fora desta visão. Mas concretamente para Jesus, ir até ao fim, significa ir até à cruz, a porta pela qual se entra na vida. A questão é tão séria que Jesus deixa entender que tal coisa só é possível a Deus. Assim Jesus nos ensina a necessária dependência de Deus para se ser salvo. O próprio Jesus não se salva sozinho. E, no entanto, é justamente a isso que o convidam quando ele está na cruz: “Salva-te a ti mesmo, se és Filho de Deus, e desce da cruz”(Mt 27,40). E ainda: “Salvou outros, e não pode salvar-se a si mesmo” (Mt 27,42).

Jesus, Deus e homem não quis passar sem um vazio, como diz São Paulo aos Filipenses 2,16 e ss: “Ele que era de condição divina, não se agarrou ao ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, (…) e como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”. Salvar-se a si mesmo, não é ir até ao fim do despojamento de si mesmo, é descer da cruz, não precisar dela. E no entanto essa é a chave do despojamento, do despossuir-se.


Conclusão

Como nos diz a Carta aos Hebreus, Moisés “considerou a humilhação do Cristo como uma riqueza maior que os tesouros do Egito, pois ele tinha os olhos na recompensa final” (Heb 11,26). A tradição judaica nos diz que Moisés entrou na vida por meio do beijo de Deus. Mesmo se chegarmos a viver 120 anos em diálogo com Deus, nós precisamos, como ele, deixar-nos corajosamente desinstalar das nossas certezas formais e das nossas ilusões. “De começo em começo”, a caminho, seguindo a Cristo pelo buraco profundo e fascinante, e pela inovação desta pergunta que nunca se responde “Que me falta ainda?”.


Un dromadaire en marche.
© AIM.

Ser monge num monaquismo jovem

3

Testemunhos

Dom Alex Echeandía, OSB

Prior da Comunidade de Lurín (Peru)

 

Ser monge num monaquismo jovem

 

A palavra “experiência” é habitualmente usada para uma pessoa mais velha, um homem, ou uma mulher, que viveu no quadro de uma grande tradição de hábitos, costumes e de um estilo de vida. Neste sentido a tradição do monaquismo peruano é bastante nova, pois é recente, data da fundação do primeiro mosteiro beneditino que foi fundado nos anos 1960.

A Igreja do Peru não conhecia a palavra “monaquismo” quando as ordens mendicantes chegaram. De fato, a Coroa espanhola não autorizava os monges a entrar nas Novas Índias, porque eram consideradas terra de missão. A história conta que quando Cristóvão Colombo fez a segunda viagem à América já havia frades franciscanos. O objetivo principal era evangelizar o Novo Mundo. A evangelização precisava de catequese e do desaparecimento de toda a forma de idolatria.

Mas, a evangelização foi realizada por monges, bem antes que as ordens mendicantes existissem na Igreja. Na Igreja dos primeiros séculos houve monges missionários muito célebres, como São Columbano, Santo Agostinho de Cantuária, São Bonifácio de Fulda e muitos outros, que levaram o Evangelho para a Europa e para o Leste.

O fato das Ordens mendicantes estarem muito vivas no final do século 15, foi crucial para a decisão dos espanhóis em enviar sobretudo franciscanos e dominicanos para evangelizar a América. Aliás a vida monástica na Espanha estava em fase de reforma. Por isso a Coroa não pediu aos monges para se juntarem ao novo movimento de evangelização. Só as monjas dessas Ordens foram convidadas a ajudar na intenção dessas missões, com sua oração e seu modo de vida. Na história do Peru, contudo, diz-se que houve um pequeno grupo de monges que veio da Espanha. De fato, os Jeronimitas e os monges de Monserrate estabeleceram-se no país, mas como uma simples presença, sem nenhum desenvolvimento.

Houve também, e é admirável, um mosteiro cisterciense fundado no século 16 em Lima, por uma mãe e sua filha, Lucrécia de Sanzoles e Mencia de Vargas: o mosteiro da Santíssima Trindade. Com aprovação do Papa, a fundação foi erigida por São Turíbio de Mongrovejo, então arcebispo de Lima. O mosteiro existiu desde o século 16 até aos anos 1960, quando foi supresso. As monjas cistercienses de Huelgas (Espanha) vieram em 1992 para refundar o mosteiro na periferia de Lima, em Lurín, onde retomaram a história desse mosteiro. Elas voltaram para Espanha em 2017, por falta de vocações, e pediram-nos para assumir o lugar onde estão enterradas as fundadoras e monjas cistercienses, que morreram. É lá que nós vivemos, continuando a história e a tradição, e sobretudo a oração de uma comunidade monástica na Igreja do Peru. Os fatos históricos manifestam, seguramente, que Deus trabalha segundo perspectivas inesperadas.

Menciono estes fatos históricos porque depois de quatro projetos abortados, vindos de regiões e de congregações beneditinas diferentes, nós sobrevivemos pela graça de Deus. Somos a primeira comunidade beneditina no Peru, vivendo a vida monástica com, unicamente monges peruanos. O monaquismo masculino é quase desconhecido no Peru. Mas o Senhor inspirou homens a viverem um estilo de vida, que existe desde os primeiros séculos da Igreja no seio de uma rica tradição.

Pessoalmente não conhecia muita coisa da vida monástica, por não existirem muitas informações sobre o assunto na Igreja do Peru. As primeiras Ordens estabelecidas no país eram mais conhecidas. No entanto, o Senhor chama homens e mulheres para o procurarem na perspectiva dinâmica de uma vida de oração e de trabalho, com o Ofício Divino, a lectio e o estudo, o acolhimento e o acompanhamento espiritual, no interior do claustro e para a Igreja e o mundo inteiros.

Entrei no mosteiro quando tinha 20 anos. Encontrei uma pequena comunidade fundada em 1981 (2 anos antes de eu nascer) pela abadia de Belmont na Inglaterra. Fui convidado a visitá-lo, sem saber a imensa alegria que ia produzir em mim aquela hora de oração em que iria participar: as Completas. Fui cativado e tocado no mais profundo do meu ser. Algo de estranho e de novo aconteceu. Experimentei o conhecimento do que era a vida monástica. Rezar os salmos foi, concretamente, para mim um encontro com Deus, na minha própria vida de fé.

Mosteiro de Lurín.
Mosteiro de Lurín.

Não conhecia nada da cultura monástica. Progressivamente aprendi mais sobre sua história, o sentido, a riqueza e o objetivo desse tipo de vida. Foi um encontro com Deus por meio de um caminho bem misterioso. O Senhor me fez fazer a experiência do seu chamado e da minha resposta no contexto da vida monástica.

Como já disse, não havia verdadeiramente história monástica nos países de língua espanhola na América do Sul. Diferentemente do Brasil, de língua portuguesa, os outros países da América do Sul só receberam as primeiras fundações monásticas no final do século 19. É interessante notar que se o monaquismo é o ponto de partida da vida religiosa na Igreja, na vida religiosa do continente latino-americano, é uma realidade totalmente nova.

Minha comunidade e eu mesmo no Peru fizemos a experiência da presença de Deus à medida que nos desenvolvemos na terra deserta deste país. A comunidade tem, agora, sete monges de votos solenes, há dois noviços e um certo número que se prepara para entrar.

O Senhor me chamou para viver a vida monástica num tempo e num espaço determinado. Convidou-me, assim como a meus irmãos, a seguir o Cristo segundo a Regra de São Bento. É assim que a vida monástica se estabeleceu no nosso país, para que em tudo seja Deus glorificado.

Tornar-me eu mesma no mosteiro

4

Testemunhos

Irmã Maria Terezinha Bezerra dos Santos, OSB

Mosteiro do Encontro (Brasil)

 

Tornar-me eu mesma no mosteiro

 

Pediram-me para dar um testemunho sobre minha experiência monástica, porém, acho que mais que um testemunho, gostaria de partilhar o quanto a vida consagrada monástica me ajuda em minha caminhada humana, cristã e espiritual.

Sou monja beneditina do Mosteiro do Encontro, localizado em Mandirituba, Paraná, nasci em Palmeira dos Índios, Alagoas. Estou na vida monástica há 15 anos, sou professa solene há 9 anos.

Sabemos que a vida cristã é determinada por verbos de movimento, mesmo quando é vivida na dimensão monástica e contemplativaclaustral, é uma contínua busca[1]. Bem sabemos que para São Bento a procura de Deus é o primeiro critério para se receber alguém que deseja entrar no Mosteiro[2]. Procurar a Deus no Ofício Divino: temos aí nosso primeiro serviço e, a partir dele, toda a nossa vida no mosteiro é organizada. Aprendi com esta organização, que meu trabalho não seria “visto”, nem apreciado pelas pessoas, não iria receber elogios e reconhecimento pelo que viria a fazer. No começo, devo reconhecer que não foi fácil aceitar isso, mas depois percebi que meu, nosso serviço, no Mosteiro do Encontro, não é um trabalho para ser reconhecido, mas recebido. Sei que nossa vida entregue à oração, por toda Igreja e por todo o mundo, dá frutos. A diferença é que estes frutos é o próprio Senhor quem os colhe!

Devo ser sincera em afirmar que nunca pensei em ser religiosa, menos ainda em ser monja! Mas Deus foi conduzindo a minha vida de tal modo que foi impossível dizer não ao seu chamado. Eu não conhecia a vida monástica, mas tinha um amigo que era monge beneditino, fui ao seu Mosteiro, em Santa Rosa, Rio Grande do Sul, fazer um retiro de preparação para entrar em uma congregação de vida apostólica. Quando participei das vésperas pela primeira vez com os monges, não sei explicar o que aconteceu, só sei que ali tive a certeza que Deus tinha me chamado para esta vida. Voltei decidida a entrar em um mosteiro, mas não sabia onde. Este mesmo amigo me indicou alguns mosteiros, entre eles o Mosteiro do Encontro.

Quando cheguei ao Mosteiro do Encontro meu primeiro desejo foi ir embora, achei que não era o meu lugar, mas fiquei o tempo que tinha me proposto a ficar e no final da estadia, (uma semana), pedi para fazer um tempo de experiência de 3 meses. Desde então passaram-se 15 anos. Meu sim passou e continua a passar por muitas purificações. Graças a Deus! Quando cheguei ao Mosteiro, pensava que entrando na vida religiosa a santidade era “automática”, eu era muito fechada em mim mesma, achava que o mosteiro me daria a oportunidade de ficar em meu lugar, tranquila, devo reconhecer que não foi fácil aceitar que a vida monástica não é só rezar e viver em meu próprio mundo. Pouco a pouco, entendi que a vida monástica é justamente um contínuo sair de mim mesma, e ir ao encontro do outro, seja na oração, na comunidade ou na acolhida dos que chegam ao Mosteiro.

O Mosteiro do Encontro tem um nome sugestivo, levando em consideração o que nosso Papa Francisco vem a todo o momento pregando sobre a cultura do encontro. Posso afirmar que fiz esta experiência do Encontro, de várias maneiras, mas vou limitar-me a três áreas onde pude viver e vivo continuamente este mistério do Encontro.

Meu primeiro encontro foi comigo mesma. Quando cheguei ao Mosteiro me deparei com uma irmã Maria Terezinha, que nunca havia percebido antes, não que ela não existisse, mas eu dava um jeito de deixá-la de lado, escondida nas aparências. Sempre vivi meus sentimentos e relações de maneira o mais superficial possível, tinha medo de tocar minhas fragilidades e que as pessoas conhecessem uma Terezinha com sentimentos muitas vezes reprovados. Não me permitia tocar minha raiva, ciúmes, medo, evitava olhar para uma Terezinha com limites ou simplesmente humana; em verdade, encontrei-me com minha humanidade. Este encontro foi indispensável para que eu pudesse começar a fazer um caminho de autoaceitação e reconciliação com minha própria história de salvação!

No Mosteiro fiz a experiência de sentir-me amada na situação em que me encontrava, não precisava mostrar ser uma pessoa que não era, podia ser eu mesma como sou, com qualidades e limites e isto me deu e dá coragem para continuar o caminho de conversão. Experimentei a paciência de minhas irmãs, que mesmo no silêncio diziam que acreditavam em mim. Aí se deu o meu segundo Encontro, com minha comunidade. Esta experiência de aceitação e acolhida por parte de minha comunidade me fez perceber o quanto eu precisava de pessoas que me confrontassem, que me ajudassem a sair de meu comodismo. Na vida comunitária descobri e pude desenvolver dons que nunca imaginei ter.

Minha experiência na vida comunitária foi como se eu tivesse a oportunidade de “renascer”. Sinto que cada dia, no “útero” de minha comunidade, o Senhor me recria, me ensina a recomeçar, cura minhas feridas, demonstra seu amor, por meio de pessoas que nunca imaginei encontrar na minha vida. Claro que constantemente tenho que aprender a relacionar-me com pessoas diferentes de mim, que nem sempre estão de acordo com minhas ideias, nem eu com as delas, mas tenho que aprender a respeitá-las como são, não é um caminho fácil, mas este processo tem me ensinado a buscar o verdadeiro sentido de estar e permanecer no Mosteiro. Com a vida comunitária aprendo sempre mais que não posso caminhar sozinha, que preciso de relações verdadeiras para viver minha consagração como Deus me pede.

Vitral do Encontro, capela do mosteiro.
Vitral do Encontro, capela do mosteiro.

Só quando entendi que não podia viver minha consagração em meu próprio mundo de reservas, que tinha que caminhar com minhas irmãs, muitas vezes morrendo à minha própria vontade, pude entender o que é ser consagrada pelo Reino, para construir o Reino de Deus já aqui e agora vivendo e servindo em comunidade a caminho, mas com desejo verdadeiro de responder e ser fiel ao seguimento do único Senhor.

A terceira experiência de Encontro foi com as pessoas que chegam ao Mosteiro. Sabemos que para São Bento todos os que chegam ao Mosteiro devem ser acolhidos como o próprio Cristo[3]. Na prática e na vivência do cotidiano, esta acolhida não é tão simples assim. No começo não entedia por quê tinha que dar atenção para todos os que chegavam ao mosteiro, às vezes, humanamente falando, em horas inconvenientes... Muitas vezes não entendia porque deixamos os trabalhos, ou mesmo a oração, para ir ao encontro das pessoas que chegam até nós. Mas aos poucos fui me dando conta que as pessoas que chegam ao Mosteiro buscam a paz, querem ser acolhidas e escutadas, querem sentir-se amadas, valorizadas como pessoas. Muitas pessoas que chegam a nós têm tudo o que mundo e o dinheiro podem oferecer, mas não encontram o essencial. Então entendi que as pessoas buscam Aquele que é o único capaz de saciar esta busca e preencher o vazio, que nada nem ninguém poderia preencher. Elas procuram a Deus, e o modo como acolho estas pessoas pode proporcionar lhes este encontro. Hoje posso afirmar que cada vez que acolho uma pessoa, neste encontro, posso ser instrumento de Deus para esta pessoa, mas estas pessoas são sempre mais instrumentos de Deus em minha vida. Isto me faz perceber o quanto Ele pode realizar por nós, e em nós, utilizando-se de nossos irmãos e irmãs, que se tornam verdadeiramente manifestação de sua graça e presença em nossas vidas!

Não poderia terminar esta partilha, sem expressar minha gratidão à toda equipe da AIM, que desde o inicio de minha vida monástica esteve presente com sua ajuda para minha formação monástica, seja no período da formação inicial com a escola de formadores que também me proporcionou continuar meu encontro comigo mesma e minha humanidade, seja na continuação em minha formação permanente -, agora estou terminando o curso de formação monástica dos cistercienses em Roma. Sei que o Senhor age em nós com sua graça, mas bem sabemos que também nós precisamos abrir-nos ao que Ele tem a nos oferecer! Ficam aqui os meus sinceros agradecimentos a nossos irmãos e irmãs da AIM que não medem esforços para nos ajudar em nossa formação, proporcionando-nos ferramentas para vivermos de modo mais coerente nossa vida monástica! Que o Senhor nos sustente a cada dia em nosso sim, e com Ele sigamos com nosso desejo de em tudo glorificá-lo! Assim Seja!


[1] Ano da vida consagrada, Alegrai-vos: Carta circular aos consagrados e às consagradas do magistério do Papa Francisco, São Paulo, Ed. Paulinas, p. 23.

[2] Regra de São Bento 58,7.

[3] Regra de São Bento 53,1.

Uma experiência de liberdade interior para a união com Deus

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Testemunhos

Irmão Edmond Amos Zongo, OSB

Mosteiro de Koubri (Burkina Faso)

 

Uma experiência de liberdade interior

Para a união com Deus

 

Com estas linhas gostaria de tentar dizer o que representa a vida religiosa na Igreja, e por isso, o que a vida monástica representa para mim.

Em nossos dias, a vida monástica parece, aos olhos de muitos jovens cristãos, um tipo de vida religiosa de uma época passada, pois para eles o monge não faz apostolado direto, etc. Não tentarei justificar-me, pois para mim a vida monástica tem sua fonte no Evangelho. Palavra viva, atual, que lhe dá sua utilidade. É fácil apreciar positiva ou negativamente a vida monástica do exterior, mas falar de uma experiência única é, ao mesmo tempo mais difícil e mais útil. Sou jovem e quase sem experiência para falar do que vivo. Só os verdadeiros monges, quero dizer, aqueles que já viveram pelo menos uns trinta anos de vida religiosa poderiam fazê-lo. Mas mesmo assim, direi o que sinto.

Chamo-me irmão Edmond Amos Zongo. Senti o chamado à vida religiosa como muitos outros, quando era muito jovem; falei com o padre encarregado das vocações na minha paróquia. Ele orientou-me para o seminário menor para ser padre diocesano. Mas eu disse-lhe que sentia, em mim, o chamado para uma vida mais contemplativa do que ativa; no entanto, como não conhecia nenhum mosteiro na Africa, isso me parecia difícil. Ele disse-me que existia um mosteiro beneditino na arquidiocese de Ouagadougou, e encarregou-se de dar os passos necessários em meu lugar. Deus seja louvado!

O primeiro contato com o mosteiro foi em 1995. Depois de diversos tempos de experiência, entrei em outubro de 1997. No final do noviciado, fiz a profissão temporária em 18 de outubro de 2001 e a solene em 10 de fevereiro de 2007.

A vida monástica é uma forma de vida religiosa, com o compromisso  de seguir os conselhos evangélicos que a história resume nos três votos de pobreza, castidade e obediência. Para os monges que seguem a regra de São Bento há o voto de obediência, o de estabilidade e o de conversão de sua vida, que engloba a pobreza, a castidade e as outras dimensões da vida religiosa. O monaquismo é a forma mais antiga da vida religiosa cristã. Sua particularidade, para mim, está no fato de estar centrada mais na oração do que no trabalho. A nossa Ordem tem como lema “Ora et Labora”. Ora está na frente. A tradição  colocou-a em primeiro lugar, pois São Bento não queria que o trabalho dominasse a oração: a tendência natural do homem é pôr o trabalho em primeiro lugar. Um provérbio dos comerciantes diz que “o cliente passa, mas Deus é estável” Assim o trabalho passa, mas tu podes sempre rezar na hora que quiseres. São Paulo dá um puxão de orelhas nos cristãos, com este mesmo lema “Quem não quer trabalhar, também não coma” (2 Ts 3,10). Pois Deus colocou o homem na terra para este continuar a sua obra: “viverás do suor do teu rosto” (Gn 3,17-19). Apesar de tudo, é uma glória de São Bento ter reabilitado o amor ao trabalho, “ a ociosidade é inimiga da alma” (RB 48). Nos votos monásticos cada um tem um papel complementar em relação ao outro, no entanto o monge deve rezar em todas as circunstâncias, inclusive, pondo em prática a obrigação do trabalho.

A pobreza: em primeiro lugar devemos fazer uma diferença clara entre a pobreza de que fala Jesus, e uma certa pobreza que é sinónimo de miséria. Na miséria não se pode procurar a Deus. Há um provérbio  que o diz muito bem “Quem tem fome, é surdo a toda a palavra” (“Em casa onde não há pão, todos falam e ninguém tem razão”). A pobreza evangélica é uma pobreza escolhida livremente, para chegar ao objetivo proposto pelas bem aventuranças, “felizes os pobres, pois é deles o Reino dos Céus” Como discípulo de Jesus, escolhi esta forma de pobreza para ser livre de todos os apegos, para poder servir livremente. É somente na vida cristã e religiosa que a pobreza é vista como uma virtude. Nosso mundo tem horror desta palavra, pois cada um, jovem ou velho, quer ser livre, enquanto que a pobreza nos obriga a viver dependente de alguém.

A castidade igualmente ajuda os religiosos/as a consagrarem-se totalmente a serviço da Igreja para poder ser irmão ou irmã de todos, sem exceção de raça ou de etnia. Não tendo mulher, nem filhos, procuramos  amar toda pessoa, com o próprio amor de Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Sem o voto de castidade penso que me seria difícil, digo mesmo impossível, consagrar-me inteiramente  a serviço da Igreja universal. Mas sei que é o voto mais difícil e mais complicado. Atualmente uma das fraquezas da Igreja católica vem deste voto, que cria dificuldades aos homens e mulheres consagrados a serviço da Igreja. Para mim, só a vida comunitária pode me ajudar a viver plenamente este voto. É muito exigente e pode deixar-nos mal à vontade.

Daqui chego ao voto de obediência. São Bento fala da obediência  em três capítulos: RB 5; 68;71 (o cap. 72 é para mim um complemento do 71). A obediência para mim, que sou um Mossi (uma das etnias do Burkina) não é muito difícil, pois na nossa cultura o mais novo é obrigado a obedecer ao mais velho. Mas será essa a obediência de que fala São Bento? Diria que não. Pois São Bento fala de dois tipos de obediência. No capítulo 5 da RB é a obediência aos superiores, enquanto que no capítulo 71 trata-se de obediência mútua. É aqui que a obediência exige um discernimento: é difícil obedecer a um inferior. Para que se torne mais fácil, é preciso que o monge esteja verdadeiramente impregnado da vida monástica. Não obedece a um ser humano, mas a uma ordem vinda de Deus, transmitida por um próximo. Quem consegue chegar a tal grau de percepção, não tem mais dificuldade na obediência.

A estabilidade, voto próprio dos monges, liga o monge a um lugar fixo. Ali, onde o monge se engaja, essa comunidade, torna-se para ele uma nova família, mais que uma família adotiva, esta comunidade torna-se para ele como um bem privado. O voto de estabilidade nos ajuda e até nos obriga, a cultivar um clima de paz, pois desde agora estamos condenados a ver, todos os dias, as mesmas caras, quer dizer as mesmas pessoas. Com o voto de estabilidade descobrimo-nos a nós mesmos, e aos outros, completamente: podemos afirmar que  conhecemos tal irmão por ter vivido com ele 15 anos, quarenta ou mais, no mesmo mosteiro. A vida monástica é caraterística de tal fenômeno. A estabilidade é um valor a cultivar.

Por que é que os monges se retiram do mundo para viver à parte? Quanto mais uma alma se separa, se liberta, mais está apta a atingir seu Criador e disposta a acolher as graças de Deus. É Jesus quem nos mostra a importância de um lugar à parte, para um tempo de face a face com Deus. Quando Jesus se retirava, não era para descansar, mas para estar com aquele que ele chamava seu Pai. Os monges não inventaram a oração, nem o pôr-se à parte para poderem se unir a Deus. Cada vez que Jesus tinha uma coisa importante a fazer, ou a decidir, retirava-se para a montanha. Para mim, a altitude simboliza o deserto de que falam os antigos. Em toda a religião há oração: é o lugar, por excelência, de silêncio, que permite entrar em contato com Deus. Cada dia, o monge cultiva este clima de silêncio nele e à volta dele. É o amor pelo silêncio que leva o contemplativo a ter um tempo para parar, para se retirar no deserto. Este silêncio permite-lhe estar sozinho com o Só. Retirando-me do mundo tenho mais tempo para louvar a Deus, e ao mesmo tempo mais tempo para implorar a bondade de Deus para todos os homens.

O que gosto mais na vida monástica é a vida comunitária, a oração com sua dimensão de silêncio, e o trabalho. A vida é feita para ser partilhada. O monge cenobita é aquele que vive sem ser sozinho. Deus está com ele, e ele está ligado a uma comunidade. Na vida comunitária vivo com irmãos; ajudamo-nos mutuamente para tentar avançar para a perfeição, passo a passo, seguindo o ritmo de cada um, dia após dia. Esta verdadeira ajuda mútua, ou partilha, toca todos os campos: serviço prestado, encorajamento mútuo e, sobretudo, o amor que temos uns pelos outros. Na vida comunitária reencontro o tipo de família que deixei. É da oração que a comunidade tira a sua força para a vida fraterna. Uma comunidade que não reza, não pode ser, verdadeiramente, uma comunidade religiosa; é, no mínimo, uma associação em vista de um determinado objetivo.

É por meio do trabalho que a comunidade dos irmãos ganha a vida: pois nosso Pai São Bento deseja que “os irmãos vivam do trabalho de suas mãos” (RB 48,8). Para mim; a vida monástica é para a Igreja universal o que é o ar para o corpo humano. Sem uma vida totalmente consagrada à oração, para si e para os outros, o mundo estaria sob o domínio do mal. Sou feliz por ser monge, pois estou convencido da utilidade da vida monástica; mesmo que o meu ministério seja invisível, é importante e insubstituível. Mesmo que a Igreja deixe de ter escolas para a educação de crianças, cada país pode e deve assegurar essa responsabilidade, enquanto que para a oração não é assim. Mesmo em países de caráter religioso, o Estado não pode impor que todo o mundo reze.

A oração na vida monástica: na vida monástica damos a Deus nossa vida, nossa fé, todo o nosso ser. Ele torna-se nossa segurança, nossa força e, simplesmente, nossa fonte de vida. Posso ser traído por meu próximo, mas nunca o serei por Deus. Minha fé, minha confiança apoiam-se no Filho de Deus que morreu e ressuscitou para salvar o homem, a começar por mim mesmo. Que há de mais normal do que fazer todo o possível para lhe mostrar meu reconhecimento. Deus é misericordioso. Esta misericórdia sente-se fortemente na vida monástica, pois cada dia conto com Ele. Ouso dizer que a originalidade da nossa vida consiste em mostrar que o amor de Deus (ágape) se concretiza, ou melhor, deve se concretizar, quando nos amamos como Deus quer. Sobretudo quando canto o salmo 132 (Como é bom, como é suave os irmãos viverem juntos, unidos), vivo a alegria do ideal monástico que é tão difícil de alcançar. É na oração que encontro Deus, que posso falar com ele, como com meu Mestre e meu Salvador. Fui criado para viver na presença contínua de Deus, é isso que significa ser religioso. O religioso é um homem ligado ao Ser supremo. Ele quer que o descubramos sempre mais. Nesta forma de vida religiosa como é que se pode entrar em contato com Deus senão pela oração? Na minha oração de cada dia, não cesso de pensar em todos aqueles que põem sua confiança em Deus, e imploro a misericórdia dele para todos os que precisam de alguma oração. A vida monástica devia nos fazer tender, todos os dias, para a perfeição: conhecer o Senhor, amá-lo, é minha maior felicidade.

Agora quero tocar num outro ponto da oração própria aos monges: a lectio divina. É necessário precisar bem o que significa este termo: lectio divina, pois pode designar também um estudo, ou a leitura de uma obra espiritual. De fato, seu sentido verdadeiro é sobre uma leitura da Sagrada Escritura. Outras tradições religiosas conhecem a meditação. A lectio é uma leitura que leva à meditação. Só se digere depois de comer. A meditação é quando se tem alguma coisa na memória. A lectio abre-se para a meditação, que se transforma em oração ou contemplação. A meditação das Escrituras equivale ao mastigar o alimento. Esta ruminação do texto consiste em ler a  Escritura, deixando-se transformar por ela. Desta iluminação do texto brota o sentido espiritual. É o Cristo que dá esta iluminação. Portanto, todo monge deve ser um especialista da leitura, pois cada dia faz a lectio. Com a lectio, diria que a leitura é uma arte que se deve aprender. Não é porque sou capaz de juntar as letras do alfabeto, que sei ler. Na lectio lê-se sabendo o que se quer aproveitar.

Desde que estou na vida monástica, embora cada dia tenha os seus problemas e suas dificuldades, sinto-me muito à vontade. O provérbio diz que não há um país ideal, mas que é preciso saber viver e integrar-se bem. Quando entrei nesta vida tinha um projeto que continuo a desejar: a perfeição. Viver sem objetivo leva ao desânimo. No dia do desânimo, se tens um objetivo, podes ultrapassar esse desânimo.

Queridos irmãos e irmãs leitores, para concluir este trabalho peço vossa clemência, pois isto é fruto da experiência de um jovem monge e não de uma pessoa experimentada. Sei que alguns acharão esta experiência edificante, outros pensarão o contrário. O que é que um noviço pode trazer a pessoas que devoraram os escritos dos grandes espirituais, como São Bento, Santo Anselmo, São Domingos ou outros? Obrigado àqueles que se interessaram por esta leitura.

A fragilidade e a força de uma comunidade monástica

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Testemunhos

Irmão Nicodemos Ohanebo, OSB

Monge de Ewu-Ishan (Nigéria)

 

A fragilidade e a força

de uma comunidade monástica

 

Numa de suas belas páginas do livro “Cartas do Deserto”, Carlos Caretto escrevia: “Deus constrói sua Igreja com pedras tão frágeis como nós”. É exatamente o que se passou e continua a acontecer no meu mosteiro. A solidez de tal ou tal casa de Deus, desta ou daquela parte do Corpo de Cristo, não vem da força das virtudes, ou da fraqueza dos pecados deste ou daquele dos seus membros, mas do amor de Deus, que para revelar sua divina vontade, cria tal comunidade, ou estabelece um laço entre tal corpo e o grande Corpo de Cristo. Quer dizer, não são as pedras frágeis que consolidam a Igreja, mas o amor de Deus, no coração das próprias pedras.

Para apresentar minha comunidade, como exige a boa educação, diria que o Mosteiro São Bento, chamado “Mosteiro Ewu”, porque está situado sobre uma colina da aldeia Ewu-Esan, é uma comunidade monástica masculina, que vive a vida cenobítica segundo a regra de São Bento de Núrsia (480-547) e faz parte da Congregação Beneditina Católica Romana da Anunciação. Nossas atividades diárias vão da oração ao trabalho, do trabalho ao serviço aos outros e do serviço à partilha essencial da vida comunitária. Mas com que é que se parece a vida no mosteiro de Ewu?

Sem cansar muito a cabeça, e fazer grandes reflexões sobre o que é essa vida, confesso que esta comunidade é um grupo de homens decididos, onde se encontram todas as expressões mais espontâneas e mais normais (às vezes mesmo até mais anormais) da nossa humanidade, sem a mínima moderação. Vivendo concretamente esta vida de homens, tomamos consciência que a conversão e a ascese dos monges têm sentido a cada instante, que os homens devem escutar a palavra de Deus e prestar atenção a ela. Assim como se vê crescer toda espécie de plantas em qualquer canto do mosteiro, vê-se, entre os monges de Ewu, cada um segundo sua graça particular, todo o tipo de flores bem humanas da nossa humanidade. Tentar compreender os irmãos de Ewu, é, às vezes, como escrever versos de um poema muito simples, conforme a inspiração do momento, à medida que os acontecimentos da vida cotidiana se sucedem, pois só se consegue isso vivendo a vida normal, natural, bem real. Os irmãos são, ao mesmo tempo, espontâneos e capazes de refletir em diversos níveis. Nossa comunidade é um contínuo brotar de vida, uma invenção a cada instante.

Os monges da abadia de Ewu-Ishan.
Os monges da abadia de Ewu-Ishan.

Para mim a vida em Ewu é uma expressão viva da vida cristã, ao mesmo tempo comum, e fora do comum, numa boa mistura de experiências e de expressões da nossa humanidade. A vida que se vive aqui é praticamente uma descoberta e uma redescoberta de si mesmo, para além do visível. Em Ewu, levando muito a sério a oração, o trabalho e estudos diversos, estamos também atentos à originalidade de cada irmão, como pessoa, pessoa que deve ser salva, esta pessoa com suas imperfeições, e esta pessoa que sabe muito bem como ser ela mesma, como ser eumesmo.

Um exemplo: na ausência de um irmão ancião, um noviço tomou lugar na mesa perto do Prior. Depois da refeição um outro irmão perguntou-lhe o que ele tinha sentido, por estar sentado tão perto do prior. Ele respondeu com voz forte: “tive a impressão de quase ser vice-prior”, e todos riram. Se um noviço tivesse dito isso numa outra comunidade, os risos talvez se teriam transformado numa ordem para ir embora, por ter mostrado sua falta de humildade e falta de vocação. Mas é o tipo de coisas que acontecem em Ewu. Isto não quer dizer que se aceitam todos os excessos e extremos, mas mostra que a nossa comunidade não é perfeita, e que os irmãos procuram fazer vibrar, sob o dedo de Deus, a corda que tocará o mais belo canto místico, que ressoa no coração da vida mais simples e mais comum.

Em Ewu, disputas, reconciliações, incompreensões e brigas acabam por harmonizar-se numa visão comum, que faz as diferenças desaparecerem; cometem-se erros, e se alguns são corrigidos, outros permanecem visíveis, como uma cicatriz no rosto da comunidade, um rosto, ou melhor como um espelho aonde uma pessoa se olha e vê os efeitos de uma má escolha feita, mesmo como comunidade. Quando olho a vida que se leva em Ewu, através dos olhos de minhas fraquezas, vejo cada irmão com alguns limites (até mesmo com todos os seus limites) e que, no entanto, é um santo em potencial, ou mesmo já um santo. Nosso modo de viver me faz pensar que precisaríamos de ajuda, e ao mesmo tempo que poderíamos ajudar outros, quer seja no plano espiritual, material ou psicológico e até médico, emocional, ou mesmo sexual, no domínio do desconhecido, do concreto e até do místico.

Quando alguém se contenta em ser menos do que deveria, torna-se menos capaz de mudar na verdade, e em profundidade. E é porque em Ewu somos imperfeitos, que devemos antes de mais nada, segundo meu sentido espiritual, tocar com o dedo as nossas imperfeições, reconhecer nossas zonas de sombra, dar-lhe um nome, e pô-las na luz, oferecendo-as a Deus no tipo de vida que levamos. Procuramos Deus, o Pai de Jesus, é evidente. O que significa que se procuramos uma comunidade de monges perfeitos, é melhor não entrar em Ewu, mas apesar de tudo, você corre o risco de descobrir aí santos.

Por fim, não digo isto porque sou membro da comunidade, mas porque constato o seguinte: os irmãos de Ewu estão a caminho do centro, ou seja do coração, o centro de uma vida verdadeiramente vivida em Deus. Alguns passam ainda certas crises, como é normal em todo grupo humano, mas se continuarem a viver sua vida diária e sua experiência, com toda a simplicidade e espontaneidade consciente, farão vibrar a corda da nota que Deus, o Absoluto, está cantando, e o que eles são fará ressoar perfeitamente uma harmonia com o que é o grande Corpo de Cristo. Nós rezamos para atingir esse cume, para que o Cristo seja glorificado em tudo e que “possa nos levar todos juntos para a vida eterna” (RB 72,12).

Na África do Sul os desafios e as alegrias da vida monástica

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Testemunhos

Irmã Antoinette Ndubane, OSB

Comunidade de Elukwatini (África do Sul)

 

Na África do Sul os desafios e as alegrias da vida monástica

 

Introdução

O assunto deste título “A vida monástica na África do Sul” levanta diversos questionamentos:

– A realidade da vida monástica na África do Sul,

– O que atrai para querer ser religioso, ou monge, na África do Sul,

– Os desafios e as alegrias da vida monástica neste país.


A realidade da vida monástica na África do Sul

Quando me tornei beneditina em 2002, não sabia que estava abraçando a vida monástica, pensava que entrava, simplesmente, numa congregação religiosa, igual a outras que eu conhecia. Levei tempo para compreender a diferença que existe entre as ordens apostólicas e as monásticas. Se a confusão existe ainda hoje, é talvez porque falta uma identidade clara das congregações.

Pouco a pouco compreendi que viver num mosteiro não consistia em viver simplesmente entre os muros de um edifício religioso. Mas que isso significava uma pertença do ser todo a este mosteiro, a esta comunidade. O mosteiro para mim é como uma universidade, ou uma escola, onde os estudos são sobre a vida, tal como ela é; pode-se aprender o que se quiser: por exemplo deixar-se invadir pelo que é negativo, ou mais positivamente estudar o que é bom, ou mesmo, fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Como é que isso é possível? Às vezes escuto as pessoas dizerem: “No começo não sabia como responder de maneira inconveniente a um confronto, agora sei ”. É possível aprender coisas más; e no entanto há milhares de coisas boas a cultivar: trabalho manual, oração, modo de viver, de se tornar um cristão melhor e mais sério, e tantas outras coisas… Um mosteiro é uma casa de oração, onde vivem pessoas consagradas. É também como uma casa onde Deus mora, o que permite que os mosteiros andem bem. Segundo o que pude ver até agora, um mosteiro é uma casa, ou uma fonte onde se vai beber, para dar aos que não partilham a vida ordinária. Por exemplo: há um tempo para rezar e para meditar: pode-se assim saber o que oferecer àqueles que procuram a Deus e suas graças. É por isso que o silêncio é tão importante na vida monástica; é quando o silêncio me habita, que escuto a voz de Deus.

 

A vida monástica é uma realidade na África do Sul?

Nesta parte do mundo será que se sabe o que é a vida monástica? Sim e não. É uma realidade, há mosteiros na África do Sul e pessoas que aí vivem, mas não se pode ignorar que não são numerosos, e que há poucos monges indígenas, sul-africanos.

Há outra pergunta: os que vivem nos mosteiros sabem o que são? Sim, ou não? Pode acontecer que mesmo os que vivem num mosteiro, por causa de sua idade e muito tempo na vida religiosa, não compreendam bem o sentido de sua vocação. As exigências do mundo exterior fazem a pessoa se perguntar se a vida monástica é uma realidade viva, ou não, nesta parte da África.

As dificuldades da vida atual levam também a fazer a pergunta: hoje, em 2019, é possível viver uma vida monástica na sua verdade total? E como, concretamente? É uma pergunta que a pessoa pode fazer a si mesma, durante toda a sua vida, e isso pode favorecer a vitalidade da vocação, permitir vivê-la melhor, em relação ao que ela tem de próprio. Seja como for, a vida monástica é ao mesmo tempo estrangeira e local; dá a impressão de ter chegado de barco: as pessoas que estavam nele, trouxeram-na, e embora se espere muito dela, continua a parecer estrangeira, estranha, aos olhos da Igreja, e do povo da região. E no entanto vários aspectos da vida monástica parecem corresponder ao modo de viver dos locais: por exemplo o respeito, a hospitalidade e outros aspectos.

 

Como ser monge, ou religioso, na África do Sul?

Penso que é normal sentir, às vezes, o que falta em relação aos membros estrangeiros da comunidade; mas esse tipo de pensamento não dura muito tempo, sobretudo quando se tem o sentimento de pertencer a uma família monástica maior. Este sentimento é muito encorajado pela existência de uma estrutura que reúne os superiores (as), os formadores e os jovens em formação na nossa região da África do Sul. Esta estrutura chama-se BECOSA (Benedictine Communities of South Africa, Comunidades Beneditinas da África do Sul).

Um dos aspectos mais essenciais da vida monástica, ou da vida religiosa em geral, é a formação: formação inicial e formação contínua. Nesta parte sul da África, os beneditinos não negligenciam esta questão da formação, quando se reúnem nos encontros da BECOSA; é uma grande ajuda para a vida dos monges e das religiosas que vivem nesta região. Em cada encontro, ou quase, os participantes abordam um assunto específico da formação inicial e contínua dos membros das comunidades. Isto nos ajuda a aprofundar o nosso conhecimento do que somos e do modo como somos chamados a viver nossa vida monástica. As reuniões anuais da BECOSA e os grupos de estudo que aí organizamos, são importantes para a nossa vida, especialmente no que diz respeito à formação e ao sentimento de pertença a uma grande família. BECOSA é fonte de ajuda, ao mesmo tempo individual e coletiva. Cada vez que se participa numa reunião, ou num grupo de trabalho, a pessoa sente-se alimentada. Temos sempre um desejo ardente de ter mais encontros, especialmente aqueles que sentem a necessidade de mais alimento, como os formadores, e também os que estão em formação inicial.

Mosteiro de Elukwatini.
Mosteiro de Elukwatini.

Dificuldades e alegrias

A vida monástica é verdadeiramente uma vida que dá vida. Trouxe-me tudo o que eu desejava para desenvolver uma vida cristã mais bela. Como jovem sul-africana, vivendo a vida beneditina, acho isso estimulante em dois sentidos: negativo e positivo. A maior parte das pessoas de minha idade têm responsabilidades em diversos domínios: família, propriedades, profissão etc. Parecem possuir coisas de valor. Da minha parte, parece que não tenho nada, mas será verdade? O desapego põe em relação com outro tipo de tesouro, um tesouro que não passa. Sinto-me verdadeiramente chamada a uma vida feliz. Isso faz bem.

No que diz respeito à família, por vezes espera-se que os filhos, uma vez adultos, possam ajudar os outros membros de uma ou outra forma. No meu caso, não sou talvez capaz de ajudar de forma visível os membros de minha família, mas posso pela intercessão. Viver esta convicção, não acontece de um momento para o outro. No entanto, acho que os ajudo ainda mais, quando os coloco diante de Jesus Cristo, que é tudo para mim. Não rezo somente por minha família, mas por meus amigos e por todos aqueles que precisam de minha atenção.

A comunicação por meio dos meios de comunicação pode ser outro desafio, especialmente hoje em dia. Quase todos os jovens da África do Sul tem um smartphone. É preciso muita autodisciplina quando se trata dos meios de comunicação social. Não posso negar que existem, que nós os utilizamos, mas saber utilizá-los com equilíbrio, não é fácil. É muito importante que, cada vez que pego no celular, me pergunte se é verdadeiramente necessário. É para o bem de minha vida religiosa? Vai-me ajudar, ou vai-me destruir? Onde tenho de pôr um limite? Quando entrei na vida religiosa, há 17 anos, se queríamos mandar uma carta, a superiora devia lê-la antes de a enviar; e era a mesma coisa quando recebíamos uma. Hoje a maior parte de nós usa email, ou WhatsApp: Quem está lá para controlar? Ninguém, a não ser eu e minha consciência.

Há ainda outra coisa que toca a vida religiosa, ou a vida monástica. Cada um tem o sentimento de ter mais, ou menos grandes oportunidades na vida. Isto pode tocar os estudos, as descobertas, a liberdade etc. Vendo de longe, pode-se pensar que as pessoas que vivem nos mosteiros correm menos riscos que as outras. E, no entanto, olhando mais de perto, são justamente elas, que em função da missão, ou do seu campo de ação, que podem ser mais tocadas por essas facilidades que se apresentam a elas. É verdadeiramente necessário promover a vigilância, essa virtude tão inerente à vida monástica.

 

O silêncio

O silêncio é um dos elementos essenciais da vida monástica. No entanto, ainda que seja importante, não é fácil guardar o silêncio. Quando alguém não fala, isso não significa que a pessoa esteja em silêncio: pode significar que embora não diga uma palavra nesse momento, no interior esteja habitado por preocupações barulhentas, que podem perturbar. Um mosteiro pode criar uma atmosfera de calma que deve permitir àqueles que aí moram, ou aos que o visitam, poder encontrar a Deus. É, no entanto, necessário criar o seu próprio tipo de silêncio para estar pronto para escutar a Deus. Há uma quantidade imensa de coisas que podem perturbar o silêncio interior, mas cada um precisa considera-lo prioritário, para ouvir a voz de Deus. É difícil guardar o silêncio, mas é gratificante. É uma alegria falar com Deus. Vivemos num mundo barulhento, mas no mosteiro encontrei o silêncio de modo habitual, embora possamos nos distrair com a realidade dos barulhos exteriores.

Há outros elementos estruturantes na nossa vida monástica: a oração comunitária que fazemos várias vezes por dia, a eucaristia diária, a lectio divina, a vida comunitária, os retiros anuais, a direção espiritual etc., são algumas das atividades que nos sustentam. Mesmo se a vida monástica seja, às vezes difícil, dei-me conta de que se levarmos a sério as perspectivas que oferece, ela é possível. Muitas vezes pensei – e ainda penso – que o Cristo está entre nós, embora certas circunstâncias nos impeçam de o reconhecer e de acreditar. É preciso verdadeiramente, considerar que a presença de Deus e seu chamado são bem reais. Isto me tem ajudado na vida de cada dia, até hoje. A verdadeira alegria e a consolação vêm do Senhor.

 

Conclusão

Que uma jovem sul-africana do século 21 possa viver num mosteiro, isto certamente questiona: e, no entanto, é a consequência de um chamado de Deus, não destinado a todos, mas àqueles que foram escolhidos para o viver. Esta vida preciosa é como um tesouro vindo do alto por amor. Não ignoro que Deus chama para onde a pessoa vai melhor procurá-lo e servi-lo; mas pode-se às vezes constatar que se num côro, nem todos são dotados para cantar, algumas vozes sustentam as outras; pode-se pensar isso, constatando que a vida comum permite uma tal harmonia, mesmo sentindo que às vezes é difícil. Pois se um mosteiro é uma escola, todos os tipos de estudantes podem aí entrar. Que tipo de estudante sou eu? Como me comporto com os outros alunos da escola? Isto é, para mim, um assunto a meditar hoje.

Primeiros passos na vida monástica

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Testemunhos

Irmã Rosa Ciin, OSB

Comunidade de Shanti Nilayam (Índia)

 

Primeiros passos na vida monástica

 

Antes de mais nada, gostaria de dizer que escutei a voz do Senhor quando estava bem feliz com meus amigos e bem engajada nas coisas do mundo. Um dia, quando ia para a igreja da paróquia, vi um um folder no caminho, peguei-o e li. Falava de um mosteiro de beneditinas e , logo, gostei do que falava o papel e quis entrar no mosteiro.

Comecei por refletir sobre o sentido real da vida. Senti que esse acontecimento era um sinal vindo de Deus. Decidi seguir o Senhor no caminho monástico, e senti o desejo de estar mais próxima de Deus. No mundo tinha muitas distrações que me afastavam do Senhor. Finalmente entrei no mosteiro, embora meus pais não tivessem ficado muito satisfeitos. Mas devo reconhecer que não foi fácil deixar meus pais, meus irmãos e minhas irmãs e meus amigos.

No mosteiro logo me senti em casa. As irmãs foram muito acolhedoras e fizeram tudo para que eu me sentisse à vontade. O mosteiro parece a primeira comunidade cristã onde os membros partilham todas as coisas, vivendo unidos, apesar das línguas e das culturas diferentes. Meu coração estava cheio de alegria; encontrei um bom espírito de família na comunidade. Esta experiência fez-me esquecer os prazeres das redes sociais e do celular… O uso destes meios dá uma alegria passageira mas no mosteiro encontrei a verdadeira alegria, amando o Senhor e todas as irmãs da comunidade. Depois de ter feito a experiência calorosa da fraternidade, esqueci os prazeres do mundo. E agora posso apreciar o mundo e o que ele oferece, de um modo diferente: todas as coisas são boas, se forem usadas para o bem de todos.

No entanto, mesmo se o começo foi maravilhoso, chegou o momento em que encontrei dificuldades. A natureza humana tem, espontaneamente, desejo de prazeres e de facilidades, mas toda forma de vida tem suas dificuldades. Todavía na vida monástica experimento uma alegria interior profunda.

Exemplo: tudo é comum a todas e usamos o celular e internet etc só em caso de verdadeira necessidade; não é fácil adaptar-se a bases culturais diferentes, mas entrando na vida comunitária senti-me cheia de paz e alegre, apesar dos obstáculos. A atmosfera de silêncio e de calma no mosteiro ajuda-nos a escutar o grito do pobre e da pessoa que têm falta de tudo no mundo, e podemos ajudar com nossa oração e por tudo a que renunciamos.

A vida de comunidade ajuda-me a viver em harmonia com todos e a servir cada um. Isso me permite sair de mim mesma, sentir e partilhar com cada um seus problemas e suas dificuldades. Assim estou menos centrada em mim mesma e mais voltada para o outro.

Também estou muito à vontade com a Regra de São Bento, em particular pelo que diz a respeito da hospitalidade e do amor pelos pobres. Como jovem religiosa não tenho muito contato com o exterior, mas carrego o mundo todo na minha oração e na oferenda que faço de minha vida ao Senhor.

A comunhão no interior da comunidade e o amor fraterno são um sinal para o mundo: é possível viver e amar os outros apesar das diferenças. Gosto sempre mais da vida monástica à medida que os anos passam. São Bento diz no Prólogo de sua Regra:

“À medida que se avança na vida religiosa e na fé, o coração se dilata e corre-se no caminho dos mandamentos de Deus, com inefável doçura de amor”.

Com tudo isto aprendi, pouco a pouco, como a vida monástica é fácil e feliz se damos ao Senhor cada situação da nossa vida. Só é possível viver esta vida com a ajuda do Senhor e numa relação íntima com Ele. Seu jugo é fácil e seu fardo leve quando lhe entrego todas as minhas preocupações. As pessoas não entendem sempre a vida monástica, mas eu amo-a cada dia mais. Minha oração ardente é que muitos respondam ao chamado de Senhor e o sigam mais de perto na vida religiosa.


As monjas de Shanti Nilayam. © AIM.
As monjas de Shanti Nilayam. © AIM.

Contribuições do Mosteiro de Bafor para o desenvolvimento local

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Economia e vida monástica

Dr Katrin Langewiesche

Instituto de Etnologia e Estudos Africanos,

Universidade de Mainz (Alemanha)

 

Entre cooperação e conflito

Contribuições do Mosteiro de Bafor (Burkina Faso) para o desenvolvimento local

 

 

Resumo da tese de Master II em sociologia de Anne Nonna Dah, Universidade Católica de Bobo-Dioulasso, Burkina Faso acompanhada pelo professor Amandé Badini e do Dr. Jacques Thiamobiga: “Integração das cistercienses de Nossa Senhora de Bofor nas aldeias vizinhas”.

 

A tese de Master II de Anne Dah analisa as transformações sociais e econômicas causadas pela presença do mosteiro das irmãs Cistercienses Bernardinas d’Esquermes em Bafor, no Burkina Faso. O resultado de suas pesquisas são, sem dúvida, interessantes tanto para a sociologia do desenvolvimento, disciplina a que Anne Dah pertence, como para a sociologia do monaquismo. As Cistercienses Bernardinas de Esquermes implantadas em Bafor, em 2005, vivem uma vida contemplativa. Apesar de sua separação do mundo, suas ações têm efeito sobre a sociedade em que estão implantadas e levam a mudanças ambientais e sociais, que Anne Dah quer pesquisar no seu trabalho. A primeira parte do estudo está consagrada ao modo como a população local vê o mosteiro e suas habitantes. Como é que os vizinhos do mosteiro veem as monjas. A segunda parte analisa a interação entre o mosteiro e o que o rodeia e a contribuição do mosteiro para o desenvolvimento da aldeia. A autora conceitualista o desenvolvimento como um processo de transformações, em ligação com as dimensões ambientais e sociais, uma forma de mudança social feita por operações voluntárias, que muitas vezes dão resultados inesperados.

A aldeia de Bafor está situada a sudoeste de Burkina Faso, a 15 km ao sul de Dano, capital da província de Ioba. Pertence à diocese de Diébougou, e aceitou o projeto da ereção de um mosteiro desde o ano 2000. Convidadas por Dom Jean-Baptiste Somé, as Cistercienses Bernardinas d’Esquermes estabeleceram-se na diocese. A instalação das primeiras 5 irmãs, que vieram de Goma, República Democrática do Congo, deu-se a 19 de Novembro de 2005 com a bênção do novo mosteiro Nossa Senhora de Bafor. Bafor é um aldeia de etnia Dagara, cuja população, na sua maioria, está ligada a cultos ancestrais. Se a população acolheu o mosteiro, isso não significa que tenha aderido à sua religião e ao modo de viver das monjas.

Fundação do mosteiro de Bafor. © AIM.
Fundação do mosteiro de Bafor. © AIM.

“Se fores ao mosteiro, tens de tocar a campainha”:

O que as pessoas à volta do mosteiro pensam

Na cultura Dagara, o lugar da mulher é no lar e o destino da moça é o casamento e a procriação. E não tem direito a possuir bens ou dinheiro. Esta sociedade não concebe a vida da mulher fora destas convenções. Assim as contemplativas são vistas pela população como seres radicalmente diferentes. O seu modo de vida é tolerado, porque são estrangeiras, mas é algo mal visto, porque mostram às jovens Dagara que é possível uma outra vida fora do lar e do casamento. Aos olhos da população tornar-se religiosa ativa é uma coisa que acabou por ser tolerada, mas as monjas são vistas à margem de tudo: sem marido, sem filhos, e sem pais e sem mães. Sem julgar este modo de vida, os habitantes de Bafor aceitam ver as monjas viver segundo sua visão do mundo e adaptam-se a algumas práticas: “Tocar a campainha para entrar em contato com elas”. Deixam as crianças ir ao mosteiro e participar das missas e orações. Às vezes os pais acompanham as crianças nas grandes festas como Páscoa e Natal.

As irmãs são pouco numerosas. A comunidade varia entre 5 e 7. As saídas são limitadas, o que a população não entende. Um vendedor de uma banca admirou-se: ”encontrei uma delas e ela dizia que está aqui há doze anos e nunca foi ao centro de Bafor. O limite é o asfalto”. A imagem que as monjas dão de si mesmas à sociedade, é a de “mulheres de oração”, fechadas e entre elas. As regras para entradas, silêncio do lugar e o toque regular para a oração contribuíram para essa imagem. “Para mim, elas são mulheres de oração. Quando vou ao mosteiro raramente as vejo, não saem, só a oração”.

Os vizinhos do mosteiro pegaram, assim, um dos aspetos essenciais da vida monástica: a oração e a clausura. Por outro lado, o trabalho necessário para alimentar a comunidade e ajudar os necessitados, não é mencionado como algo essencial da vida das irmãs de Bafor. As ideias que se tem sobre o mosteiro evoluem, evidentemente, em função da integração das Cistercienses com os outros, assim como com o meio ambiente. De fato as monjas não se comunicam com frequência, com a população, por causa da clausura, e também porque não dominam a língua Dagara, e por causa do isolamento do local. Acrescente-se ainda que elas mesmas não querem muita integração para não serem invadidas pelos múltiplos pedidos da população.

 

Uma coabitação entre cooperação e conflito

A vida das monjas com a população que as acolheu, carateriza-se por uma coabitação que oscila entre o mútuo não conhecer-se, a cooperação e o conflito à volta do acesso à terra e à exploração dos recursos naturais. Diferentes pessoas não têm os mesmos pontos de vista sobre as coisas. Para uns, as irmãs mantêm boas relações de convívio e de confiança com a população local desde que chegaram, graças à delicadeza e disponibilidade delas “seu modo de contatar as pessoas, de saber dirigir-se a elas, e esta amabilidade e compreensão faz muito” para a bom entendimento, diz o capelão. Para outros, é sobretudo a capacidade de transformar o local que atrai a simpatia. As monjas plantam árvores, fazem jardinagem e criam animais. Exportam iogurte para a região sudoeste, que é muito apreciado. Mais ainda, a dimensão caritativa do mosteiro (assumem escolaridades várias) e as melhorias feitas ao longo do tempo (poço de água e eletricidade) fazem que a população as coloque em primeiro lugar entre as instituições com que querem manter uma proximidade. Antes, havia só duas famílias ao lado do mosteiro. Agora há três ou quatro casas, porque lá tem água e as mulheres podem ir buscá-la. As coisas vão crescer à volta do mosteiro e com isso novos pedidos sociais. Depois de terem facilitado o acesso à água para as famílias vizinhas, agora pedem o acesso à eletricidade. Assim, certos trabalhos feitos, melhorias, para as monjas, beneficiaram largamente as pessoas que as rodeiam e facilitou a chegada de novos habitantes.

As boas relações de vizinhança podem virar conflitos, quando a terra e seus recursos podem ser objeto de cobiça. A instalação do mosteiro em Bafor e sua necessidade de terras para cultivo, criou tensões entre a Igreja local e a as pessoas da aldeia. A instalação do Mosteiro de Nossa Senhora em Bafor exigiu uma propriedade grande para que as monjas pudessem produzir. Uma parte do terreno do atual mosteiro era das irmãs da Anunciação de Bobo (SAB) que o deixaram para as Cistercienses Bernardinas. Foram compradas terras para permitir ter 30 hectares. Para isso alguns produtores agrícolas próximos tiveram que ceder seus terrenos para aumentar a propriedade do mosteiro. Isto não se fez sem dificuldade. Como acontece em toda a parte, o acesso à terra torna-se competitivo e objeto de concurrência, sob os efeitos de migrações inter-regionais intensas, de inserção da economia rural no mercado, de instabilidade das regras costumeiras de gestão do uso da terra, assim como do enfraquecimento dos poderes tradicionais, e também sob a pressão de grupos de interesse, como no caso de Bafor, da Igreja Católica.

O que os interlocutores querem expressar quando dizem: “Não foi fácil”, mostra que o papel do chefe da terra, (o chefe é também o guardião dos costumes e das tradições da etnia) como gestionário das terras da aldeia, não foi eficaz. De fato a situação das terras, à volta do mosteiro, mobilizou as pessoas habituais, o chefe, como é habitual nos casos de conflitos ligados à terra, e também pessoas eclesiásticas, que sabem que a propriedade, os terrenos com tudo o que possuem, árvores, minas de água etc, é uma forma de segurança para o investimento, e uma garantia de estabilidade da empresa. As monjas estavam bem conscientes disso e sabiam que certos agricultores temiam perder suas terras. Por isso esses agricultores se opuseram radicalmente a ceder seus campos. Convencê-los “não foi fácil”. Aqui, como aliás em outros lugares a questão dos conflitos ligados à terra está ligada à posição social e aos interesses das diversas pessoas: o chefe, a exploração do lugar e a diocese. Tudo gira em volta da terra e do poder: o grande produtor do local tenta preservar suas terras e seu poder económico, o chefe, por seu lado, quer guardar sua notoriedade e sua autoridade sobre a gestão dos terrenos comunitários, enquanto que a diocese quer impor sua visão da propriedade privada. Estas disputas levaram a ameaças de morte e os diferentes protagonistas acabaram convocados na polícia. No entanto o recurso à administração pública e às suas instituições não teve grande efeito para arrumar os conflitos. Foi o costume Dagara, especialmente o de “parentesco de zombaria”[1] (lõluoru) que teve um papel primordial na resolução pacífica do conflito. “O parentesco de zombaria” é um sistema de mediação capital para a sociedade Dagara, como para muitas outras sociedades africanas ocidentais, um utensílio de reconciliação, semelhante a um pacto de não agressão, que une e aproxima os clãs patriarcais, grupos baseados na linhagem de pais de família agrupados segundo a pertença real a um antepassado comum.

O parente de zombaria é o tãpelu-sob, o que significa literalmente “o homem de cinza”, pois é vista como um elemento de reconciliação e de pacificação. A sua intervenção permite fazer a paz, a harmonia, o bom entendimento, a alegria. Este sistema teve também um papel importante para acabar com o conflito à volta do mosteiro em Bafor, graças à intervenção do capelão, que era também “parente de zombaria”. A intervenção deste mediador, reconhecido pelas monjas e pelo explorador Dgara, permitiu chegar a uma reconciliação durável. Depois da intervenção da justiça, dos mediadores e do parente de zombaria, encontrou-se uma solução entre os diferentes protagonistas.

Depois desta instalação conflituosa qual foi o impacto da presença deste mosteiro para o desenvolvimento de Bafor?

O pátio e a capela do mosteiro de Bafor.
O pátio e a capela do mosteiro de Bafor.

A contribuição do mosteiro para o desenvolvimento

Com a fundação Dreyer, em Dano, que atrai turistas por causa da sua localização, acima da barragem, e por sua arquitetura, o lugar do mosteiro, no interior, a alguns quilômetros da pequena cidade de Dano começou a atrair por ser um lugar de retiro e de visita importante no sudoeste. O mosteiro contribui para o patrimônio arquitetural e turístico da região. A população aprecia também a contribuição estética do lugar. “Elas souberam humanizar o espaço, é tão bom passear no mosteiro”. Também o mosteiro dá alguns empregos aos jovens, aos trabalhadores e às mulheres do lugar, como assalariados informais, ou permanentes. Além do salário regular, os empregados e suas famílias beneficiam de um aprendizado de novos métodos de trabalho e de gestão dos ganhos. As monjas incentivam seus funcionários a unir a criação de animais com a agricultura, a evitar adubos e pesticidas químicos, a fazer menos queimadas e a começar uma poupança. Este aprendizado teve uma repercussão evidente nas famílias, como reconhece um deles:

“com a ajuda das monjas e dos vizinhos compramos ovelhas. Atualmente tenho 16 ovelhas, e com isso tenho esterco para pôr no campo. Tudo isso ajuda”.

A mudança de hábitos está ligada às irmãs, que dão o exemplo para a proteção do ambiente. Os vizinhos Dagara, no começo hesitantes e até contra, começaram a seguir as iniciativas das irmãs. Por exemplo o uso de proteção contra as queimadas foi, pouco a pouco, imitado pela população.

“Penso que alguns vizinhos começam a lamentar ter feito queimadas nos seus terrenos. As irmãs plantaram muito, mantiveram a flora natural que já existia”.

As Bernardinas de Esquermes têm uma orientação educativa que se traduz na construção de escolas e centros de acolhimento em todos os lugares em que se implantam. O mosteiro de Bafor é uma exceção na Ordem, pois o bispo pediu a elas que fossem um centro de acolhimento e de oração. Em Bafor, mesmo se as irmãs não construíram uma escola, contribuem, no entanto, para a educação das crianças. Sua presença influencia as crianças que vêm ao mosteiro e a quem dão aulas de catequese. As irmãs refletem também sobre como traduzir seu carisma de ensino em Bafor, procurando uma adaptação ao contexto local, especialmente no quadro de um ensino rural.

Implantadas há pouco num meio pouco acolhedor e depois de uma instalação um pouco conflituosa, o trabalho que as monjas cistercienses Bernardinas fazem diariamente mostrará sua influência no local e na sociedade, com o tempo. Sua vida escondida revelou-se semente de mudanças sociais. A construção dos mosteiros, em toda a parte, vai junto com conflitos, rupturas, resistências e negociações com as hierarquias. A busca monástica toca estes conflitos e causa, muitas vezes, mais questionamentos e ambivalências, do que dá respostas e garantias. A tese de Anne Dah tem o mérito de abordar a temática da contribuição do mosteiro em termos positivos, como também em termos de limites de diálogo, de mudanças e de interação.


[1] Note-se que “o parentesco de zombaria” autoriza e às vezes obriga os membros de uma mesma família, certas etnias, ou habitantes da mesma região, territórios, ou províncias, a insultar-se, fazer gozação sem consequências. Estes confrontos verbais são vistos pelos antropólogos como meios de coesão, ou reconciliação, de descrispação, até mesmo como uma prática sagrada. É a única prática que permite que nenhuma palavra, ou comportamento possa ferir, ofender, o essencial é não derramar sangue. Esta prática resolve as crises sociais, pois ninguém se enerva com um parente que zomba; e quando uma família, ou um clã, está em conflito, são “os parentes de zombaria” que dever servir de catalisador, de conciliação. Não é raro que estas trocas de zombarias passem uma mensagem muito forte, que leva o outro a uma conversão, a uma mudança positiva.

Vida Monástica e Poesia

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Liturgia 

Irmã Thérèse-Marie Dupagne, OSB

Prioresa do Mosteiro de Hurtebise (Bélgica)

 

Vida Monástica e Poesia[1]

(Liturgia, lectio, vida fraterna)

 


Devo dizer desde já, que quando falo de poesia, para mim, é uma palavra que evoca alguma coisa, e não que define alguma coisa. Uma palavra que vela e, ao mesmo tempo desvela, uma palavra que aponta um sinal, que chama para um além, uma outra coisa que se recusa agarrar, um além que toca e que a toca… Uma palavra que abre para a comunhão, sem a impor. Uma palavra que sugere uma relação feita de liberdade, de desejo, de sede, uma palavra que cava um terreno desconhecido, que explora; uma palavra que abre uma quarta dimensão…

Esta palavra poética, eu a encontro na LITURGIA.

A liturgia é o relógio do monge, seu ritmo, sua respiração. A liturgia é obra de Deus, ação de Deus, convite. É também resposta da comunidade humana, canto e silêncio, escuta e desejo. A liturgia na sua constituição, é tecida por palavras que nos são dadas.

É possível compor um hino, uma oração universal, uma oração… mas uma boa parte da poesia litúrgica nos é dada. Há que acolhê-la, deixar-se atingir por ela, gostemos dela, ou não…atingidos, ou não, por ela… No acolher a liturgia há um apelo ao consentimento, que nem sempre se faz sem combate.

Entrar em poesia litúrgica, supõe entrar em palavras que não são nossas, e sem o querer aceitar que se tornem nossas. Isto faz em nós uma abertura; a poesia na liturgia abre-nos, faz espaço em nós, dispõe-nos para uma relação que não é fusão. A liturgia aponta para a comunhão.

São poesia os salmos, essas antigas orações, lidas, cantadas, murmuradas: louvor, lamentação, exultação, memória da história, lei repetida com os lábios… os salmos nos são nos dados, causam resistência, vêm-nos de um além, um tratar a Deus por Tu, como diz Chouraqui.

Não se agarra um salmo como uma coisa que se possui. O salmo é-nos confiado. Como se confia uma partitura a um tocador de flauta, os salmos esperam o nosso sopro para nos tocarem, nos abanarem, e, às vezes nos encantarem. Os salmos fazem-nos sair de nós mesmos, levam-nos a um além, ao encontro de um povo, de uma comunidade para além do tempo e do espaço. Um salmo, lançamo-lo coro a coro, sem esgotá-lo… Lemos, cantamos, escutamos um salmo, passa e volta, sempre antigo e sempre novo. 

A liturgia é HINO. O Hino vai para o Outro, esse Outro que nos convidou, e que conhecemos, somente às apalpadelas. Nós confiamos ao hino que chegue a esse Outro, por um caminho que não conhecemos. O hino sobe, mas pode acontecer que desça fundo… O hino leva-nos, traça um caminho, como o salmo está cheio da vida do poeta, ultrapassa esta vida, aprofunda-a, ou cava-a e cava aquele que o canta.

O salmo e o hino esfolam, cortam, abrem…atingem o coração e, quem conhece o coração, quem pode agarrá-lo? O hino toca o coração, provoca-o, ou então toca-lhe de leve antes de o deixar sem voz e de fugir. O hino cria a magia do silêncio que se segue.

A liturgia é poesia nas suas grandes LADAINHAS: pedimos, e pedimos, e pedimos sempre… é o apelo de um coração insatisfeito, ou tão satisfeito que pede ainda mais. Desperta o coração de criança, que brinca com as palavras…

A experiência da liturgia é a experiência desta poesia que evoca, invoca, e jamais agarra. A poesia ensina esse passo de dança que segura, aproxima e separa. Se queres agarrar a poesia, ela escapa das mãos, como a neve que derrete na mão da criança que a quer guardar.

A poesia litúrgica é DIÁLOGO entre dois, ela nos situa diante do outro? No coração? Quem sabe? Ela nos fala do Outro e torna-nos outro. Ao me fazer dizer a Deus “tu”, ela me ensina a ficar na vertigem de minha humanidade, diante desse “Tu” irredutível, e convida-me a dizer “Eu”.

A poesia tem uma fonte; penso que é o Espírito, esse sopro que dança entre o Pai e o Filho. Este sopro que os faz Um, mantendo-os sempre dois. São de tal forma dois, que são três. A poesia é como esse ESPAÇO que adivinho entre eles, como uma abertura, definitiva, um vazio que me faz descobrir no coração do nosso Deus, não Deus, mas um espaço, um buraco, um vazio que o abre ao outro, aos outros. A poesia que canta no silêncio dos Três ensina-me que no coração de Deus, não há Deus, mas há um espaço para o canto, um convite para a alteridade. No coração de Deus está este espaço de silêncio infinito, que é espera, abertura ao outro. Como canta um hino do ir. Pierre-Yves Emery: “Intimidade de Deus, abertura sem medida, para acolher – ó maravilha- os homens suas criaturas”.

A poesia em liturgia é DOXOLOGIA: glória ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo…e São Bento nos convida a uma mudança de posição, um sair de si, nesta doxologia. Levanta-te, inclina-te profundamente. Levanta-te, ergue-te na tua humanidade, tu tens valor, tens sentido. Respira, inspira, aspira, inclina-te para aquele que busca o teu olhar, tua vida, teu amor, inclina-te para o impercetível, o indizível, aquele de quem nada disseste ainda, enquanto não te prostrares em silêncio. Mistério dos olhos que se abrem, quando o coração se prostra…Inclina-te, expira, suspira…sorriso do ser, finalmente, despojado de si mesmo.

A poesia da liturgia convida-me a uma contemplação respeitosa do Outro, da Fonte, sem agarrar, inscreve uma palavra que se faz cálice, um olhar que é acolhimento. E esta poesia litúrgica é poesia para um povo, não é minha, é nossa, ultrapassa-nos.

A LECTIO enxerta-se na liturgia, continua-a. É a esta leitura orante da Bíblia que somos convidados dia após dia. Um tempo para ler a Escritura, estudá-la, meditá-la, ruminá-la, mastigá-la, e para descobrir quando pensamos que a assimilamos, que se abrediante de nós um universo que nos escapa. Ler, estudar, meditar, contemplar… Receber a Sagrada Escritura não como um teorema, uma demonstração, uma definição, mas como uma poesia, uma evocação…

Sim, está certo, mas na Escritura está inscrita a Lei, que poesia há em uma lei? A lei de Israel começa com um apelo, uma voz que diz: “Escuta”… e diz um convite “Escolhe” e tem uma conclusão: “Viverás”. É um caminho, não uma prisão.

A lei, duas margens que dão à vida correr como um rio, e não estagnar num pântano. A lei, duas margens que levam a um além. A lei leva a um além de si mesma.

Há a profecia na Escritura, um grito, uma abertura no cotidiano para permitir a irrupção do outro.

Há a sabedoria, um espaço, partilha de uma experiência do passado, que se oferece como uma trama de tecelagem para tecer um caminho novo.

A lectio é um tempo de acolhimento, de abertura, que termina na voz de um silencio fininho. E este silêncio é, sem dúvida, a mais bela expressão do diálogo.

E desta experiência abre-se um caminho para uma VIDA FRATERNA. Como viver com o outro, minha irmã, meu irmão, daqui e de além ?

A vida fraterna, no dia a dia, não tem nada de poesia. E, no entanto, é partilha de um espaço de vida, de canto, é construção de uma rede de relações. O que é que ajuda? O que é que a fundamenta? É em primeiro lugar a experiência litúrgica: a descoberta desse vazio no coração de Deus, desse espaço oferecido no coração do nosso Deus, apresentado a mim como um caminho para a vida fraterna. O respeito da diferença, o respeito, e mais do que o respeito: o encorajamento para que o outro se torne ele mesmo, ela mesma, e por isso mais outro, eis o que edifica a comunidade em imagem e semelhança. Acolher o outro e desejar que ele seja outro, acolher a sua fé diferente, seu caminho diferente, e escolher caminhar juntos.

A poesia dá-me a possibilidade de dizer, de viver o aspecto misterioso do outro, seu aspecto irredutível, e viver isso como uma chance, como a saída de um universo fechado sobre si mesmo, que abafa, e chegar a uma respiração nova.

Quando nas nossas relações as palavras são afirmações intransigentes, cutelos, a relação morre…

Quando a troca de palavras é evocação, convite, cria-se entre nós um espaço, que permite que o canto comum se eleve, que permite a vida, suscita-a e encanta-a.

A poesia abre entre nós um espaço que nos faz sair do fechamento sobre nós mesmos, abre-nos. Convida à comunhão entre nós e além de nós.

Gostaria de ao pé dos muros de violência,

Nos campos de exclusão, de rejeição, ou de fusão

Poder lançar um poema de esperança…

Abrir um espaço de comunhão…

Pronunciar uma palavra que é convite

E não quer dominar.

 

A poesia é uma chance oferecida à nossa humanidade, para uma capacidade de viver juntos, no respeito de cada um, e na alegria de que cada um é cada um.

Geronda Aimilianos

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Monges e monjas testemunhas para o nosso tempo

Conforme um texto escrito pelo Hieromonge Serapião

Do Mosteiro de Simonos Petra (Monte Atos, Grécia)

 

Geronda Aimilianos

Do Mosteiro de Simonos Petra


 

“Tu me deste a conhecer o caminho da vida. Junto de Ti felicidade sem limite, mostrando-me o teu rosto” (Sl 15,11)


 

O arquimandrita e Geronda Aimilianos, no mundo chamado Alexandre Vafidis, higomene (superior) do Mosteiro de Simonos Petra de 1973 a 2000, nasceu em Nicée do Pirée.

Em 1906 sua família estabeleceu-se em Simandra, na Capadócia. Depois após a catástrofe da Ásia Menor e a troca de populações, chegou à Grécia. Embora casados, os pais do pequeno Alexandre viviam como monges, rezando as vigílias noturnas e dando-se à oração. Depois que ficaram viúvas, sua avó e sua mãe tornaram-se monjas.

Alexandre, depois de terminar os estudos secundários, continuou a estudar na Universidade de Atenas, primeiro na Faculdade de Direito, por dois anos, depois na Faculdade de Teologia, conforme seu desejo. Na Universidade, com alguns colegas, doou-se com muita energia para o desenvolvimento da fé e da vida cristã. Pensava ser padre e até missionário. Mas pensou que era melhor preparar-se bem começando sua formação num mosteiro.

O bispo de Trikala reparou nele, e, em 1960 o jovem Alexandre abriu-se com ele. Finalmente fez-se monge com o nome de Aimilianos no mosteiro de São Vissarion de Doussiko. Logo foi ordenado diácono pelo bispo, que o enviou para diferentes mosteiros dos Météoros até sua ordenação sacerdotal. Depois viveu no mosteiro de São Vissarion de Doussiko durante algum tempo. Aí se aplicou à solidão e à procura da paz interior. Também aí cresceu seu profundo desejo do renascimento do monaquismo.

Algum tempo depois foi escolhido para Higoumene (superior) do Santo Mosteiro da Transfiguração, do Grand-Météore. No começo estava quase sozinho, e levou uma vida ascética. Vigiava, rezava e integrava os elementos da tradição monástica. Vendo uma tal seriedade, o bispo lhe confiou um cargo pastoral e ele passou a receber sempre mais fiéis que se confiavam a ele. Muitos jovens vinham a ele para se confessarem. Em breve se tornou o pai espiritual de muitos.

Entre estes jovens muitos pensavam na vida monástica e, com o tempo, formaram o primeiro núcleo da comunidade do Mosteiro do Météore, enquanto outros se orientaram para a vida sacerdotal ou vida familiar. Mas todos constituíam como uma grande família espiritual alargada, tendo como centro o mosteiro.

Foi nesta época que o P. Aimilianos começou a ir à Santa Montanha para aí recolher a riqueza de sua herança espiritual. Conheceu o P. Païssios, e o Papa Efrem de Katounakia com quem teceu uma grande amizade espiritual.

Em 1972 acompanhou a fundação de uma comunidade feminina nos Météores. Em 1973 foi escolhido pelos anciãos, como higoumene do Mosteiro de Simonos Petra. Os padres da Santa Montanha viram com muita esperança a instalação da comunidade dos Météores no Monte Atos. De fato, outras comunidades se seguiram e os monges do Monte Atos cresceram muito em número.

Levando sua vida monástica com vigilância, celebrando a Divina Liturgia e cumprindos seus outros deveres, o P. Aimilianos concentrou-se na reorganização da vida interna da nova comunidade. Com respeito e amor soube enxertar na experiência dos mais velhos o entusiasmo juvenil, a dedicação e o zelo dos monges mais jovens, que contribuíram assim para o crescimento da comunidade. Sua boa administração e sua vigilância paterna permitiram-lhe restaurar a autoridade e voltar a valorizar a tradição multisecular deste grande mosteiro, tão conhecido desde há muito.

Depois de firmar bem sua comunidade na Santa Montanha, o P. Aimilianos preocupou-se com a vida da comunidade feminina de Ormylia, reunida desde o dia 5 de Julho de 1974 na antiga casa dependente (metochion) de Vatopédi “A Anunciação da Mãe de Deus”, que foi comprada pelo mosteiro de Simonos Petra com a aprovação do bispo do lugar e a ajuda da Santa Comunidade. As irmãs aí estabeleceram-se e viveram, como casa dependente (metochion) do mosteiro de Simonos Petra. Mas tudo isso não se fez sem sofrimento e trabalhos.

Geronda Aimilianos acolheu um certo número de estrangeiros que se tornaram monges sob a sua direção. Foi o caso do P. Placide Deseille e do P. Elias Ragot vindos da França: Santo Antão, o Grande para os monges; Proteção da Mãe de Deus (Solan) e Transfiguração do Salvador (Terrasson) para as monjas, onde o P. Aimilianos foi muitas vezes.

Era muito solicitado para conferências ou acompanhamento espiritual, acolhendo tudo como uma bênção de Deus.

Nos anos 1990 sua saúde diminuiu de modo irremediável. P. Aimilianos teve de deixar progressivamente seu cargo de higoumene. Em 2000 foi para o mosteiro de Ormylia onde passou os últimos 20 anos de sua vida no abandono e na paciência diante do sofrimento.

Seu ensinamento espiritual foi reunido em vários volumes pelas irmãs de Ormylia. Alguns foram traduzidos do grego para o francês:

– «Le sceau véritable» (1998).

– «Sous les ailes de la colombe» (2000).

– «Exultons pour le Seigneur» (2002).

– «Le Culte divin» (2004).

– «De la chute à l’éternité» (2007).

– «Discours Ascétiques d’Abba Isaïe» (2015).

– «La voie royale – Saint Nil de Calabre» (2017).

Conforme as palavras do seu sucessor Geronda Elisée:

“O superiorado de Geronda no Santo Mosteiro de Simonos Petra foi um marco importante na história recente do mosteiro. Foi um período abençoado, em que o mosteiro reencontrou uma grande irradiação, período que coinicidiu com o aumento do número de monges e a irradiação do conjunto da Santa Montanha, graças à proteção da Santíssima Mãe de Deus. No entanto, como ele próprio o diz na Regra monástica (Typicon) de Ormylia (1,9): “A comunidade monástica do Cenóbio, vivendo a seu ritmo próprio, vive na Igreja e para a Igreja, como o coração, ou qualquer membro do corpo. Ela não é apreciada por causa de qualquer atividade, mas pela procura amorosa de Deus. Deste modo as monjas tornam-se imagens perfeitas de Deus, atraindo outros para a vida divina”.

Depois de longos anos passados no silêncio e num leito de dor, Geronda Aimilianos chegou à morada celeste, docemente, no dia 9 de maio de 2019. Que sua memória seja eterna.


Arquimandrita Basile, Prohigoumène

Mosteiro de Iviron

 

Homilia no funeral

de Geronda Aimilianos

27 de abril / 10 de maio 2019 - Ormylia

 


Hoje, pela graça de Deus, Gerona Aimilianos nos reuniu a todos para esta sinaxe pascal. Conheço o P. Aimilianos desde os anos dos estudos. Estávamos juntos no grupo de catequese dirigido pelo atual Bispo de Albânia, Anastase (Gianoulatos). Os anos passaram e ele foi para os Météores. O fato de ter feito tantos progressos espirituais, de ter reunido jovens, de ter fundado esta comunidade, que se instalou depois no Monte Atos, e depois esta última comunidade de irmãs, mostra que ele tinha a assistência e a bênção de Deus.

Depois outra coisa notável, é que ele tenha ficado 20 a 25 anos como um morto não enterrado. É um outro testemunho de fé, pois o P. Aimilianos não somente trabalhou como hygoumène, mas como pregador não dizendo nada. Mas não dizendo nada, não falando, transmitia-nos as palavras inefáveis da vida eterna. E quando ele não compreendia nada, já estava com os anjos. Penso que hoje entendemos tudo.

O P. Aimilianos vai-se, mas deixou-nos esta instrução, quer dizer, trabalhou muito, fundou comunidades vivas e, depois durante 25 anos, falou-nos sem dizer nada. As mulheres mirróforas receberam do anjo a ordem de anunciar o acontecimento da Ressurreição e, “retirando-se não disseram nada a ninguém, porque tinham medo”. Elas tinham medo e não queriam tocar o inexprimível, falando. É a mesma coisa, penso que o P. Aimilianos nos falava. E posso dizer, como uma confissão, que ele nos conquistou, e me conquistou a mim também. Sim, durante tantos anos uma tal cruz! E eu vinha em pensamento até à porta dele, fazia uma inclinação profunda e recebia uma força.

Agora aqueles que não entendiam a razão do seu silêncio, podem entendê-la hoje, nesta comunidade, escutando os cantos tão vivos nesta igreja magnífica, no seio desta comunidade.

Le père Aimilianos s’en va, mais la grâce de Dieu reste et je pense que ce qu’il nous laisse derrière lui c’est ce grand événement : Nous assistons aujourd’hui à l’abolition de la mort, et nous ne nous adressons pas seulement à quelques personnes qui parlent la même langue, nous parlons à tous les hommes. L’Église parle par son silence à tous ceux qui injurient le Christ et la Mère de Dieu. Ce sont ces gens qui ont surtout besoin d’aide. Cet événement que nous vivons aujourd’hui montre bien que ce dont nous avons besoin c’est d’un père Aimilianos qui repose en Christ, qui nous parle par son silence, qui part, mais laisse cette communauté vivante. Et qu’est-ce que cette communauté vivante va faire ? Elle va vivre et continuer cette tradition. En suivant cette route, on peut soudain se demander : « Mais je ne fais rien ? ». C’est précisément lorsque je ne fais rien, qu’il y a Celui qui « offre et est offert, qui reçoit et est distribué ».

O P. Aimilianos vai-se, mas a graça de Deus fica e penso que ele deixa atrás de si este grande acontecimento: assistimos hoje à abolição da morte, e não dizemos isto somente a algumas pessoas que falam a mesma linguagem, dizemo-lo a todos os homens. A Igreja fala pelo seu silêncio a todos os que injuriam o Cristo e a Mãe de Deus. São pessoas que precisam de ajuda. Este acontecimento que estamos vivendo hoje, mostra-nos que o que mais precisamos é de um P. Aimilianos, que repousa em Cristo, que nos fala pelo seu silêncio, que parte, mas deixa esta comunidade viva. E o que vai fazer esta comunidade viva? Vai viver e continuar esta tradição. Continuando neste caminho podemos nos perguntar: ”Mas não faço nada?” É precisamente no não fazer nada que está o Cristo que oferece e é oferecido, que recebe e é distribuído”.

Demos graças ao Cristo, à Mãe de Deus e a todos os Santos, pois Ele nos deu um P. Aimilianos, porque ele nos falou com sua vida, com suas ações e com seu silêncio. E peçamos ao Cristo e à Mãe de Deus que o P. Aimilianos reze lá onde ele está agora, na companhia de todos os anjos. E nós, exercitemo-nos na paciência, esperando chegar aos bens do reino dos céus, que Deus preparou para nós, para todos os homens.

Viagem à China Continental

12

Notícias

Dom Jean-Pierre Longeat, OSB,

Presidente da AIM


Viagem à China Continental[1]

 

 

Na continuação da reunião internacional da BEAO em Taipé (Taïwan), o P. Mark Butlin e eu tivemos a possibilidade de visitar alguns aspectos da China Continental e algumas realidades monásticas neste país. Não é possível fazer um relatório detalhado sobretudo dos encontros numerosos que tivemos. No entanto, é oportuno contar em grandes linhas, esta impressionante entrada no Império do Meio.

No dia seguinte à nossa chegada a Pequim, começamos com uma visita extasiada à Grande Muralha da China, depois de nos prepararmos fisicamente!

À tarde, fomos a uma das grandes igrejas no norte de Pequim, conhecida como a Catedral do Santíssimo Salvador, onde encontramos o pároco e conversamos longamente com ele. A igreja acaba de passar por uma restauração completa. O caminho que conduz à igreja estava cheio de anjos tocando trombetas, já é Natal, ou quase. Uma cerimônia das Primeiras Vésperas vai abrir o tempo do Advento. Todo mundo trabalha.

Lembremos que em setembro de 2018 foi assinado um acordo entre a Santa Sé (que reconheceu 7 bispos da Igreja patriótica) e a China que não nomeará mais bispos sem o acordo do Vaticano. Há mais ou menos 10 a 15 milhões de católicos, atualmente na República Popular da China. A Associação Católica Patriótica da China conta com 97 dioceses oficiais. A Igreja Católica tem 138, com muitas dioceses vacantes.

No primeiro domingo do Advento celebramos a missa na atual catedral de Pequim dedicada à Imaculada Conceição da Virgem Maria, no sul da cidade.

Depois da missa com uma assistência muito numerosa, e uma bela liturgia, visitamos os edifícios que restam da universidade Fu Jen. Esta grande instituição foi estabelecida em Pequim, em 1933, pelos monges de St Vincent de Latrobe na Pensilvânia, EUA.

Fomos depois ao seminário de Pequim. O reitor fez o essencial de sua formação teológica em St Vincent de Latrobe. Vimos os 50 seminaristas; visitamos o lugar espaçoso e bem organizado. A biblioteca que acaba de ser construída, está bem adaptada; a igreja é grande e serve também de paróquia, onde um bom número de seminaristas presta serviço pastoral.

Na festa de São Francisco Xavier, 3 de dezembro, saímos bem cedo para a Manchúria, onde devíamos encontrar a comunidade da Santa Cruz, a duas horas da cidade de Changchun.

Estamos ao lado de Songhur, a 60Km de Jilin. O Priorado é fruto de uma longa história. De fato os monges de Santa Otília (Alemanha) fundaram um mosteiro em Yenki, que se tornou depois vicariato apostólico. Mas entre 1946 e 1952 os monges foram perseguidos e ficaram sob o controle das autoridades civis. Alguns voltaram para a Alemanha, outros fugiram para a Coreia do Sul, onde estabeleceram um mosteiro que viria a ser as raízes do de Waegwan, que existe ainda hoje e florescente. Em 2001, depois de 50 anos de ausência do território chinês, a Congregação de St Otília voltou para fundar um mosteiro na região de Jilin, primeiro numa paróquia, depois na casa onde estamos agora. Foi um sacerdote chinês, que se formou em St Otília, que depois de ter feito os votos solenes, foi o responsável por esta iniciativa.

Os monges vivem segundo a regra de São Bento. Uma casa para idosos e idosas está ligada ao mosteiro, assim como um centro de formação para os padres das dioceses vizinhas. Os monges também cuidam da paróquia onde tiveram a primeira iniciativa pastoral.

No dia seguinte, fomos para a cidade de Jilin onde começamos por descobrir a catedral que foi renovada faz pouco tempo. Fomos depois ao seminário da diocese de Jilin, onde fomos recebidos pelo reitor e pelo ecônomo. Comemos com os seminaristas. São 70, de 20 dioceses. Este estabelecimento tem uma boa reputação. O reitor fez os estudos de teologia, em grande parte, em Roma. Tem um espírito aberto e acolhe bem realidades estrangeiras.

Depois tomamos o caminho de volta parando na igreja, que os monges ainda têm no lugar onde começaram, e ainda prestam serviço. Na refeição da noite comentamos o dia.

Na quarta feira, dia 5 de dezembro fomos para o aeroporto de Changchun para voltar para Pequim, onde visitamos a cidade imperial: um esplendor!

Priorado de Xishan, fundado por Dom Joliet e os monges de Santo André, Bruges.
Priorado de Xishan, fundado por Dom Joliet e os monges de Santo André, Bruges.

No dia 6 de dezembro voamos para Changdu, a capital de Sichuan. Devíamos ir à cidade de Xishan para visitar o antigo mosteiro fundado por Jehan Joliet e os monges de Santo André de Bruges.

O mosteiro não fica longe da cidade e chegamos lá por um caminho que nos levou até à base de um monte, que tem no cimo o cemitério cristão do local. Os edifícios monásticos conservam sua aparência. Foram construídos nos anos 30. São agora a residência do bispo de Nanchong. Têm também uma casa para pessoas idosas. Também construíram um santuário com uma imensa via sacra, que vai até ao túmulo dos dois primeiros priores, de alguns monges e de algumas irmãs e outros cristãos.

Conversamos longamente com o bispo e visitamos os lugares detalhadamente. O capítulo, as celas, o refeitório…depois fomos pela via sacra até aos túmulos dos fundadores. Conforme o costume chinês foram incinerados e colocados em nichos funerários, ornados com uma placa que fala de sua sabedoria.

O primeiro fundador foi Dom Jehan Joliet. Nasceu em Dijon na França em 1870. Depois de ter feito a escola naval nos Jesuítas, tornou-se oficial da marinha e descobriu a China no exercício de suas funções. Ficou fascinado pela riqueza e pela profundidade da cultura desse país. Ficou chocado com a pouca estima que os missionários tinham dessa cultura e pensou numa possível evangelização no respeito pela mentalidade do local. Em 1894 entrou na abadia de Solesmes, então refugiada na Inglaterra, na ilha de Wight, com a esperança de um dia fazer uma fundação na China. Entrou, depois, em contato com Dom Teodoro Nève, abade de Santo André de Bruges e partiu, finalmente com um monge de Santo André para a China, com a missão de fazer uma fundação. O mosteiro devia ser totalmente chinês, com uma perspectiva de oração contemplativa e estudos. A fundação aconteceu em 1929 na província de Sichuan, num lugar chamado Xishan. Dom Joliet foi o primeiro prior. No entanto, ao fim de alguns anos, houve uma divergência de perspectivas sobre a inculturação, e isso levou Dom Joliet a deixar o cargo e retirar-se como eremita. Morreu em 1937. Deixou um pensamento original muito avançado para o seu tempo.

Depois do almoço voltamos para Chengdu, onde devíamos encontrar o bispo à tarde. Ele assumiu só há dois anos e falou-nos do seu ministério.

No dia seguinte voltamos a Shangai. Tínhamos um encontro com um jesuíta francês, que está nesta cidade, depois de ter passado muitos anos em Taipe. Ficamos com ele umas duas horas. Foi um encontro animadíssimo. Prometemos nos encontrar de novo na França, pois teríamos ainda muitas coisas a falar...

Fomos depois à Catedral de Shangai que foi fundada pelos jesuítas. Chegamos no fim da missa celebrada em chinês. A igreja estava lotada; foi renovada totalmente nos últimos anos. Depois da missa, o pároco da catedral e um sacerdote amigo nos levaram para visitar os lugares, incluindo a casa diocesana onde vivem vários padres.

Andamos ao longo do rio no bairro mítico do Bund. À noite chegamos a Hong Kong de avião. No dia seguinte, o Abade de Lantao, Dom Paulo Kao, veio nos buscar para irmos ao seu mosteiro, na ilha de Lantao, fundado em 1946. A fundação foi feita por dois grupos de monges, que fugiram da China Continental por causa da perseguição do regime comunista. Uma comunidade de 15 monges, dos quais um era arquiteto, construiu o mosteiro num lugar deserto, onde o transporte das pedras e a abertura de caminhos foi uma coisa épica. O edifício consta de um retângulo de duas alas, onde estão os lugares regulares, as celas e dois corredores que fazem a ligação nas extremidades. Fora está a igreja como a proa de um navio em cima do mar com a torre dos sinos de pedra, como um mastro. Uma outra extensão refeita recentemente é a enfermaria. Em baixo a hospedaria espaçosa acolhe numerosas pessoas para retiro. Tem uns 16 quartos com salas de reunião e um refeitório.

Encontramos a comunidade durante um ofício e durante o almoço. A tarde passou depressa. Ao fim do dia o P. Mark falou-lhes do trabalho da AIM. No dia seguinte ele foi a Macau para ver a nova fundação das trapistinas de Vitorchiano. E eu voltei para Paris, onde cheguei depois de uma viagem de 16 horas.


[1] Continuação do relatório da viagem por ocasião do encontro da associação beneditina do Este Asiático e da Oceania (BEAO) cuja 1ª parte está no Boletim 116.


Edifícios da Universidade Fu Jen, fundada pelos monges de São Vicente de Latrobe (EUA), agora em desuso.
Edifícios da Universidade Fu Jen, fundada pelos monges de São Vicente de Latrobe (EUA), agora em desuso.

Viagem ao Chade

13

Notícias

Irmã Christine Conrath, OSB,

Secretária da AIM


Viagem ao Chade

junho-julho 2019

 

 

Dentro do quadro das viagens da equipe internacional da AIM, fui convidada a passar alguns dias no Chade, na comunidade de Santa Águeda de Lolo, o primeiro e único mosteiro da nossa família beneditina no Chade. Já há muito tempo esta comunidade, que está muito isolada no país, desejava uma visita fraterna. Desde a fundação, a AIM ajudou muitos projetos apresentados por este mosteiro. Chegou, assim, o momento de manifestar mais concretamente ainda a nossa presença fraterna, junto destas irmãs tão corajosas.

Viajei com Royal Air Maroc, com escala em Casablanca, um esplêndido aeroporto internacional. É preciso contar, depois do voo Paris-Djamena, ainda dez horas de ônibus por estrada para fazer os 475 km de Djamena a Moundou, e depois mais 11 km de Moundou até Lolo. Calcula-se não os quilômetross de viagem, mas as horas, por causa do estado da estrada. (Boa, perto da capital do Chade, muito boa perto de Moundou, a segunda cidade do país, mas muito ruim em certos lugares). O interesse de uma viagem de ônibus é múltiplo: mergulha-se na população local e vê-se o país! Os bancos do ônibus são confortáveis e dá para descansar. Durante a viagem pode-se ver vídeos no monitor comum de mostras de variedades em francês, ou em árabe (segunda língua oficial do Chade) e até filmes chineses legendados.

O avião chegou na hora a Djamena, mas uma das malas não chegou, então foi preciso passar pelo processo de bagagem perdida, além das formalidades de entrada no país. Durante isso eu pensava na irmã Denise que me esperou mais de duas horas no aeroporto.

O mosteiro Santa Águeda foi fundado em 2004 pelas irmãs Congolesas de Lubumbashi (Congregação das monjas Rainha dos Apóstolos). Tudo é novo no mosteiro e tinha muito a descobrir. Na biblioteca das irmãs achei um livro que me guiou “Origens da Igreja Católica no Chade, diocese de Moundou, diário de um missionário” escrito por um capuchinho, Marie-André Pont. A igreja do Chade ainda não tem cem anos. Mas há oito dioceses, servidas por 131 padres diocesanos e 111 padres religiosos, 375 religiosas. O mosteiro Santa Águeda é o orgulho da diocese de Moundou, disse-me um sacerdote diocesano, que encontrei na cidade.

Antes da minha viagem, o Padre Jean-Pierre Longeat e eu pudemos encontrar em Paris um missionário, o P. Michel Guimbaud, capuchinho francês, que chegou ao Chade em 1957, três anos antes da independência. Ele nos falou do seu zelo apostólico e da sua estima pelo povo chadiano. Os capuchinhos celebram a eucaristia em Santa Águeda três vezes por semana e prestam múltiplos serviços à comunidade. Estão disponíveis para levar e trazer notícias e diversas informações às irmãs.

Durante a viagem de ônibus vi reboques carregados de contentores que vinham de Douala e Yaoundé dos Camarões. O Chade não tem acesso ao mar e é duas vezes e meio maior do que a França; a metade do Norte é deserto.

Além das condições climáticas difíceis, a situação política e conflituosa: as regiões controladas por Bokko Haran não ficam longe. Estudando a história recente do Chade, sobretudo o tempo da ditadura de Hissène Habré (1982-1990) compreende-se o sofrimento do povo chadiano. No dia 30 de maio 2016, esse ditador foi condenado a prisão perpétua por crimes contra a humanidade, tortura e crimes de guerra. A conclusão do processo, 25 anos após a queda de Habré e sua fuga para o Senegal, deve-se à perseverança e à tenacidade das vítimas.

Como a minha mala se perdeu, experimentei o acolhimento evangélico segundo São Lucas 10: “Não leveis bolsa, nem cajado, nem sandálias. Em qualquer casa em que entrardes dizei: Paz a esta casa! Permanecei aí, comendo e bebendo o que vos derem”. As irmãs instalaram-me numa bela cela, com todo o necessário para passar a noite e a semana. Os mosquitos foram clementes, o mosquiteiro foi suficiente para os afastar. O protetor aerosol que tinha levado, estava na tal mala.

O mosteiro foi bem construído e é espaçoso. A bela igreja foi dedicada no dia 29 de junho 2018. A cozinha é agradável e bem arejada e serve de refeitório. As irmãs acabam de construir mais 10 quartos para aumentar a capacidade de acolhimento na hospedaria. De fato, muitas pessoas vêm para se refazer no mosteiro. Os hóspedes gostam do ambiente da comunidade. Durante a minha estadia vi um grupo de religiosos em retiro, animado por um padre vindo da Africa Central.

Igreja do Mosteiro. © AIM.
Igreja do Mosteiro. © AIM.

Fiquei impressionada pela seriedade da vida religiosa destas irmãs, vivida em condições em que o conforto é muito relativo. O horário é apertado: Vigílias às 4h30, Completas às 20h, e uma curta sesta depois do almoço. Ir. Denise, superiora, Ir. Gisele, hospedeira, Ir. Myriam, diretora da escola, são congolesas de Lubumbashi. A primeira professa chadiana, Ir. Priscila, está atualmente em Lubumbashi para a sua formação. O número de irmãs da comunidade vai ficar mais completo com o regresso de Ir. Eulalie e de Ir. Filomena. A comunidade é acolhedora, uma irmã de Babété (dos Camarões) está com elas passando um tempo de descanso. Tive a alegria de reencontrar Ir. Myriam, que tinha encontrado há três anos numa sessão de formadores; ela seguiu o percurso Ananias (para formadores de língua francesa) e aproveitou muitíssimo. Ela vai para Yaoundé fazer um curso de 3 anos, de Bíblia. É um grande sacrifício para a comunidade, mas que o faz com todo o gosto.

Acompanhando Ir. Denise nos campos cultivados pelo mosteiro, aprendi que é necessário lavrar o terreno, limpar três vezes antes da colheita do amendoim. Infelizmente a plantação tem espaços vazios, porque não choveu, quando foi plantado, ou porque os rebanhos de gado entraram e comeram os brotos, ultrapassando a cerca frágil. Antes esses rebanhos de 180 cabeças desciam do Norte depois da colheita, limpavam e adubavam os campos, o que os agricultores gostavam. Mas agora chegam mais cedo e as consequências para as culturas são desastrosas. Entre os que trabalham na propriedade das irmãs, notei os membros do coral da paróquia vizinha que querem comprar instrumentos de música e um amplificador de som; o que eles ganham é poupado, fica com as irmãs, para que um dia eles possam comprar o que sonham. Também vi mulheres da aldeia que vêm trabalhar com seus filhos pequenos nas costas, ou que caminham ao lado da mãe. As irmãs são uma providência para o povo da aldeia; por exemplo elas vendem a crédito as sementes das culturas.

Trituração de amendoins. © AIM.
Trituração de amendoins. © AIM.

Este ano além do gergelim, do amendoim, do milho, do inhame, Ir. Denise vai tentar a cultura do algodão. Ela estudou agronomia. A terra é arenosa, fácil de trabalhar; mas as chuvas fortes podem arrancar as árvores com facilidade. O Estado lançou uma campanha de plantação de árvores; é proibido cortar árvores, mas é preciso lenha para a cozinha… O mosteiro tem uma máquina de espremer o amendoim; durante a minha estadia três operários vieram moer um dia inteiro e no dia seguinte levamos os garrafões de óleo a um comprador de Moundou.

A vida no mosteiro é ritmada pela vinda dos vizinhos. De manhã vai-se para o campo, às 11h as mulheres recebem chá, pelas 15h vêm buscar a refeição (farinha misturada de milho, com legumes com molho e um pouco de peixe. Às 17h, acaba o trabalho. Cada um volta para casa ao escurecer, às 18h.

As irmãs têm uma pequena escola. No começo elas assumiam todo o ensino, agora há professores que recebem um salário normal. Mas as pessoas da aldeia têm dificuldade para pagar a inscrição. As crianças são tiradas muito cedo da escola; a escola pública também é paga. Falta dinheiro. A bomba de água, que está à disposição do povo da aldeia, espera o terceiro conserto; as irmãs pedem ao povo uma pequena participação…As aulas da escola têm de terminar no dia 30 de maio, pois os pais precisam dos filhos para trabalhar no campo a partir do começo de junho (estação das chuvas). O galpão da escola foi financiado, em parte, pelos alunos da escola de Lubumbashi, um belo exemplo de uma partilha solidária.

As irmãs enfrentam as contingências com grande coragem. Elas precisariam proteger melhor os campos com uma cerca mais forte e ter uma eletricidade mais fiável, especialmente para alimentar o congelador, e isso com um gerador de luz mais potente. Para terem acesso à internet é complicado. O mosteiro fica numa baixada, é preciso ir de carro numa colina vizinha, que fica a 1,5 km para ter o sinal.

Durante toda a minha estadia na comunidade experimentei que tudo é graça. Agradeço à comunidade de Santa Águeda pelo acolhimento e por me terem aberto os olhos para uma realidade nova. Para terminar, digamos que tanto o bispo, como as irmãs e os irmãos capuchinhos gostariam de ter um mosteiro masculino próximo. Há um terreno disponível. Está lançado o apelo para quem puder responder!

Encontro das superioras das Comunidades contemplativas de Madagascar e do Oceano Índico

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Notícias

Irmã Agnès Brugère, OCSO

Prioresa de Ampibanjinana


Relatório do Encontro das superioras

das Comunidades contemplativas

de Madagascar e do Oceano Índico


 Mosteiro de Ampibanjinana, Maio 2019

 


Nossa assembleia realizou-se de 7 a 14 de maio no mosteiro das irmãs cistercienses de Ampibanjinana, Fianarantsoa. O tema do encontro, animado pelo P. Louis-Martin Rakotoarilala, Assumpcionista e doutor em Direito Canônico, foi “Estudo de Vultum Dei Quaerere e de Cor Orans; elaboração dos estatutos do nosso grupo em vista da aprovação da Santa Sé”. Estavam presentes:

Presidente: Ir. Agnès, prioresa das Cistercienses de Ampibanjinana

Padre Assistente: P. João Crisóstomo, prior dos cistercienses de Maromby

Segundo Assistente : P. Luc-Ange, prior dos beneditinos de Mahytsy.

Irmã Victoire, prioresa do Carmelo de Fianarantsoa, conselheira.

Irmã Marie-Goretti, prioresa das Clarissas d’Ihosy, conselheira

Irmã Martine, prioresa das Clarissas de Ampasipotsy

Irmã Jeanna, prioresa das Beneditinas de Ambositra.

Irmã Marie-Berthe, prioresa das Beneditinas de Mananjary.

Irmã Marie-Jeanne, prioresa das Beneditinas de Joffreville.

Irmã Mireille, delegada de Ir. Magdalena, prioresa do Carmelo de Tana, ausente.

Irmã Odette, prioresa do Carmelo de Morondava.

Irmã Carméla, prioresa do Carmelo de Moramanga

Irmã Elisabeth, prioresa do Carmelo de Tuléar.

Irmã Ange-Daniella, delegada de Ir. Myriam, abadessa das Clarissas de Antsirabe, ausente.

Algumas comunidades, como as da Ilha da Reunião e da Ilhas Maurício, não puderam vir este ano.


I- Formação

Nos dias 8 de Maio, 10 à tarde e 11 e 12, escutamos o Padre Louis-Marie explicar e comentar diversas passagens da Constituição Apostólica Vultum Dei Quaerere e sobretudo a Instrução de aplicação Cor Orans sobre a vida contemplativa feminina, publicada dia 1º de abril de 2018. Ele explicou um bom número de termos canônicos, nos ajudando a entrar na compreensão do documento que tem força de Lei para nossos mosteiros contemplativos.

Lemos juntos os nºs de Cor Orans que definem as diferentes estruturas de comunhão entre os mosteiros (federação, associação, congregação e conferência) que Cor Orans ressalta, depois de Vultum Dei Quaerere. Tomamos consciência que a nossa associação intermonástica, que existe em Madagascar desde 2008, está prevista no nº 9 do documento e chama-se “Conferência de mosteiros”.

 

II- Elaboração dos nossos Estatutos

Antes de passarmos para a leitura e as emendas do esboço dos estatutos redigidos pela comissão, lemos juntos a carta do Núncio Apostólico sua Eminência Augustin Kasujja, datada do dia 12 de junho de 2008, que nos encoraja a formar essa “União dos mosteiros femininos, tendo um assistente religioso eleito pelos mosteiros membros” e nos indica os documentos a enviar à Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica para que esta união seja constituída, sobretudo as deliberações dos capítulos dos mosteiros, que desejam fazer parte da União e uma cópia dos estatutos da mesma. No final da sessão, uma versão dos estatutos provisórios, revista, foi distribuída a todas as participantes e aos Assistentes da nossa associação, que tem agora o nome de “Conferência dos mosteiros do Oceano Índico”.

Estes estatutos devem ser submetidos aos capítulos conventuais de cada uma das nossas comunidades, e a adesão de cada comunidade deve ser objeto de um voto de cada capítulo. Os resultados dos votos devem ser enviados à Presidente para que ela faça chegar à Santa Sé com os estatutos, para aprovação. O exame destes estatutos pelas comunidades talvez façam surgir pedidos de emendas: nesse caso os estudaremos na próxima assembleia em 2020. Os estatutos só serão enviados à Santa Sé quando todas as comunidades se tiverem pronunciado.

A elaboração e emenda dos estatutos levantaram muitas perguntas: tentamos precisar quais os mosteiros que podem aderir à união e quais os direitos e obrigações que exige tal adesão. Nos debruçamos sobre a questão das saídas da clausura, multiplicadas pelas exigências de Cor Orans e que provocaram algumas reticências da parte de alguns membros, com esta pergunta subjacente : nossa Conferência dos mosteiros do Oceano Índico tem sentido quando se pensa em federações, tais como pede Cor Orans?

Os artigos 1, 2, 4 e 7 querem responder a estes questionamentos: o objetivo de nossa Conferência é promover a vida contemplativa entre os mosteiros da região e favorecer a colaboração entre nós. A vida contemplativa tem a riqueza de carismas diferentes e as formações que recebemos juntas nos ajudam a ficar fiéis ao nosso chamado e a ajudar-nos mutuamente. Somos pouco numerosas, numa região muito vasta, em Igrejas ainda jovens. A maior parte das nossas comunidades são jovens, e, como prioresas, sentimos a necessidade de formação e de ajuda mútua. Nossa adesão à Conferência é também um testemunho da nossa unidade na Igreja. O artigo 2 detalha os serviços que a Conferência presta aos mosteiros aderentes.

Sublinhamos no artigo 7 a necessidade das comunidades aderentes de participarem na assembleia das superioras, ao menos enviando uma delegada, se a superiora não puder ir, para guardar um laço vivo com a Conferência.

Temos consciência que os mosteiros das ilhas do Oceano Índico, por causa da distância que os separa de Madagascar e da impossibilidade financeira para pagar as viagens não terão a possibilidade de ir a todas as assembleias ou encontros de formação. É por isso que no artigo 7 lhes damos a possibilidade de delegar uma monja residente em Madagascar para as representar, quando não podem vir.

Pareceu-nos sábio não fixar nos estatutos (art. 7) a frequência de nossas assembleias de superioras; atualmente são anuais, mas poderíamos pensar em nos reunirmos a cada dois anos no futuro. Assim é o regulamento interno que indicará a frequência de nossas assembleias, em função da escolha dos membros da Conferência.

Quando dialogamos sobre os direitos e deveres dos membros da Conferência, pareceu-nos importante lembrar que a participação na assembleia das superioras condiciona a participação das comunidades nas outras atividades propostas pela Conferência. Os encontros de formação propostos às comunidades são facultativos, mas a presença (ou a representação) de todos os membros na assembleia, é absolutamente necessária para o bom funcionamento da Conferência.

No artigo 22, mencionamos os Padres assistentes da Conferência, como sendo de direito os superiores dos Beneditinos de Mahitsy e dos Cistercienses de Maromby, que têm acompanhado a nossa associação desde as primeiras reuniões. Sendo eles mesmos monges contemplativos, parece-nos que são os melhores para realizarem essa função.

Desejamos expressar nosso reconhecimento ao P. Louis-Martin que colocou sua competência de canonista a serviço da nossa Conferência para a realização do trabalho de redação dos estatutos.

 

III- Diálogo sobre diversos assuntos e perspectivas para o futuro

Dialogamos sobre nossos desejos para a formação das superioras no futuro: parece-nos importante continuar a trabalhar Cor Orans, pois muitos pontos não foram abordados, especialmente: as fundações, a ereção canônica, a formação e os meios de comunicação. Por isso pedimos ao P. Louis-Martin para voltar no próximo ano para continuar a ler conosco Cor Orans e também para nos ajudar na redação do regulamento interno da nossa Conferência (a comissão redigirá um esboço que será trabalhado na assembleia). Também se as comunidades propuserem emendas aos estatutos, discutiremos juntas.

Nossa próxima assembleia será de 27 de abril a 4 de maio de 2020. Estaremos de novo em Fianarantsoa, para facilitar a presença do P. Louis-Martin.

Para reforçar a comunhão entre nós, entre as assembleias, eis algumas propostas:

- No final do ano, por ocasião da troca de votos, cada comunidade poderá comunicar à Ir. Agnès as sessões, ou conferências de que se beneficiaram durante o ano, com os nomes de possíveis conferencistas, para dar ideias às outras. Em Janeiro Ir. Agnès fará chegar essas informações às outras comunidades.

- Também quando uma comunidade vive um acontecimento importante pode comunicar à Ir. Agnès que o transmitirá às nossas comunidades.

- As vezes há talentos nas nossas comunidades que poderiam ser partilhados: poderíamos pensar numa ajuda recíproca para o canto, por exemplo, ou outro assunto? Isso poderia permitir a uma de nossas irmãs passar alguns dias numa outra comunidade.

- Em 2021 ou 2022, poderíamos pensar numa formação para jovens professas solenes; alguns temas foram evocados: a consagração, a perseverança, a gestão das crises, liberdade e discernimento no uso dos meios de comunicação, a importância da vida interior.

- Madre Marie-Jeanne de Joffreville propôs uma sessão para as superioras, ou para jovens, em Joffreville. Seria uma ocasião para organizar um encontro testemunho com os cristãos da diocese, sobre a vida contemplativa, que é muito pouco conhecida no Norte, ainda pouco cristianizado. Madre Odette, do carmelo de Morondova disse-nos que a sua situação é semelhante e deseja também nos convidar. Nós vemos que é útil ajudar as comunidades com nossa presença, mas a distância e o custo das viagens também tem de ser levados em conta. Sabemos que Madre Marie-Jeanne e Madre Odette fazem, cada ano, muitos quilômetros em más estradas, para virem nos encontrar.

Todos os participantes expressaram, calorosamente, seu reconhecimento à AIM, que nos ajudou financeiramente para esta assembleia e para a sessão de formação dos formadores, que vai acontecer em Maromby de 19 a 26 de Setembro de 2019 com ir. Marie-Florence, pfm, sobre o tema do acompanhamento (19-22) e depois o P. Georges sj sobre o discernimento (23 a 26 de Setembro). Já há uns quarenta inscritos.


IV- Convite para um encontro das contemplativas

com o Papa Francisco, no dia 7 de setembro

Também conversamos muito durante esta assembleia sobre como responder ao convite da Conferência dos Bispos de Madagascar, para o encontro das monjas contemplativas com o Santo Padre no Carmelo de Ampasanimalo em Tananarive, no dia 7 de Setembro de manhã.

Pensamos ser umas cento e trinta monjas e sete postulantes, se for possível para elas estarem conosco. O encontro com o Santo Padre terá uma palavra de acolhimento pela Madre Maddalena, prioresa do Carmelo, uma exortação do Santo Padre e a oração do Ofício do Meio-Dia com o Papa. A liturgia já está preparada e foi aprovada pela Santa Sé. Chegaremos cedo, de manhã, para ensaiar juntas. Um presente a ser oferecido está excluído pelo protocolo; apesar de tudo fizemos uma arrecadação de 7000 ar por comunidade e pedimos às irmãs do Carmelo de Tuléar de bordarem um mapa de Madagascar, com os nomes de cada uma das comunidades; as irmãs de Ambositra prepararão um cartão em Bambu que assinaremos. Certamente poderemos entregar esse presente ao secretário do Santo Padre.

Obrigada a cada um por sua participação ativa neste encontro de formação.




Programa de formadores monásticos da ABECCA

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Dom Alex Echeandía, OSB

Presidente da ABECCA


Relatório do programa de formadores monásticos da ABECCA

Guatemala, 14-23 de julho de 2019

 


ABECCA (Associação Beneditina e Cisterciense para Caribe e Andes) foi criada em 1978, e reúne 53 comunidades de 17 países desta parte da América Latina. A cada 4 anos, em diferentes países da Região, beneditinos e cistercienses encontram-se para uma partilha de experiências acompanhada de conferências. É um tempo privilegiado em que as comunidades conseguem se encontrar, apesar das dificuldades ligadas à distância e ao pequeno número de pessoas que cada comunidade envia.

A última assembleia de ABECCA aconteceu em Bogotá em julho de 2017. Nesse encontro os participantes expressaram a necessidade de ajudar os formadores em exercício, ou em formação, pois são muito importantes para o futuro da vida monástica na América Latina e no Caribe. Alguns pediram que a ABECCA organizasse um curso para jovens professos e noviços, mas outros pensam que seria melhor focar nos formadores, pois isso atingiria também os jovens em formação e toda a comunidade, na linha da formação contínua.

Em outubro de 2018, o Conselho da ABECCA reuniu-se na Guatemala para fixar as datas, os temas e os mediadores no primeiro curso monástico para formadores organizado pela ABECCA. A ideia era encontrar um assunto que servisse de base sólida para os cursos futuros e que pudesse ajudar as comunidades. Depois de muita reflexão, foi decidido abordar o tema ligado à falta de maturidade no processo de formação, antes e depois da profissão.

A atenção centrou-se sobre os fundamentos da tradição monástica a fim de saber como os mais velhos podem transmitir-los aos mais novos, a casa mãe a uma fundação, os formadores aos formandos. É importantíssimo na vida monástica conhecer os padres monásticos, a regra de São Bento e a aplicação desta tradição à vida presente.

Depois a atenção centrou-se na pessoa humana. Como os afetos e as emoções se integram harmoniosamente no processo de formação para ajudar os candidatos a amadurecer na vida monástica e como cristãos. Este aspecto humano diz respeito aos que estão em formação, aos formadores e a toda a comunidade. A humanidade toca as profundezas de cada membro da comunidade.

Finalmente pensou-se no aspecto espiritual a partir dos dois primeiros fundamentos, a tradição monástica e o comportamento humano, a fim de permitir ao Espírito agir no quadro do chamado de Deus a viver com maturidade a vida monástica.

De 14 a 23 de julho, monges e monjas, irmãos e irmãs se reuniram na Guatemala para participarem no primeiro curso de formação monástica da ABECCA. Havia 26 participantes vindos do México, Peru, do Norte e Centro da América do Sul e do Caribe. Alguns participantes tinham anos de experiência como formadores, outros acabavam de ser nomeados para acompanhar os que recém ingressaram.

Estavam presentes conferencistas de renome: o Abade Paul Stonham, osb, da abadia de Belmont dirigiu os três primeiros dias sobre o conhecimento dos Padres monásticos e sublinhou a importância da tradição monástica, desde o cristianismo primitivo até hoje na América Latina. Irmã Marta Inês Restrepo, psicanalista e licenciada em acompanhamento espiritual animou dois dias de conferências sobre o comportamento humano e a dignidade da pessoa. Finalmente o Abade Bernardo Olivera, ocso, o célebre antigo Abade Geral dos cistercienses, animou três dias sobre o caminho espiritual, utilizando a tradição e o comportamento humano para mostrar como viver uma vida monástica com maturidade. Os três oradores foram muito apreciados.

Por seu lado os participantes puderam partilhar suas experiências, suas dúvidas e sua riqueza no papel de formadores. Reuniam-se duas vezes por dia, depois de cada uma das duas conferências, dadas de manhã. No final do dia tínhamos uma sessão plenária para cada um falar e partilhar o que tinham visto nos grupos. Foi um encorajamento e uma ajuda recíproca para melhor enfrentar a situação própria de sua comunidade.

Este estudo comum da vida monástica na sua pluralidade permitiu que este primeiro curso monástico para formadores fosse fecundo. Os instrumentos culturais tornaram isso possível, assim como a necessidade de crescer como instrumento da graça de Deus na sua própria comunidade.

No entanto pode-se dizer que na ABECCA há ainda países com um só mosteiro masculino, ou feminino. Uma comunidade isolada tem dificuldade de entrar em relação com um outro formador monástico e, portanto, de partilhar o fardo e os desafios que a sociedade apresenta. É evidente que é necessário promover tais reuniões e torná-las eficazes e preciosas. Organizando cursos como este, a ABECCA encontrou um modo de ir para a frente, permitindo às comunidades crescer, lá onde estão. Assim este primeiro curso de formadores monásticos foi uma resposta à vontade de Deus para o bem de cada comunidade da região.

O curso de formação de língua francesa “Ananias”

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Irmão Moïse Ilboudo, OSB

Koubri - Burkina Faso


Testemunho sobre o curso de formação de língua francesa “Ananias”

 

 

Estou muito contente de ter podido participar do encontro "Ananias" durante três meses com um programa bem definido. Não pudemos esgotá-lo com os moderadores. Essa idas de mosteiro em mosteiro representam, para mim, a caminhada dos Reis Magos (cf. Mt 2,1-2), seguindo a estrela que os guiava e a Virgem Maria percorrendo as montanhas para visitar sua prima Isabel.

O encontro reforçou na minha escolha: a vida monástica nas suas profundezas de graça e seus benefícios. Fiz a experiência que formar noviços para a vida monástica começa por me deixar transformar; e que dar, exige que se saiba receber, como nos diz o livrinho “Pequena reflexão sobre Ananias”. Ananias discípulo de Cristo, o iniciador de Paulo à vida em Cristo, deve ser um modelo, um ícone seja qual for o meu cargo. Como nossa religião cristã é uma transmissão, uma fé viva que se realiza na Palavra celebrada e rezada, as três primeiras semanas da estadia no mosteiro Pierre-qui-Vire fizeram-nos mergulhar no mistério de Cristo: Paixão-Morte-Ressurreição! Esses ensinamentos nos conduziram até ao final do encontro.

Em suas intervenções o Pastor Pierre-Yves Brandt acendeu uma pequena chama em mim, que tentei proteger até ao final, para que possa crescer como uma semente colocada na terra. Ela deve brotar e dar fruto no tempo, na minha vida monástica de cada dia, para que os outros possam comer dos seus frutos. Como não há rosa sem espinhos, a vida monástica é plena de beleza, formada por um conjunto de indivíduos, onde cada um tem seu caráter próprio, que tem de lidar na frente dos outros: é a vida fraterna! Pierre-Yves me ensinou, graças a exercícios práticos, a encontrar uma solução diante de tal ou tal situação. Como fazer para administrar isso? Ler e reler minha vida, voltar a mim, ser pontual para melhor transmitir o que recebi. Referir-me sempre à Sagrada Escritura, à Regra de São Bento, às Constituições, ao Costumeiro, tudo ferramentas práticas. Tenho de levar em conta a situação atual em que me encontro. Devo ser responsável por mim, em tal ou tal situação, e colocar-me no lugar do outro para melhor agir e não para me defender. Há sempre mil soluções, mil maneiras de gerir uma situação e de saber escutar o Espírito Santo.

É na lectio divina que o monge escuta o Espírito Santo, a Palavra de Deus. A lectio divina é o lugar de aprendizagem da leitura das Sagradas Escrituras, para melhor escutar uma palavra que vai permitir-me ler, reler minha vida e decifrá-la. A tradição é um tesouro de onde se tira coisas novas e velhas, é uma dinâmina de vida que nos leva ao encontro com Deus. O P. Armand Veilleux nos dizia que transmitir a tradição é transmitir a experiência da vida monástica. A formação é um processo.

Fomos formados à imagem de Cristo, deformados pelo pecado e reformados pela graça de Cristo. O papel do formador é a integração e a formação: ajudar a pessoa, que vem ao mosteiro, a se transformar, a se integrar da comunidade, que a acolhe.

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