O DOM DOS MAIS VELHOS

P. Martin  Neyt, OSB

mneytCercados por uma nuvem de testemunhas que os precederam no Reino de Deus, os mais velhos de nossas comunidades são os primeiros a espreitar a Aurora que está para chegar. Como vivem eles esta etapa da vida? O que podem transmitir de suas experiências? Na comunidade do Mosteiro de Santa Batilde, em Vanves, onde está sediada a AIM, as monjas mais velhas são numerosas; ao lado delas vivem jovens monjas que estudam em Paris, vindas de outros continentes. Cada uma das mais velhas dá testemunho de sua história, de sua fidelidade à oração comunitária, da serenidade e da alegria que lhes é própria; as mais jovens têm tudo para aprender com as outras culturas, em seus cursos, na descoberta de Paris, mas, sobretudo, pela maneira como uma comunidade vive na presença de Deus e dos outros. É um exemplo, dentre muitos, de como as riquezas da vida monástica podem ser comunicadas de uma geração para outra.

Desde os primórdios do monaquismo, o mais velho ou ancião era visitado, honrado, escutado. Ele é dom de Deus, é aquele que abre o caminho do Reino de Deus. Ancião ou «abba», ele é reconhecido como tal por seu exemplo, seu discernimento, sua sabedoria. Monges mais novos são igualmente chamados ancião, «abba». O ancião está na origem de uma tradição que vai se comunicando e chega até nós.

Na África, como nos desertos do Egito, as culturas tradicionais estão fundamentadas na tradição oral. Os anciãos são aqueles que já possuem uma experiência e transmitem uma vivência; os jovens são aqueles aos quais pertence o futuro, o porvir. O presente é, por excelência, o momento da comunicação e, como lembra o P. Boniface Tiguilla, OSB, é sobre a corda velha que se tece a nova! Ademais, a formação é iniciática e está na ordem do presente. Como viver plenamente esse «hoje, eu começo» dos primeiros monges? Como envelhecer bem?

A experiência é a primeira virtude do ancião. Seus atos e suas palavras refletem essa liberdade interior que ele adquiriu ao longo dos anos. Cada uma de nossas comunidades monásticas guarda uma lembrança comovida de seus anciãos. Os momentos vividos com eles se inscrevem em nossos corações, às vezes até com bastante humor, pois o testemunho único e original de cada um deles reflete ao mesmo tempo seu temperamento e sua sabedoria. Os ditos e palavras dos Pais do deserto exprimem, à sua maneira, a originalidade do «abba» em sua transmissão de uma palavra do Evangelho; entretanto, será que não poderíamos também coligir fatos e palavras semelhantes em cada uma de nossas comunidades?

A idade também tem suas exigências, dom e desafio para o nosso tempo. Irmã Joan Chittister, OSB, volta às fontes da vida humana. Como adentrar em seus anos? Medo da velhice ou esperança de envelhecer bem? «O entardecer de uma vida bem vivida traz consigo luz própria». «À medida que envelhecemos, escreve La Rochefoucauld, nos tornamos ao mesmo tempo mais loucos e mais sábios». De fato, tornamo-nos mais conscientes do significado das coisas e também de sua inconsistência. Por meio de tais reflexões e ainda de outras, a autora descreve o lado direito e o avesso dessa etapa, a fim de extrair dela alguns comportamentos essenciais. Os mais velhos têm consciência de tudo isso. Eles deixarão para trás o sistema de valores que lhes terá marcado o próprio compromisso. Como transmitir, ou melhor, o que transmitir quer dizer e supõe? É a contribuição de Dom Nicolas Dayez, OSB. Antes de gostar de transmitir, é preciso, sobretudo, gostar de receber, gostar de ter recebido. São comentados grandes exemplos de transmissão: São Bento, São Paulo, Maria no momento da Anunciação, Cristo. Estes tiveram amor para gerar, lembra Michel Serres, pois tiveram amor à própria maneira com que foram gerados. Trata-se de uma verdade eminentemente pessoal, também ela comunitária. Não é, afinal, a comunidade o lugar por excelência de formação consciente e inconsciente?

Dom Denis Huerre, OSB, dá um testemunho inestimável como mais velho. Retomando um conceito da Regra beneditina, herdado dos romanos e de Filão, «humanitas», ele o desenvolve no sentido de uma cultura que respeita o homem, equilíbrio e medida, discernimento... Sob esse prisma, o ancião é percebido como alguém que nasceu antes. Ele é visto como sábio e servidor. Ele encontra em Cristo, o verdadeiro Ancião, o Primogênito. Não seria isso um sinal do futuro que vem? Um obstáculo maior a ser afastado, evitado e ultrapassado com o auxílio divino é a famosa tristeza do desejo de Deus que pode se tornar corrosiva. Ela é analisada por Dom Bernardo Olivera, OCSO, ex-Abade Geral dos trapistas. Não é somente o fardo dos mais velhos, mas de qualquer vida perante o fracasso. Aí está um assunto da maior importância que pode nos trazer esperança e gosto pelo essencial. Em nosso universo abalado por tantas provações, nunca será inútil relembrar as tentações fundamentais que minam a fé e a perseverança daquele que está comprometido no caminho. Ultrapassá-las com a graça de Deus e a presença de um mais velho, libera a alegria para amar, engendra a paz e a bondade, apaga a amargura e desperta o desejo de Deus.

Outros artigos corroboram esse dom dos mais velhos em nossas comunidades. A história das «Amantes da Cruz», religiosas autóctones vietnamitas, conserva o caráter familiar do confucionismo e o transcende à luz do Evangelho. Irmã Marie Tuyêt Mai realça as correspondências e as rupturas que foram vivenciadas. Do Diálogo Inter-Religioso, na França e na Noruega, passando pelas notícias dos Mosteiros na Argentina e no Brasil, é o IX Centenário de Santo Anselmo de Cantuária que chama a atenção. O Decano da Faculdade de Filosofia do Pontifício Ateneu de Santo Anselmo, em Roma, relata esta celebração, honrada pela visita do Papa à Arquiabadia de Monte Cassino e por suas palavras. Como concluir, senão que o passado vive no presente e o presente se enraíza na espera da volta de Cristo? Em definitivo, é esta visão dinâmica do Evangelho que transforma nossos atos e nossas palavras de cada dia e instaura o Reino de Deus no meio de nós.

Traduzido do francês por Dom Matias Fonseca de Medeiros, OSB