Bento XVI
Encontro com o mundo da cultura
no Collège des Bernardins1
(…) Em primeiro lugar e antes de mais nada há que dizer, com muito realismo, que não era intenção [os monges e as monjas da Idade Média ocidental] deles criar uma cultura e nem mesmo conservar uma cultura do passado. A sua motivação era bem mais elementar.
O seu objetivo era: quaerere Deum, buscar Deus. Na confusão dos tempo em que nada parecia resistir, eles queriam fazer o essencial: empenhar-se por encontrar aquilo que vale e sempre permanece, encontrar a mesma Vida. Andavam à procura de Deus. Queriam passar das coisas secundárias às essenciais, ao único que é verdadeiramente importante e fiável.
Diz-se que estavam orientados de forma “escatológica”. Mas isto não deve ser entendido em sentido cronológico, como se olhassem para o fim do mundo ou para a própria morte, mas em sentido existencial: por detrás das coisas provisórias buscavam o definitivo. Quaerere Deum: visto que eram cristãos, não se tratava de uma expedição num deserto sem estradas, de uma busca rumo à absoluta escuridão. O mesmo Deus tinha estabelecido sinais de percurso, mais, tinha aberto um caminho, e a tarefa consistia em achá-lo e segui-lo. Este caminho era a sua Palavra que, nos livros das Sagradas Escrituras, se abria diante dos homens. Consequentemente, a procura de Deus requer por exigência intrínseca, uma cultura da palavra ou, como se exprime Jean Leclercq: no monaquismo ocidental, escatologia e gramática estão intimamente conexas uma com a outra (cf. L'amour des lettres et le désir de Dieu, p. 14).
(…) A Palavra que abre o caminho da procura de Deus, sendo ela mesma este caminho, é uma Palavra que se refere à comunidade.
Por certo, ela trespassa o coração de cada indivíduo (cf. At 2,37). Gregório Magno compara isto a uma dor repentina que atravessa a nossa alma sonolenta e nos acorda tornando-nos atentos a Deus (cf. Leclercq, ibid., p. 35). Deste modo, porém, torna-nos atentos também uns aos outros.
A Palavra não leva apenas pela via individual de uma imersão mística, mas introduz na comunhão com todos os que caminham na fé. Por isso, é preciso não só refletir sobre a Palavra, mas também lê-la de modo justo. Como sucedia na escola rabínica, também entre os monges a mesma leitura feita por cada um é simultaneamente um ato corporal. "Se, porém, legere e lectio são usados sem um atributo explicativo indicam, na maioria das vezes, uma atividade que, como no canto e na escrita, compreende todo o corpo e todo o espírito", diz a este respeito Jean Leclercq (ibid., p. 21).
1. Viagem apostólica à França por ocasião do 150° aniversário das aparições de Lourdes (12-15 de setembro de 2008).