OS ANCIÃOS EM QUESTÃO
Dom Denis Huerre*, OSB
O autor deste artigo é um grande ancião em todos os sentidos da expressão. Por sua idade, pois tem mais de 90 anos; por sua experiência como Abade. Durante os 26 anos em que foi Abade de La Pierre-qui-Vire, acompanhou seus irmãos e também inúmeras comunidades, e isto ainda hoje. É bastante conhecido do mundo monástico que muito lhe deve.
Não é simples falar dos anciãos, considerando que a palavra «ancião» possui vários sentidos. Quando falamos dos anciãos, é de nossos irmãos idosos, de nossas irmãs mais velhas, como preferem dizer as monjas? Releiamos então o capítulo da Regra de São Bento determinando que se adaptem às capacidades dos velhos e das crianças as prescrições da Regra. Haveria necessidade de um capítulo inteiro só para tratar de algo tão natural? Natural, São Bento considera, mas ele queria ir mais além. Por este capítulo, saem do esquecimento os excluídos da vida pública que eram então a criança e o velho. Mas, sobretudo, e não é a única vez na Regra, recusa-se aqui uma tendência rigorista, surgida em determinados momentos da história de Igreja quando, a pretexto de renúncia ao pecado e por preferência mal equilibrada pelas «coisas do alto», um certo desprezo do humano parece ter-se imposto. Lembremo-nos dos excessos de Tertuliano ou de Hipólito, nos primeiros séculos cristãos, ou, mais recentemente, de um obsedante desejo de «reparação» a se exprimir numa forma de vida demasiado penitente, recusada por Roma como excessiva, em diversos pontos das Constituições planejadas para um novo mosteiro. O capítulo da Regra de São Bento sobre os velhos e as crianças testemunha a necessidade de uma justa humanitas, retomando uma palavra utilizada pelos romanos, ciosos de sua maneira de governar o mundo, palavra também empregada por Filão de Alexandria em sua defesa dos judeus e de seus modos de viver, então desprezados naquele mesmo mundo romano.
Humanitas, portanto. Humanidade, cultura que respeita o homem, equilíbrio e medida, discernimento: são expressões ou outras equivalentes que resumem o elogio da Regra, feito pelo Papa Gregório Magno. Mas para São Gregório como para São Bento, não é apenas uma questão do feliz equilíbrio humano da vida comum, nem da indispensável maturidade de cada um de seus membros. Além desses dados elementares, sempre requeridos para uma comunidade humana durável, trata-se da verdade de uma prática evangélica que diz respeito a todo ser humano, qualquer que seja sua idade. E no Evangelho, o homem é sujeito, não objeto(1).
Antes de falar mais diretamente dos irmãos idosos, cujo número parece inquietar os mosteiros europeus, procedamos por ordem: que significa a palavra ancião e, entre todos os significados que ela pode ter no uso corrente, qual é o mais fundamental? Modesto ponto de partida, decerto, para esse estudo, mas sólido e que se abre para os vastos horizontes do humanismo cristão.
1. O ancião, alguém que nasceu antes
Um ancião é, primeiramente, alguém que nasceu antes de outro. A palavra provém do latim tardio (século VIII) anteanatus, antea-natus, que evoluiu para: ante/, anti/, dando finalmente ancião. Se, na família, esse ancião tem irmãos nascidos depois dele, ele se chamará irmão «mais velho» (português) ou «antenato» (italiano) ou ainda «aîné» (francês), do latim popular antius, antes. E, em se tratando de um ancião ainda mais velho, será chamado ancestral, do verbo latino antecedere: o antecessor, o ancestral que precede, que é o precursor, o esclarecedor, etc. Por fim, o presbítero é a tradução do grego presbyteros, mais velho que, comparativo de presbys.
Se esse ancião nasceu primeiro, ele goza do direito de ancianidade, também chamado direito de primogenitura, que lhe confere uma certa preeminência, uma espécie de consagração. Esse direito lhe impõe a obrigação de fazer valer a herança familiar, seja ela uma propriedade, um apanágio ou um reino. Trata-se, sem dúvida, de bens materiais, mas, acima de tudo, da honra devida ao nome de uma família ou de um povo que não quer se extinguir. Esse direito de ancianidade é indiscutível enquanto sucessão de nascimentos no tempo, é aceito como natural e ainda hoje, nas famílias com filhos numerosos, o irmão mais velho tem uma autoridade moral reconhecida sem dificuldade por seus irmãos mais novos, pela família e fora dela. O mais velho dá facilmente o tom para a fraternidade, é nele que começa uma nova geração e se inauguram tempos novos para a família inteira. Na Regra de São Bento, o ancião é, em primeiro lugar, alguém que entrou antes de um outro na vida monástica, quaisquer que sejam sua idade e sua condição social.
2. O ancião visto como sábio e servidor
Por sua antecedência no tempo e pela experiência que dela resulta, o ancião se torna facilmente uma testemunha escutada. A tal ponto que a sabedoria manifestada, não mais por um filho mais velho, mas por qualquer homem, mesmo sendo jovem, faz dele um ancião, dando conselhos apropriados. Em toda organização social, os conselheiros do primeiro responsável devem ser sábios, não necessariamente pessoas idosas, fato banal. Mas onde São Bento inova, é na atenção dada aos juniores. Longe das prudências habituais dos adultos, esses jovens falam simplesmente sob a inspiração do Espírito que não cessa de fazer os humanos nascerem para a novidade da vida. E o Espírito pode até se servir dos mais jovens para dar a conhecer aos seniores, os mais velhos do que eles, essa realidade(2). Essa liberdade no Espírito é de uma tal urgência que o jovem se torna um modelo no qual, se o escutarem, os anciãos colocados à frente dos diferentes serviços comunitários poderão se inspirar. Aqui encontramos de certa maneira um eco das palavras de Cristo aos apóstolos quando pede, a eles e aos futuros responsáveis da Igreja, que se tornem como crianças. Conhecemos também a palavra de São Gregório Magno admirando São Bento, ainda jovem, se comportar como um sábio ancião, um senex.
Assim sendo, e qualquer que seja a sua idade quando for nomeado, já deverá ter dado prova de sabedoria espiritual o ancião encarregado dos noviços, ou o velho monge que acolhe os hóspedes, ou o simpecta tomando discretamente contato com o marginal, ou o celeireiro, ou o ancião capaz de ajudar os outros em seu combate espiritual e, sobretudo, o abade sobre o qual não se diz em lugar algum que deva ser idoso, mas sim um monge capaz de dizer sem cessar a seus irmãos as nova et vetera, o antigo e o novo que a meditação da Bíblia lhe faz descobrir para a vida dos monges. Pois, é exatamente da vida dos monges que é questão quando a Regra trata das funções confiadas a anciãos.
Ser «vetor de vida»(3). Todos estes anciãos sobre os quais falamos e mais ainda o abade devem sê-lo, favorecendo-a, protegendo-a como um presente recebido, um talento a ser valorizado. O ancião deve se mostrar um lavrador da vida e, porque a vida não lhe pertence, nem a sua nem a dos outros, ele deverá prestar contas de seu zelo na função que lhe foi confiada. Mas trabalhar e cultivar a vida, essa misteriosa realidade que constatamos aparecer, se desenvolver e se transformar já em vida eterna desde quando transfigurada pela caridade, qual é o ancião que pode se dizer qualificado para semelhante tarefa? O ancião que a recebe pode apenas crescer numa verdadeira pobreza espiritual, numa simples e forte humildade: ele nada mais é do que um servidor.
Deixemos, portanto, no seu devido lugar as funções que são as nossas no mosteiro. Marcantes, sem dúvida alguma, para nós e nossos irmãos, estes serviços são temporários e jamais saberiam exprimir a totalidade do desejo monástico, o desejo de viver. A pergunta de São Bento a todo candidato não é qual o serviço que ele gostaria de prestar, mas: quem quer viver e deseja ver dias felizes? (cf. RB, Pr 15). Eu, respondemos, sem nenhuma condição, como se assina um cheque em branco. Pois a vida é um dom recebido, sem que tenhamos a ela qualquer direito prévio(4).
Aqui chegamos ao ponto em que tudo me parece se encaixar: a vida como dom recebido e valorizado até sua realização plena na vida eterna, pois é esse o desejo de Deus. É então que Cristo intervém.
3. Cristo, o verdadeiro Ancião, o Primogênito
Em todas as situações, o monge deve permanecer na fonte da vida. É o que se evidencia, desde o Prólogo da Regra, na conversação entre Deus e o monge: uma aliança redescoberta, um convenant, como dizem nossos monges ingleses. Nesse diálogo de aliança, Deus toma a iniciativa em Cristo, o único que merece absolutamente o nome de Ancião. Nascido antes de todos os outros, possuindo o conhecimento de Deus e o poder de Deus a ponto de se tornar servidor do homem, Cristo sabe para onde vai o caminho humano e o experimenta por sua vida, sua morte, sua ressurreição.
«Imagem do Deus invisível, ele é o Primogênito de toda criação... O Primogênito dentre os mortos» (Cl 1, 15 e 18). Primogênito, ele possui a plenitude de Deus, ela habita nele corporalmente e, por isso, todas as coisas podem ser reconciliadas por ele com Deus (Cl 1, 19-20). Ele é o «Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus» (Ap 3, 14), «o Primeiro e o Último» (Ap 22, 13). E ainda o seguinte, da Carta aos Hebreus (1, 2): Deus o constituiu «herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo». Numa palavra, Cristo é, por excelência, o Vivente (Ap 1, 18; 2, 8), o Príncipe da vida (At 3, 15). Primogênito, ele tem o direito de primogenitura que ninguém lhe poderá tirar, como fez Jacó para com Esaú, o profanador, e que ele não cederá a ninguém, sobretudo ao diabo que veio tentá-lo no deserto prometendo-lhe nada menos que «todos os reinos do mundo com sua glória», se ele o adorasse. É este o nosso Ancião, Cristo e, deste Primogênito, tudo recebemos (Jo 1, 16), a vida, sua vida.
4. O ancião, sinal do futuro que vem
O ancião assume aqui seu nome de homem (ou de mulher) carregado de anos. Ele nasceu antes de nós e o vimos viver bastante. Mesmo tendo conservado uma saúde «sem remédios» ou não os tendo tomado muito e nem freqüentado hospitais, ele sabe estar próximo o dia de prestar contas do dom da vida e do uso que dela fez: Eu vim, ó Pai, para voltar a ti. Eu vim antes e depois de vocês, irmãos, e nós concordamos em tudo partilhar. Todos juntos, chegaremos aos cumes esperados. Vir, voltar, concordar, chegar: tudo fala do amor divino e fraterno que reúne e faz viver jovens, adultos e anciãos. O papel dos anciãos, dos mais velhos, dos antigos é sempre o mesmo, ajudar a olhar para mais longe. Suas doenças, seus defeitos, até mesmo seus pecados, tudo tem seu sentido, graças a Deus, no combate espiritual e na ajuda fraterna. Perseverança. Esperança.
A esperança diz respeito ao que há de vir, o futuro. Nada há de mais encorajador para um jovem, para o adulto que suporta o peso dos trabalhos, para o ser que está envelhecendo, para o agonizante, finalmente, saber que existe um porvir e que este porvir se chama ainda vida, a vida eterna.
Os anciãos em questão, tal é o título deste breve artigo. Poderíamos talvez dizer: a vida em questão. O ancião que nos deixa não é somente um moribundo, um pobre homem diminuído que não tem mais muito tempo, mas, prestes a morrer, vive uma experiência essencial(5). Ele viveu até o fim sua vida humana.
Ei-lo enfim e plenamente filho de Deus, verdadeiramente monge.
* Dom Denis Huerre é monge da Abadia de la Pierre-qui-Vire (França), da qual foi Abade de 1952 a 1978. Nascido em 1915, é, portanto, um «ancião» que fala por experiência.
Traduzido do francês por Dom Matias Fonseca de Medeiros, OSB.
(1) «Paradoxalmente, constata o Padre Claude Geffré, o declínio do humanismo coincide com o imenso desenvolvimento das ciências humanas». O homem estudado, analisado se torna objeto da ciência e «a própria palavra humanismo se tornou suspeita para a maior parte de nossos contemporâneos». Em Concilium 86, p. 8.
(2) O capítulo 63 da Regra de São Bento lembra que «Samuel e Daniel, meninos (pueri), julgaram anciãos». Dom Jean Leclercq (Dictionnaire de spiritualité, art. Humanisme & spiritualité, col 960) escreve: «As Regras que, dos séculos V ao VII, sobretudo, do século VI, permitiram a transição entre o monaquismo antigo e o da Idade Média, não tomaram posição de princípio quanto aos problemas da cultura e da concepção do homem. Elas fixaram uma prática. […] De maneira geral, como também disse um historiador da educação, «os monges redescobriram o menino» (P. Riché, Education et culture dans l’Occident barbare, p. 504). Usam de humanidade para com eles, reconhecem-lhes as qualidades e virtudes. Ora, isso acontece em decorrência do encontro com a tradição pedagógica profana».
(3) Assim diz A. Wénin em D’Adam à Abraham ou les errances de l’humain. Leitura do Gênesis 1-12.14, Cerf, 2007.
(4) Na revista Sens, publicada pela Amitié judéo-chrétienne de France, n° 11, 2008, p 565 ss, Face aux changements du rapport à la vie (Paul Thibaul), L’autoproduction de l’humanité (Hervé Juvin), Un idéal tyrannique (Patrick Vespieren sj), Une nouvelle condition humaine? (Grand Rabbin Gilles Bernheim).
(5) Esta idéia doi desenvolvida por Paul Ricœur, em Vivant jusqu’à la mort, Seuil, 2007.