Padre Benoît Standaert, OSB
é monge da Abadia de Sint-Andries de Zevenkerken (Bélgica),
doutor em Teologia e autor de vários livros de exegese bíblica e espiritualidade monástica.

AIM: UM JUBILEU

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES BÍBLICAS

Cinqüenta anos de existência, centésimo número da revista: é algo para celebrar e não pode passar despercebido! A memória exulta de alegria: queremos nos lembrar, desenhar o inteiro arco do tempo, sete vezes sete mais um! O tempo exige! A festa se impõe! Como não jubilar!

O ano jubilar bíblico

Eis-nos aqui em plena lógica bíblica! Pois foi a Bíblia que nos educou nesta matéria. É ela que inculca esse sentido dos arcos de sete anos na vida: assim como a cada semana se observa um dia de repouso e de liberdade, chamado «sabbat», de igual modo, a cada sete anos, se introduz a pausa de um «ano sabático» onde a criação é respeitada e como que libertada de todas as suas servidões habituais. E mais notável ainda é o que acontece depois de sete vezes sete anos: o qüinquagésimo ano é chamado «ano jubilar». As palavras «jubilar» (verbo ou substantivo: «jubileu») e «júbilo» remontam todas ao hebraico yobel (IbeîAy), que encontramos no Livro do Levítico, capítulo 25, versículo 10.

«Santificareis o qüinquagésimo ano e publicareis a liberdade na terra para todos os seus habitantes. Será o vosso jubileu. Voltareis cada um para as suas terras e para a sua família».

shofarYobel significa ao pé da letra «carneiro» ou «chifre de carneiro» (cf. Js 6, 5). No anúncio do ano jubilar far-se-á soar o chifre do carneiro (cf. o versículo anterior, Lv 25, 9: «... farás soar a trombeta...») e, sem dúvida, é a partir daí que provém a expressão «ano jubilar». Quando São Jerônimo se ocupou com a tradução dessa passagem, criou o termo latino jubilæus e definiu, a seguir, esse ano como «um ano de reparação» ou de «perdão»: remissionis annus.

Um ano de yobel, ano jubilar, é tradicionalmente, tanto na Bíblia quanto no judaísmo e no cristianismo, um ano de conversão e de renovação do espírito, em que as pessoas se reconciliam e todas as relações desfeitas são renovadas, sejam elas para com Deus, para com o próximo, para com a terra ou a natureza, e até mesmo para consigo próprio. Note-se como Jesus, na sinagoga de Nazaré, abrindo o rolo de Isaías, anunciou um «ano de graça». O contexto indica tratar-se de um ano no qual a liberdade é dada aos cativos, os cegos recobram a vista, e para dizer tudo, «a boa nova é anunciada aos pobres» (Lc 4, 17s.; Is 61, 2-3). Por ocasião de um ano assim, sabático ao quadrado (7 x 7 + 1), se interrompe tudo a fim de que se torne possível refletir, render graças e perdoar. As dívidas são remidas, os irmãos que se tornaram escravos são libertados, as propriedades que foram alienadas são restituídas. Estamos aqui perante uma visão extremamente poderosa da tradição sacerdotal: a cada cinqüenta anos proclama-se uma restauração geral em nome de Deus. A continuação da leitura desses textos significa que nos damos conta da necessidade de restauração e de perdão como algo bem mais importante do que todos os direitos adquiridos às custas dos outros. Nunca se dispõe de coisa alguma para sempre. Porque Deus é Deus e Senhor do tempo, a Lei determina que, de geração em geração, restaure-se a vida naquilo em que ela foi desarticulada, quaisquer que tenham sido as razões, fome, luto prematuro, uma epidemia. Deus é o único a garantir a continuidade pelas gerações afora!

Portanto, nada de «júbilo» sem conversão, nada de ano jubilar sem restauração das relações humanas numa comunidade ou entre diferentes comunidades. Ao aproximar-se o ano 2000, o Papa João Paulo II fez um esforço notável para melhorar as relações com todas as comunidades cristãs ortodoxas e protestantes. Os grandes cismas da Igreja aconteceram efetivamente no decurso do segundo milênio. Igualmente, no plano político, houve esforços para diminuir ou até mesmo anular a dívida dos países pobres. Essa visão bíblica é, de modo impressionante, bem mais poderosa do que todas as medidas de reparação que nossa sociedade moderna é capaz de propor.

Eis aí uma primeira mensagem. Nesses cinqüenta anos de existência da AIM, com suas três letras cujos significados foram mudando com o passar do tempo, indicando assim um reajuste do organismo às novas maneiras de relacionamento entre as comunidades dos diferentes continentes, devemos indagar: qual será a nova liberdade a ser estabelecida nos laços que nos unem? Para onde apontam as exigências do texto bíblico quando reconsideramos essas cinco dezenas de anos de serviço? Qual será a «boa nova» para quais «pobres» hoje, de maneira prioritária?

«Jubilar», com uma alegria inenarrável e sem medida

Com efeito, «jubilar» e «júbilo» significam em nossas línguas fazer festa e manifestar uma alegria exuberante(2). A alegria é, nesse contexto, compreendida antes de tudo como um benefício extraordinário! O vocabulário latino dos Padres da Igreja, como Santo Hilário e Santo Agostinho, valorizam bastante os termos jubilare, jubilatio, jubilus. Por essas palavras eles designam uma certa forma de alegria, tanto interior quanto exterior, expressa por aclamações ou cantos no quais a fronteira entre interioridade e exterioridade é abolida. No universo musical, o termo jubilus designa um vocalize sobre a última sílaba do Aleluia. O enraizamento bíblico desses termos é igualmente reconhecível(2).

O que perdemos de vista e ficou como que esquecido em nossos dias é que a jubilatio é um canto de louvor que de algum modo perde o controle. Na jubilatio não se pronunciam mais palavras bem articuladas, há somente sons! No canto gregoriano, por exemplo, o versículo se transforma subitamente numa sucessão de a e de o, como num delírio. O movimento de renovação carismática recuperou alguma coisa disso quando convida a «orar em línguas». Aprende-se assim a dar novamente forma àquilo que está além das palavras. Em seus comentários sobre os salmos, Santo Agostinho mais de uma vez se exprimiu a respeito desse momento preciso da oração de louvor: «Deixa de te preocupares em encontrar palavras adequadas, diz ele, mas canta de júbilo!» Assim, ao comentar a introdução do Salmo 32 (33), escreve:

«Cantai bem. Cantai com júbilo (Sl 32[33],2). Cantar bem para Deus é cantar com júbilo. O que é cantar com júbilo? É compreender e não poder explicar com palavras o que se canta com o coração. Com efeito, os que cantam na colheita, na vindima ou em qualquer trabalho intenso, começam a exultar de alegria com as palavras do cântico; mas depois, quando cresce a emoção, sentem que já não podem explicá-la por palavras, desprendem-se da letra das palavras e entregam-se totalmente à melodia jubilosa. O «júbilo» é aquela melodia que traduz a incapacidade de exprimir por palavras o que sente o coração. E a quem pode consagrar-se este cântico de júbilo senão ao Deus inefável? É realmente inefável aquele que não podes dar a conhecer por palavras. E se não tens palavras para o dar a conhecer e não deves permanecer calado, nada mais te resta senão cantar com júbilo. Sim, para que o coração possa expandir a imensidade superabundante da sua alegria sem se ver limitado pelas sílabas das palavras, cantai ao Senhor com arte e com júbilo» (Comentário sobre o Salmo 32[33],3).

Para Santo Agostinho, a jubilatio começa pela admiração diante de todo o universo criado para, em seguida, se concentrar na criatura espiritual, chamada pela graça a ver a Deus apesar de sua dessemelhança; no instante em que ela ultrapassa essa dessemelhança no amor, a criatura espiritual percebe quem é Deus, mas também se dá conta de que jamais conseguirá dizer o que entrevê.

«Antes de experimentá-lo, julgavas poder falar de Deus; começas a percebê-lo, e verificas ser impossível traduzir o que experimentas. Ouviste o júbilo da terra inteira, se teu júbilo se expande diante do Senhor. Jubila diante do Senhor. Não dividas teu júbilo por este ou aquele objeto. Enfim, as criaturas podem ser descritas de um ou outro modo. Somente ele é inefável» (Comentário sobre o Salmo 99[100],6).

«Jesus meu júbilo» (São Bernardo)

Semelhantes considerações e outras ainda do Bispo de Hipona não cessarão de nutrir através dos séculos toda a cristandade ocidental.

São Bernardo de Claraval escreve: «Jesus é mel na boca, melodia no ouvido, júbilo no coração» (Jesus mel in ore, in aure melos, in corde jubilus).

Ricardo de São Victor associa o júbilo a um certo estágio da vida espiritual, no penúltimo degrau, imediatamente antes da perfeição. Outros o seguirão neste caminho.

Jean Ruusbroec descreve na primeira parte de seu Tratado Des XII Béguines a elevação da alma em quatro modos. A primeira é o jubilus ou jubilatio, a segunda a contemplatio, seguida da speculatio antes de atingir o modo mais elevado da oerewoet ou tempestade de amor: «Então o Espírito do Senhor fala abertamente ao coração que ama e lhe diz: "Eu sou teu e tu és meu. Eu permaneço em ti e tu, tu vives em mim". Sob a ação dessa luz e desse toque, a alegria e as delícias para a alma e para o corpo são tão grandes nesse coração elevado, que o homem não compreende o que lhe aconteceu e não sabe como suportá-lo: é isso que se chama jubilus, algo que ninguém pode exprimir por palavras nem conhecer, a menos que o tenha experimentado. Isso existe no coração que ama, que está aberto a Deus e fechado a todas as criaturas. E daí provém a jubilatio, que é um amor de coração, uma chama ardente de devoção, com ação de graças e louvor, em eterno temor reverencial para com Deus. (...) Eis, portanto, o modo menos elevado da vida contemplativa, quando praticada com pureza de coração e elevação do olhar para as coisas divinas, e onde o amor afetivo se traduz com devoção e desejo, em ação de graças e em louvor, perante a face de Deus» (Des XII Béguines, cap. 10).

São João da Cruz, por sua vez, coloca o júbilo entre os mais altos graus do crescimento espiritual. Em seu Cântico espiritual, ele define o júbilo como «o canto de dois rouxinóis» (estrofe 39, 8-10). O místico espanhol acentua como, nesta fase, ocorre uma transformação, porquanto «nesta união a alma verdadeiramente jubila e louva a Deus com o mesmo Deus». «Tal é o canto que ressoa dentro da alma, na transformação em que se acha nesta vida, e cujo sabor é acima de todo encarecimento. Não chega ainda, porém, a ser tão perfeito como o cântico novo da vida gloriosa; e, assim, deliciada a alma com o gosto que dele sente nesta terra, vislumbra através da sublimidade deste canto do exílio, a excelência do que ouvirá na glória, incomparavelmente mais sublime». Na Viva chama de amor, ele descreve o estado de «júbilo» no final da segunda estrofe (35-36), comentando o último versículo: «Matando, a morte em vida me hás trocado». Transformação e júbilo se encontram aqui e se fundem um no outro.

Em todas essas considerações ulteriores sobre o «júbilo», Santo Agostinho nunca foi tão longe.

Nesse ano jubilar da AIM, acolhamos também essa bela tradição latina, meio esquecida: louvemos a não termos mais palavras, rendamos graças Àquele que, inefável, ultrapassou nossas expectativas e realizou maravilhas, sete vezes sete anos seguidos, e cantemos-lhe sem medida, o que constitui a única medida digna dele. Aliás, ao fazermos silêncio, não descobrimos que esse canto de louvor é ele próprio quem o inspira? O verdadeiro louvor vem dele e volta para ele, Deus, a preparar em nós, para si mesmo, um louvor que, por seus atos, é infinito em si mesmo. Alegria inenarrável! Amém! Aleluia!


Traduzido do francês por Dom Matias Fonseca de Medeiros, OSB

shmenora(1) Ver o artigo «Jubilation» de Aimé Solignac no Dictionnaire de spiritualité, ad loc.

(2) O grego utiliza os termos alalazô e alalagmos. No hebraico, há a raiz rou’a e re’a com o substantivo terou’a, que significa, entre outros, o grito de guerra dirigido ao Deus dos exércitos ou ainda o grito de júbilo ao voltar da colheita do vinho. No decurso dos séculos, essa exclamação foi se tornando cada vez mais litúrgica e era utilizada para invocar a Deus no templo enquanto rei da comunidade em festa. Os textos dão testemunho de uma interiorização progressiva desse grito primordial, com o qual se vem expressar toda a fé da comunidade.