P. Mauro Matthei, OSB
é Prior do Mosteiro de San Benito, em Llíu-Llíu, Chile.

A CONFERÊNCIA DE COMUNIDADES MONÁSTICAS DO CONE SUL (SURCO):
UM FRUTO DO CONCÍLIO

claseA «Conferência de comunidades monásticas do Cone Sul», cuja sigla é «SURCO», é uma organização dos Mosteiros beneditinos, cistercienses e trapistas, tanto masculinos como femininos, da região latino-americana chamada «Cone Sul»(1) (Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai). Sua finalidade principal é a colaboração, sob diferentes aspectos, entre os Mosteiros que seguem a Regra de São Bento. As principais manifestações dessa aliança espiritual são a publicação regular da revista Cuadernos Monásticos, ininterrupta desde 1966, a realização de retiros especiais para os Superiores, a organização anual de jornadas de estudo e formação para monges e monjas, além de uma editora chamada «Ecuam», divulgadora de publicações sobre assuntos monásticos. A organização mantém ainda um «site» web: www.Surco.org, onde podem ser obtidas informações mais detalhadas. Atualmente, o SURCO agrupa 26 Mosteiros, 13 masculinos e 13 femininos, dos quais 21 são beneditinos, 4 trapistas e 1 cisterciense.

Essa aliança espiritual inter-monástica, cuja coesão e utilidade foram comprovadas depois de várias décadas, é indubitavelmente fruto do Concílio Vaticano II. O desenvolvimento dos trabalhos conciliares foram acompanhados com vivo interesse por todos os Mosteiros e com desejo de aprender e tirar inúmeras conseqüências das declarações magisteriais. À diferença do Brasil, cuja implantação monástica beneditina de maior envergadura data de 1582, as nações hispano-americanas tiveram sua primeira fundação monástica em 1899, com o estabelecimento da atual Abadia del Niño Dios (na Província argentina de Entre Ríos). Quanto às fundações trapistas, estas começaram somente em 1958, com a primeira Abadia, em Azul (na Província de Buenos Aires). Portanto, a vida religiosa segundo a Regra de São Bento carece, nos países do Cone Sul, de um enraizamento mais profundo que caracteriza, sobretudo, as Ordens franciscana, dominicana, agostiniana, mercedária e jesuíta, bem como as Congregações mais modernas.

EucaristA esse ponto fraco dos inícios, acrescia o fato, entre os Mosteiros beneditinos, de cada um pertencer até os anos do Concílio a diversas casas-mães européias ou americanas, com seus respectivos Capítulos Gerais, visitas canônicas e regulamentos diferentes, que os tornavam dependentes de instâncias hierárquicas bem mais distantes e os mantinham, por conseguinte, mutuamente separados. No clima tão otimista de renovação e tempos novos provenientes que o Concílio irradiava, sentia-se nos diversos Mosteiros um desejo de aproximação, embora um tanto vago. O Decreto Perfectæ Caritatis, particularmente, havia provocado uma viva repercussão nas comunidades; e o seu número 22 foi considerado como um convite direto a se buscar uma união ou federação entre as casas dispersas. Dizia concretamente o mencionado Decreto: Institutos e Mosteiros independentes, conforme a oportunidade e com a aprovação da Santa Sé, promovam entre si federações, se de algum modo pertencem à mesma família religiosa(2).

Embora o convite do Concílio fosse claro e as vantagens de uma procura de união evidentes, fatores adversos logo se fizeram sentir. Sem falar das inevitáveis desconfianças, provenientes de formações espirituais e estilos de vida diferentes, além de certos preconceitos e temores, impunha-se o fato histórico de que nunca houve Congregação, Federação ou União sem um centro impulsionador, como o foram, por exemplo, o Mosteiro de Tabênese, no caso das federações pacomianas do antigo Egito; Cluny e Cîteaux, na Idade Média; ou as Abadias de Solesmes, Beuron, Subiaco e Sankt-Ottilien, nos tempos da restauração monástica do século XIX. No caso preciso do Cone Sul pós-conciliar, não havia nem um centro impulsionador e nem uma personalidade marcante que pudesse mobilizar os ânimos. Esta situação nós a descrevemos num estudo publicado em 1980, na revista Cuadernos Monásticos(3), intitulado: Implantación del monacato benedictino y cisterciense en el Cono Sur, com as seguintes palavras: No Cone Sul, o processo de integração dos Mosteiros não se desenvolveu segundo esquemas históricos do passado, mas foi o resultado de uma gradual e mútua aproximação, de uma tomada de contacto por vezes cauteloso e reticente, de uma espécie de paciente ecumenismo monástico, isento de personalismos irresistíveis.

LiturgiaContudo, o que mais pesou contra, nas primeiras tentativas do futuro agrupamento do SURCO, foi a idéia vaga e não suficientemente definida do objetivo que se queria atingir. Falou-se no começo na fixação de uma lei básica, para a qual se pensava pedir a ajuda da AIM. Como quer que queira, a primeira iniciativa partiu de uma instância puramente ocasional: alguns meses após o encerramento do Concílio, o Padre Santiago Veronesi, OSB, Prior do Mosteiro de Cristo Rei, no Siambón (na Província de Tucumán, Argentina), propôs aos Superiores dos Mosteiros do Cone Sul, fossem eles beneditinos ou trapistas, de monges ou de monjas, que se reunissem para estudar juntos os novos caminhos que o Concílio estava abrindo para a vida monástica e assim se preparar para o Congresso dos Abades beneditinos, que iria se realizar em Roma, e o Capítulo Geral da Ordem Trapista. Esse acontecimento histórico ocorreu nas amplas dependências do Mosteiro de Los Toldos, entre os dias 3 e 5 de março de 1966, contando com a presença de oito Superiores beneditinos, além de Dom Agustín Roberts, OCSO, Prior da Trapa de Azul, Madre Mectildes Santangelo, OSB, Abadessa da Abadia de Santa Escolástica, e de sua Prioresa, Madre Cândida Cymbalista, OSB(4).

Para o futuro desses encontros monásticos pós-conciliares, foram decisivas, já nesta primeira reunião, a presença tanto de Dom Prior Agustín como de Madre Abadessa Mectildes. Dom Agustín garantiu de uma vez para sempre a colaboração beneditino-trapista, uma das mais belas características do SURCO, que, à exceção da África e da Espanha, não aconteceu com a mesma intensidade em outras partes do mundo. De uma parte, os escritos do P. Thomas Merton e, num nível mais popular, os livros romanceados com temas monásticos, do P. Raymond, facilitaram um maior apreço da parte beneditina pela vida trapista; e de outra parte, os escritos do Bem-aventurado Abade Columba Marmion também haviam sido lidos nos Mosteiros trapistas. Além disso, o fato de que os beneditinos do Cone Sul não tinham paróquias nem grandes colégios, como é o caso em outras latitudes, fazia com que os trapistas se sentissem mais próximos. A mútua simpatia entre os monges negros e os monges brancos(5) não deixou de aumentar com o passar dos anos.

MonedaA presença constante nas reuniões inter-monásticas da Abadessa e de monjas do maior Mosteiro feminino do Cone Sul, a Abadia de Santa Escolástica, que naqueles tempos contava com cerca de oitenta monjas, deu peso e continuidade a um conjunto de Mosteiros menores e fundações efêmeras, muitas vezes ameaçados por situações críticas.

Como, por ocasião da primeira reunião em Los Toldos, havia maturado a idéia de se recorrer à AIM para estruturar a colaboração entre os Mosteiros, o segundo Encontro, realizado no Mosteiro do Siambón, entre 20 e 27 de junho de 1967, contou com a participação de Dom Paulo Gordan, OSB, monge da Arquiabadia de Beuron e então Secretário Geral daquela instituição, presidida por Dom Abade Marie-Robert de Floris. Uma vez que a primeira idéia de integrar-se à AIM, pela natureza mesma daquela instituição não era possível, seguiu-se o conselho de Dom Paulo Gordan no sentido de se constituir uma «Conferência de Superiores Monásticos do Cone Sul»(6). A Conferência elegeu o Padre Ignacio Bruni, OSB, Prior-Administrador da Abadia del Niño Dios, como seu primeiro Presidente, e assumiu imediatamente o patrocínio da revista Cuadernos Monásticos. Como segunda tarefa, planejaram-se os futuros encontros e as jornadas de estudo e formação. As decisões tomadas nessa ocasião continuaram dando bons resultados até o presente. Uma significativa modificação do nome da Conferência foi decidida no quarto Encontro, transcorrido no Mosteiro beneditino de Las Condes (em Santiago, Chile), em novembro de 1969: devido ao fato de que, além dos Superiores, também passou a ser admitida nos Encontros a presença de delegados das comunidades, estabeleceu-se que doravante o nome seria o de «Conferência de Comunidades Monásticas do Cone Sul». A sigla «SURCO» foi idealizada mais tarde, quando era seu Presidente, o Padre Martín de Elizalde, OSB. Sua vantagem consiste em que, além de conter as sílabas CO (Conferência) e SUR (Cono Sur), formam uma palavra nova muito simbólica, visto que «surco» em castelhano equivale ao que na língua portuguesa se diz «sulco».

MonedapatioO êxito do «SURCO» teve um outro efeito benéfico, pois a partir dos Encontros de 1968 e 1969, os beneditinos se animaram, por sua vez, a idealizar uma Congregação própria, a 21ª da «Confederação Beneditina». Assim, em 1970, foi possível erigir uma «Pré-Congregação», que desde 27 de dezembro de 1976, com a aprovação oficial da Santa Sé, começou a funcionar como «Congregação beneditina da Santa Cruz do Cone Sul». Em seu vigésimo quinto aniversário, publiquei um primeiro esboço de sua história: A los veinticinco años de la fundación de la Congregación benedictina de la Santa Cruz del Cono Sur (1976-2001), que ainda circula como manuscrito.

Traduzido do castelhano por Almerinda Gonçales d’Almeida.

participantes

(1) «Cono Sur» em castelhano.
(2) Decreto Perfectæ Caritatis sobre a atualização dos religiosos, do Concílio Vaticano II, n. 22.
(3) Cuadernos Monásticos XV (1980), n. 52, 21-128.
(4) A crônica circunstanciada desse encontro pode ser lida em Cuadernos Monásticos 1 (1966), n. 1, 1-18.
(5) Referência às cores do hábito dos beneditinos (hábito negro) e dos trapistas (hábito branco).
(6) A crônica do Encontro de 1967 acha-se em «Cuadernos Monásticos» 2 (1967), nn. 4/5, 245-255.
(7) As crônicas do 3º Encontro, realizado na Abadia de San Benito de Buenos Aires, em 1968, e do 4º Encontro, em 1969, em Las Condes, se encontram respectivamente em Cuadernos Monásticos 3 (1968), n. 7, 139, e Cuadernos Monásticos 4 (1969), n. 11, 38 ss.